segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

AVENTURA E MAGIA NA FASCINANTE HISTÓRIA DE LAMPIÃO



Ele é considerado a própria essência do cangaço. Virgulino Ferreira da Silva, o famoso Lampião, já foi tema de inúmeras publicações, novelas, filmes, seriados, músicas e folhetos de cordel. Personagem mítico e controvertido, ele continua vivo no imaginário popular do sertanejo, amado por uns, odiado por outros.

 Um fenômeno do banditismo? herói lendário? Essa já desgastada polêmica dá lugar a um personagem definido como “o mais puro e cruel representante do tosco e desumano liberalismo brasileiro”. É assim que o Rei do Cangaço é apresentado no livro Um repórter do futuro no bando de Lampião, escrito pelo jornalista Marcondes Araújo.

Curiosamente, essa figura fascinante da história brasileira, acusada de roubar políticos e coronéis, atacar fazendas e povoados e sobretudo de encomendar a alma de muita gente, só não foi lembrada na literatura, o que acontece agora, com a publicação de Marcondes Araújo, que foi buscar nas lembranças da sua família, inspiração para compor a obra. 

Com uma escrita fácil e atraente, que prende a atenção do leitor logo nas primeiras páginas, ele utiliza o recurso da intertextualidade como fio condutor da narrativa. Para tanto, vai inserindo no enredo recortes de textos literários, dos mais variados autores, entre os quais Chico Buarque de Holanda, Glauber Rocha, Guimarães Rosa, Sergio Ricardo, Luiz Gonzaga, além de Tom Zé, Torquato Neto, Alceu Valença, Kafka, Nietzsche e Geraldo Vandré.

 Baseada em fatos reais, entremeada com fantasia onírica, a história contada no romance de Marcondes Araújo, surgiu dos casos que ouviu desde criança, contados por sua mãe, Maria Clara. O pai dela, João Gomes da Silva, conhecido como João da Mata, selou o cavalo do bandoleiro. Ela conheceu pessoalmente o Rei do Cangaço, quando tinha 12 anos, no povoado Serra dos Morgados. Ali, o cangaceiro pernoitou, rumando em seguida para Brejão da Caatinga, onde matou seis soldados, na praça do vilarejo.

  O trabalho é resultado de minuciosa pesquisa em livros e documentos, que se estendeu por cerca de três anos, com algumas interrupções, incluindo a produção do texto. Com 265 páginas, o livro é uma auto – publicação pela Amazon. A capa é de João França, com foto assinada por Lauro Cabral de Oliveira.

Diferente do que se sabe até hoje sobre Lampião, o romance mostra não apenas a figura perversa do todo poderoso chefe do cangaço, que espalhou o terror e o medo em terras da Bahia, Pernambuco e Alagoas e acabou degolado  na Grota do Angico, no sertão de Sergipe; mas também o lado humano de Virgulino, que tinha o hábito de rezar sempre ao cair da tarde, mesmo que estivesse sob o mais renhido combate.

Além disso, trazia sempre consigo uns patuás, que guardava nos embornais, demonstrando uma religiosidade escondida sob a capa da crueldade. Aliás, como é da própria natureza do ser humano, o bem e o mal caminham lado a lado. Tanto é assim que Lampião quase abandona a carreira criminosa, o que não aconteceu porque teria sido traído pelo coronel Petronílio Reis, influente proprietário de terras no Norte da Bahia, em cuja fazenda esteve hospedado durante quatro meses, como revela a narrativa.

Tudo começou quando o suposto jornalista, Aparício Vieira, chegou à vila de Santo Antônio da Glória, situada nas proximidades das divisas com Pernambuco, Alagoas e Sergipe, para um encontro com o coronel Petronílio Alcântara Reis, intendente do lugar e um dos maiores fazendeiros e chefes políticos de todo o Nordeste da Bahia.

Ele se aproximou do coronel com o pretexto de fazer uma entrevista com Lampião para a revista O Cruzeiro, publicação que seria lançada em breve no Rio de Janeiro e da qual era correspondente em Feira de Santana. A partir daí, o personagem do jornalista vive as mais incríveis aventuras que o projetam no tempo: do passado ao futuro, até voltar ao presente no final da narrativa.

Nas suas andanças pelo interior do sertão, o personagem faz uma regressão no tempo, ao reconhecer a própria mãe, ainda menina, escondida por trás de um grupo de mulheres. Ela olha para ele furtivamente entre curiosa e encabulada, mas sem saber que um dia ele seria o seu filho. Esse episódio fantasioso vem juntar-se a um outro não menos intrigante, quando os moradores da vila, juntamente com os cangaceiros varam a madrugada dançando como autômatos, ao som do xaxado, como se estivessem em transe. Ao acordar no dia seguinte, o jornalista não consegue discernir entre sonho e realidade.

Durante a sua permanência na Vila e na fazenda Gangorra, uma das propriedades do coronel, ele acompanha o dia-a-dia do chefe do cangaço, de quem vai se aproximando cada vez mais, com o pretexto da entrevista. Na verdade, queria apenas conhecer de perto aquela figura lendária, cuja fama de perversidade atravessara as fronteiras do país.

Como visitante ilustre, pois não era comum aparecer por ali um jornalista, Aparício Vieira, aproveitou para conhecer de perto outros moradores do lugar, como João Cambaio, um dos seguidores de Antônio Conselheiro, ex-combatente da guerra de Canudos, que agora vivia recluso em seu casebre, remoendo a perda de familiares e o remorso de não ter lutado até o fim para protegê-los.

Ao contar as proezas de Lampião pelas terras nordestinas, o autor nos dá toda uma dimensão histórica, indo buscar não só o relato da guerra de Canudos, como também a luta da Coluna Prestes, mostrando o que seria, através do personagem Viriato Cedraz – o caixeiro-viajante e bem falante -, a revolução dos camponeses contra os grandes latifundiários.

Outro aspecto interessante no livro é a forma como vão se delineando os   personagens secundários. São figuras emblemáticas do cangaço, a exemplo de Ezequiel Ponto Fino, sujeitinho antipático e arrogante, que se prevalecia da condição de irmão do rei do cangaço para arrotar valentia. Volta e meia, se envolvia em confusão, principalmente com as mocinhas da roça, usando a força para conquistá-las.

Havia também o Anacleto, conhecido como Deus-te-guie. Cangaceiro neófito e muito medroso, logo cedo entendeu que não tinha vocação para aquela vida estropiada e cheia de perigos. Mariano, o artista do grupo, querido por todos por ser bom cantor e tocador de sanfona e violão.

 Afora os cangaceiros, se impõe a figura de Madalena, a filha esquisita do coronel, que diziam virava mula-sem-cabeça, nas noites de lua cheia. Zeca Mendonça, o dono da venda em Itumirim, em cuja porta permanece inscrita como patrimônio histórico do lugar, a frase “Capitão Virgulino mira bem”, feita pelo próprio Lampião, para lembrar que era bom atirador.

Entrevista conseguida estava na hora de voltar para o outro mundo. Esporeando o cavalo, ele gritou para Anacleto, “é agora”. E os dois saltaram para a janela tremeluzente, ali desaparecendo por entre uma enorme instalação, feita de mantas de couro de boi enroladas em varas retas e compridas enfiadas no chão e apontadas para o céu em diversas direções. Era a arte de Juraci Dórea, e foi por dentro dela que os dois desapareceram.

Marcondes Araújo é jornalista, com vários livros publicados, entre contos e microcontos. Além desse romance, ele nos acena com outra publicação do gênero, ainda inédita, Memórias de um possível vencedor e de mais dois livros de contos também ainda inéditos, Histórias cruéis da infância e Contos Fantásticos.

Socorro Pitombo é jornalista

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

EMOÇÃO MARCA ENTREGA DO MÉRITO EDUCACIONAL A PROFESSORES










O professor de 100 anos que ainda lembra os cálculos matemáticos; a mestra que, aos 96 anos, consegue dar uma verdadeira aula de ética e cidadania; a professora que andava mais de seis quilômetros a pé para chegar à escola onde ensinava; a orientadora de catequese que se orgulha de ter entre os ex-alunos um bispo e um vereador. Histórias de vida marcantes de 20 educadores que atuaram em Feira de Santana foram mostradas na noite de entrega do Mérito Educacional FTC.

Quem foi ao Auditório Professora Terezinha Mamona, no Campus da UniFTC Feira de Santana, quinta-feira (17), compartilhou com os homenageados momentos de grande emoção. O evento foi uma comemoração dupla: O Dia do professor e o 20º aniversário de fundação da Instituição. Esta foi a segunda edição do Mérito Educacional na cidade, sendo que na primeira foram contemplados 10 professores que participaram da história inicial da unidade de ensino.

“Educar é crescer. E crescer é viver. Educação é, assim, vida no sentido mais autêntico da palavra”. Com esta citação de Anísio Teixeira, o professor Cristiano Lôbo, reitor do Centro Universitário UniFTC, iniciou a saudação aos homenageados e convidados que lotaram o auditório para a cerimônia. “A Rede FTC reconhece, publicamente, a inquestionável contribuição destes homens e mulheres que fizeram da Educação seu ideal de vida”, afirmou, destacando a importância de preservar a memória da cidade.

Idealizador do projeto, que já acontece na FTC Itabuna desde 2011, Cristiano Lôbo ressaltou que a missão da Instituição, que é referência no ensino superior de qualidade, é “promover a formação de cidadãos colaborativos, inovadores e empreendedores”. Sobre a escolha dos homenageados, ele enfatizou o trabalho da comissão permanente criada para organizar o evento, e reafirmou o mérito de cada um dos homenageados.

“A maior recompensa para o professor é visualizar um pouco dele mesmo em cada aluno”. A afirmação é da professora Elza Santos Silva, que falou em nome de todos os contemplados com o Mérito Educacional. Com um discurso permeado por declarações de gratidão, a mestra deu uma verdadeira aula sobre o exercício profissional. “Educação é uma obra de amor, sobretudo”, disse, contando que enveredou no Magistério com o intuito de aprender e acabou descobrindo que “quanto mais ensinamos, aprendemos”. 

A oradora da noite disse ainda que, às vezes, “o silêncio fala por nós quando a palavra não se expressa”, para definir a emoção diante da homenagem feita pela UniFTC e pontuou: “O professor é um servidor”. Para ela, nada é capaz de comprometer os entrelaçamentos emocionais construídos entre professor e aluno. Exatamente por isso, Todos os contemplados indicaram um ex-aluno que teve passagem marcante em sua trajetória na Educação para fazer a entrega do prêmio.

OS HOMENAGEADOS

Foram homenageados nesta edição do Mérito Educacional FTC os seguintes professores: Alice Pereira Fiúsa de Castro, que recebeu a placa das mãos do ex-aluno Álvaro Luís Xavier Leite, Ana Angélica Vergne de Morais (Carlos Magno Vítor da Silva), Antônio Araújo das Virgens (Vicente Gualberto Reis Duarte), Armando Ramos de Santana (Celi Mendes Rios), Áurea dos Santos Moraes (Maria Josenilda Pedreira Ribeiro), Aurora Magalhães de Matos (Roderick Vitor Fernandes de Oliveira), Edésia Machado Sampaio (Dejanete Gonçalves Brandão), Elza Santos Silva (Célia Christina Silva Carvalho), Fabíola Portugal Farias (José Raimundo Pereira de Azevêdo).

Também foram contemplados Iany Brasileiro (Noêmia Requião), Joselito Falcão de Amorim (Lélia Vitor Fernandes de Oliveira), Leny Madalena de Souza Silva (Coriolano Ferreira dos Santos), Margarida Maria Ferreira de Almeida (Marcly Amorim Pizzani), Maria Christina de Oliveira Menezes (Marilene Carneiro Barreto), Maria Messias Oliveira Silva (Sueli Oliveira Carmo Bastos), Maria Santana Marques (Lenise Mirian Andrade Santana), Nilza Silva Ribeiro (Antônio César Chaves Assis), Olga Noêmia de Freitas Guimarães (Ana Maria Santos Silva), Valdenice de Oliveira Lima (Roberto Luís da Silva Tourinho) e Vanda Oliveira Passos (Pedro Levi Passos Miranda).

A mesa da solenidade foi composta pelo professor Cristiano Lôbo; professora Marcly Amorim Pizzani, diretora da UniFTC de Feira de Santana; Denilton Brito, diretor da Agência Reguladora do Município, representando o prefeito Colbert Martins; professor José Raimundo Pereira de Azevêdo, representando a Academia de Educação de Feira de Santana; professora Lélia Vítor Fernandes, presidente da Academia de Letras e Artes; Djalma Giomes, presidente da Academia de Ciências e Artes e da Academia Regional de Letras Jurídicas; Liacélia Pires Leal, presidente do Instituto Histórico e Geográfico; e ex-prefeito José Ronaldo de Carvalho.

Madalena de Jesus/Assessoria de Comunicação UniFTC

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

CEO BRASILEIRA É CANONIZADA




Irmã Dulce, a primeira santa brasileira.

No próximo domingo, na praça do Vaticano, vou assistir à canonização de Irmã Dulce. Irmã Dulce não é apenas a primeira santa brasileira, ela é a primeira CEO brasileira a ser canonizada.

A Organização Social Irmã Dulce é o seu primeiro milagre. Franzina, saúde frágil, ela não tinha a rigor condições físicas de fazer nada nem de segurar um copo de água.

Mas seu hospital de mil leitos construído sabe Deus como é obra do seu empreendedorismo. O hospital começou num galinheiro nos fundos do convento e hoje tem 40 mil m².

Conheço bem a história da santa porque Irmã Dulce, que tinha sérios problemas pulmonares, era paciente do meu pai, médico pneumologista. Meu irmão André Guanaes, quando residente, também foi seu médico.

Ele conta algo que é típico da situação de tantos CEOs no Brasil: os problemas respiratórios de Irmã Dulce pioravam todo fim de mês. E ele sempre a escutava dizer: dia tal eu tenho 3 milhões para pagar, isso é problema de Santo Antônio, isso não é meu problema, isso é um problema dele.
O problema era de Santo Antônio, mas era ela quem ia pedir a Antônio Carlos Magalhães, a Ângelo Calmon e a outros poderosos da Bahia e do Brasil.

Ela era santa com os pobres, mas não era santa com os ricos. Com esses, ela era pragmática. Como uma boa CEO, conversava com todo o mundo. Com a direita, com a esquerda, com o que está entre as duas e além. Sua relação com o grande líder espírita da Bahia, o igualmente santo Divaldo Franco, é maravilhosa. Foi, assim, maior que a igreja que agora a canoniza.

Escrevo este artigo emocionado porque conheço a história de perto —de seu início no bairro pobre de Alagados até os atuais 2 milhões de atendimentos ambulatoriais, 18 mil internamentos e 12 mil cirurgias por ano. Como uma pessoa que dormia sentada por causa dos problemas pulmonares pode tocar uma obra desse tamanho? Milagre.

Tudo na Bahia que eu nasci e cresci era destinado a ajudar as obras assistenciais de Irmã Dulce: bingo, quermesse, show. Era tudo para ela pagar o seu fim de mês.

Nesse mesmo espírito, estou participando de uma iniciativa artística na Bahia para celebrar a nossa santa. 77 artistas da música baiana foram a estúdio gravar a música de Irmã Dulce. Ivete Sangalo, Luís Caldas (que criou a música axé), Margareth Menezes (que vai cantar no Vaticano) e dezenas de músicos talentosos gravaram com dedicação e disponibilidade que nunca vi.

Decidi me dedicar cada vez mais a causas sociais. Sou orgulhoso e odeio pedir, mas isso não combina com obra social. Dou do meu e dou de mim e fico imaginando o que a frágil Irmã Dulce passou para ampliar, modernizar e manter a cada fim de mês seu hospital de mil leitos.

Uma obra dessa não se faz só com bondade, mas com determinação, com disciplina, com empreendedorismo.

Ela era focada, cercou-se dos melhores, aplicava orçamento base zero (era uma Beto Sicupira de hábito) e tinha um modo peculiar de levantar fundos: ficava na sala de espera do futuro doador e só saía de lá quando o próprio se dignava a recebê-la. O povo da Bahia é testemunha.

Por isso, 15 mil baianos vão a Roma no dia 13 assistir à canonização. E, no dia 20, Salvador vai parar para ver a missa de sua canonização no Estádio da Fonte Nova.

Irmã Dulce não é uma santa católica. Ela é uma santa baiana. São devotos dela a mãe de santo, o ateu, o pastor e até o padre. Desafio a Harvard Business School a escrever o estudo de caso de Irmã Dulce, a primeira CEO brasileira a ser canonizada pelo Vaticano.

Nizan Guanaes

domingo, 22 de setembro de 2019

FEIRA DE SANTANA:186 ANOS DE HISTÓRIAS PARA RECORDAR




Feira de Santana me encanta. Às vezes me emudece e ainda me traz uma sensação de irrealidade. Nascida e criada nesta cidade, acompanho com atenção o seu desenvolvimento. Mesmo assim, às vezes eu a desconheço. E me pergunto: que cidade é essa? O burburinho, a movimentação do comércio, o trânsito congestionado, as sinaleiras, os viadutos. A cidade fervilha no seu cotidiano.

A primeira sinaleira colocada na cidade foi um acontecimento, motivo de muito entusiasmo para os moradores. Uma novidade! Significava o primeiro passo para o desenvolvimento. Lembro, de ouvir contar, um fato interessante, envolvendo um fazendeiro muito conhecido. Reza o “folclore” que o senhor em questão, ao se deparar com o sinal vermelho explodiu:

– Quero ver quem vai me impedir de atravessar a rua. Esse sinalzinho?

Bradou enraivecido e invadiu o sinal, felizmente sem causar danos!  Essa sinaleira, a despeito da indignação do fazendeiro, se constituiu, sem dúvida, num dos marcos importantes do crescimento da Princesa do Sertão, assim denominada pelo jurista Ruy Barbosa.

A Feira de Santana de hoje, nem sequer lembra a pacata cidade dos anos de outrora. Já pertenceu a Cachoeira que, por muito tempo foi considerada a capital do Recôncavo baiano e da qual foi desmembrada. Tornou-se a segunda maior e mais importante cidade do Estado da Bahia, embora o progresso desordenado tenha contribuído para desfigurar a paisagem, com a transformação da vida urbana.

Uma promessa que se fez cumprir, o comércio trouxe para essas bandas, as gentes do Ceará, de Pernambuco, das Alagoas, e de tantos outros estados, à procura de melhores dias. Aqui se instalaram. No começo era uma bodega, depois um armazém, o Mercado Municipal onde as pessoas iam às compras semanalmente. A farinha colocada numa mala de couro e a recomendação do meu pai:

– Só me traga a farinha da mala de Joaquim. É a melhor do mercado!

Pouco a pouco, no entorno do Mercado foi surgindo uma feirinha com os produtos colhidos nas hortas das chácaras, muitas situadas na atual avenida Presidente Dutra, quando ali ainda havia residências. No início eram apenas pequenos feirantes com a mercadoria estendida sobre forros de sacos de açúcar do velho calhamaço, que impedia o contato direto com o chão. Tudo muito improvisado. Com o passar do tempo esse comércio cresceu, dando origem à famosa feira livre, que acontecia sempre às segundas-feiras.

Os carregadores de feira com o balaio na cabeça eram contratados para acompanhar principalmente as senhoras em suas compras. Não existia outro meio de transporte para as mercadorias. Mais tarde foram surgindo os carrinhos de mão. Já os carros de praça ficavam estacionados na praça da Bandeira. E só eram usados por pessoas abastadas.

Com beijinhos?

 Durante as compras, ao encontrar com as amigas trocávamos beijinhos e ficávamos conversando sobre os últimos acontecimentos, os namoricos, e outras tagarelices, esquecendo completamente o carregador com o pesado balaio na cabeça. Desse modo, com beijinhos e conversa, o carregador exigia preço diferenciado.

As varandas eram raras nas residências da rua Direita. Creio que a nossa casa era a única da rua em estilo moderno, um bangalô, como se chamava na época. Era comum ficarmos na varanda depois do jantar. Nosso local preferido para as brincadeiras. Eu, ainda uma pirralha, junto com minhas irmãs e as amigas cantávamos, dançávamos, o que chamava a atenção pela nossa alegria.

Foi durante uma Micareta que, pela primeira vez, conhecemos o Trio Elétrico de Dodô e Osmar. Ficamos literalmente fascinadas, arrepiadas com aquela música estridente e irresistível! Diante da nossa animação, o trio estacionou bem em frente à nossa casa, onde ficou por um bom tempo executando as marchinhas carnavalescas de então. Não é preciso dizer que foi a glória! 

A Micareta de Feira, a primeira do Brasil, começou nas imediações da Loja Pires, na praça da Bandeira, mas aos poucos foi tomando vulto e se estendendo pela rua Direita. Moças e rapazes munidos dos saquinhos de confetes e serpentinas, lançavam e recebiam jatos de lança-perfume, o que representava o máximo da paquera.

Enfim, era na rua Direita onde tudo acontecia. Não só a Micareta como a Festa de Santana.  Dois meses antes da festa realizava-se o Bando Anunciador, com mascarados, blocos e outras atrações, dando início à festa profana. O zabumba do Distrito de Bonfim de Feira ou de Riachão do Jacuípe animava o cortejo.

A lavagem da igreja precedia o novenário, que atraia grande número de fiéis. Havia também a Levagem da Lenha, um desfile que remontava a uma época em que a cidade não possuía luz elétrica e era iluminada por grandes fogueiras. Na praça, depois da novena, a movimentação em torno das quermesses, o parque de diversões e as tocatas, pelas Filarmônicas 25 de Março e Vitória, como também a Euterpe Feirense que, no Coreto, executavam dobrados.

As mocinhas com seus vestidos de festa rodeavam o coreto, não só para exibir a elegância dos trajes confeccionados especialmente para o evento, como também para serem cortejadas. As famílias a tudo assistiam atentamente, instaladas em cadeiras, que traziam de casa, a fim de apreciar os festejos de modo mais confortável. Cada uma delimitando seu espaço.

O auge da Festa de Santana era, como ainda hoje, a procissão com as charolas ricamente ornamentadas, destacando-se a de Senhora Santana, a nossa santa padroeira. O cortejo no final da tarde, acompanhado por milhares de fiéis muito contritos, seguia até a igreja da Matriz, onde era celebrada a missa campal. A bênção do SS Sacramento encerrava os festejos religiosos.

Bons tempos aqueles que agora recordamos. De repente, a cidade se transforma. E aparecem a S.A João Marinho Falcão, a Loja Pires, em cuja marquise aconteciam os shows de Luiz Gonzaga, Ângela Maria e outros artistas consagrados. Também o Centro Comercial Mandacaru – o chique daquela época – foi transformando a rua Direita na rua Conselheiro Franco, totalmente invadida pelo comércio, expulsando gradativamente as casas residenciais, para dar espaço ao avanço progressivo do desenvolvimento.

Parabéns Feira de Santana pelos seus 186 anos de emancipação política. Continue crescendo para orgulho dos seus filhos e daqueles que para aqui vieram em busca de melhores oportunidades.

Socorro Pitombo, jornalista

P.S. Texto inspirado nas lembranças da minha irmã, Therezinha Pitombo

terça-feira, 13 de agosto de 2019

CANTORAS NEGRAS SÃO DESTAQUE EM FEIRA DE SANTANA



Um olhar cuidadoso sobre as expressões musicais em Feira de Santana torna obrigatório reconhecer o fundamental protagonismo das mulheres em nossa música. Para começar, Feira de Santana é uma das poucas cidades do Brasil que tem seu hino composto por uma mulher: Georgina Erismann, no início do século XX, fez o “Hino a Feira”, numa época em que a mulher sequer tinha direito a voto.

Uma das mais tradicionais expressões culturais de Feira de Santana, reconhecida internacionalmente, é capitaneada por uma mulher: Dona Chica do Pandeiro é a matriarca da Quixabeira da Matinha, exercendo um papel de liderança que remonta às origens do samba, como faziam Tia Ciata e Perciliana, as santamarenses que recebiam e protegiam as rodas de samba no Rio de Janeiro do início dos anos 1900.

A quantidade de cantoras feirenses em atividade atualmente é enorme: podemos falar de Dilma Ferreira, a madrinha do bloco Bacalhau na Vara, e de Márcia Porto, com extensa carreira e trabalhos de repercussão nacional. Mas também há Célia Zaiin, Goreti Figueiredo, Celli Noblat, Cecília Castelli, Sarah Reis, Venus Carvalho, Paulla Cavalcante, Pétala Ribeiro, Kareen Mendes, Camyla Pereira, Carol Pereyr, Juliana Greyce, Kelly Ventura, Karla Janaína, Amanda Magalhães, Lorena Porto, Dayane Sampaio e Isa Roth.

Apenas exemplos de um ambiente artístico fértil e bastante qualificado. Fora dessa lista estão quatro nomes de cantoras feirenses, negras, que estão despontando no cenário artístico local, estadual e até nacional, pela originalidade e personalidade das suas produções artísticas. São elas: Maryzélia, Paula Sanffer, Duquesa e Juli.

MARYZÉLIA

A sambista Maryzélia é uma das cantoras feirenses que já possui uma carreira no plano nacional, sendo reconhecida por grandes nomes da música brasileira. Já dividiu o palco com Roberto Mendes, Lulu Santos e Maria Rita. Recentemente chegou a se apresentar no programa Encontro, com Fátima Bernardes, na ocasião do lançamento do novo disco do compositor, cantor e arranjador Pretinho da Serrinha. A feirense participa do projeto Criolice, uma das maiores rodas de samba da capital carioca, e tem feito apresentações em espaços tradicionais da noite do Rio, como o Bar do Zeca Pagodinho e o Bigode Bar.

PAULA SANFFER

A cantora e compositora feirense Paula Sanffer encantou os jurados do programa The Voice Brasil, em 2015. De lá para cá, Paula vem conquistando espaços na sua carreira, culminando com a assunção do posto de vocalista da Timbalada, uma das mais tradicionais bandas da Axé Music baiana.
Já gravou um disco com o grupo (Timbalada Século XXI), e vem fazendo apresentações por todo o Brasil. Recentemente participou do clipe “Rei Gonzaga”, em homenagem ao Rei do Baião:

DUQUESA

A rapper feirense Duquesa é um destaque da novíssima geração de artistas feirenses. Cantora e compositora, a feirense já é reconhecida no cenário rap da Bahia e do Brasil, sendo citada por grandes nomes do rap (a exemplo de Rincon Sapiência) e pela mídia especializada.
Em suas canções, fala de racismo, desigualdade, machismo e temas correlatos. A seguir, o clipe da música “Futurista”, uma composição própria:

JULI

A mais recente aparição na música feirense é a cantora Juli, que tem surpreendido pela personalidade única, apesar da pouca idade (apenas 19 anos). Além do timbre peculiar, Juli é uma compositora com inacreditável intensidade: afirma já ter composto mais de 100 músicas. Esse talento já saiu das fronteiras de Feira de Santana. Acaba de gravar o single “Ainda Vibra”, em parceria com o cantor e compositor Pedro Pondé (ex Scambo).

Maryzélia, Paula Sanffer, Duquesa e Juli possuem talento e capacidade musical para desenvolveram carreiras artísticas de destaque, ao lado de grandes nomes da MPB. Que elas e todas as demais cantoras feirenses sigam produzindo boa música, e que a cidade tenha a capacidade de se reconhecer como um celeiro diferenciado de artistas – algo muito raro no Brasil e no mundo.

Texto extraído do site Feirenses

terça-feira, 30 de julho de 2019

INACESSÍVEL É O CÉU



Esse texto foi escrito em 2004 e publicado em 18 de setembro do mesmo ano, no Jornal Folha do Estado, como matéria especial da edição alusiva ao aniversário de Feira de Santana. Hoje, exatos 15 anos depois, Maria José é professora concursada da rede estadual de ensino, perdeu o convívio com o companheiro da vida inteira, que faleceu no ano passado, é avó, fez a tão sonhada viagem à França – ela define Paris como um grande museu a céu aberto – e aos 71 anos ainda não pensa em se aposentar. “Ah, só daqui a uns anos”, diz, cheia de vigor.


A professora Maria José de Macedo Santana ainda guarda na memória o dia em que saiu da casa onde nasceu, em um pequeno sítio na cidade de Ribeira do Amparo, no Nordeste da Bahia, para frequentar a escola, em Caldas de Cipó, com apenas oito anos de idade. Foi lá também que cursou o ginasial e tomou gosto pelos estudos, mas não pôde continuar. Naquela época, as alternativas eram Alagoinhas, Feira de Santana ou Salvador. Todas inviáveis.

Esse foi apenas um dentre os muitos empecilhos que a penúltima dos 13 filhos do agricultor Luiz Gonzaga de Macedo e Maria Dantas de Macedo enfrentou ao longo da vida. Ela voltou para casa com uma pontinha de frustração, reforçada pelos lamentos da professora Maria Odete Santana. Determinada, Zelita – como ainda hoje é chamada pelos familiares – aprendeu desde cedo a perseverar, mas também a esperar.

Hoje com 57 anos de idade, ela avalia que valeu a pena a forma como conduziu a própria vida. Sim, porque coube a ela todas as decisões que demarcaram seu destino: do casamento com o motorista Daniel Aureliano de Santana, aos 19 anos, contra a vontade dos pais, à retomada dos estudos, anos depois. “Casar, naquela época, era a alternativa para a grande maioria das mulheres, mas eu casei por amor”, disse Maria José, convincente.

Arrependimento? Em nenhum momento. Mas volta e meia a vontade de estudar despontava, para ser barrada pelo marido. Veio o primeiro filho e o sonho parecia, então, mais distante. “Eu estudava em casa, comprava dicionários, revistas, livros de bolso, romances”, contou. Mas o que ela queria mesmo era aprofundar os conhecimentos em Francês, que estudou no Ginásio e nunca mais esqueceu. “Até hoje eu tenho as anotações guardadas”, lembrou.

Assim como as anotações, ela mantém guardados os presentes dos amigos, conhecedores de seu gosto “pelas coisas da França”, dentre os quais o volume completo da publicação “C’est Facile”, que traz os primeiros passos para a aprendizagem da Língua Francesa. Foi em Feira de Santana – ela veio para a cidade em 1972 – que aconteceu o passo definitivo. A primeira tentativa foi um curso de Francês, mas era caro.

“Quando eu disse que o preço não era acessível, o professor Jean Marie disse; ‘inacessível é o céu’”, recordou Maria José, que passou a fazer da frase uma filosofia de vida. Até o marido mudou de opinião. Os colegas sugeriram que ela fosse para a Universidade, mas era preciso concluir o segundo grau. O caminho foi o CPA (antigo Supletivo), com a ajuda dos filhos Itaniel, Flávia, Lívia, Valéria e Débora.

Aos 49 anos, em 1977, ela cruzou os portões da Uefs para frequentar o curso de Letras com Francês. “Um sobrinho disse, quando comemorávamos o resultado do vestibular, que passar era fácil, difícil era cursar”, lembrou Maria José. A resposta veio com o histórico escolar: o curso em tempo mínimo e nenhuma prova final. “No início eu temi que houvesse rejeição, pela idade”, disse. Mas foi só no início.

Dentro do Espírito de não desistir nunca, ela acabou se tornando o exemplo da turma. No dia da formatura, fez o juramento – em francês, é claro – e emocionou a todos. Hoje, Maria José é Especialista em Gramática da Língua Portuguesa, pós-graduação feita também na Uefs, dá aulas particulares de francês e se prepara para a seleção de Mestrado em Literatura. Depois? Como diria Jean Marie, inacessível é o céu.

Madalena de Jesus, jornalista


quarta-feira, 24 de julho de 2019

SANTUÁRIO DE SANTA LUZIA, SÍMBOLO DE FÉ E DEVOÇÃO






Antonio Carlos da Cunha

 Edenilde Pinto da Cunha

Num percurso de 6,5 quilômetros de estrada de chão, em meio ao verde do pasto, da palma e do mandacaru, chega-se a uma igrejinha, que está no alto, sentido à BR 116 – Sul, no distrito Governador João Durval Carneiro, antigo Ipuaçu. É um local muito pouco conhecido pelos feirenses.

Uma placa informa que o Santuário de Santa Luzia foi fundado em 2 de julho de 1656 e guarda por trás das suas largas paredes que chegam a quase um metro, uma história de fé e devoção nesses três séculos. Para os católicos, a santa é a protetora da visão. Cinco casas parecem proteger o templo.
Todos os anos, em dezembro, romeiros de vários municípios da região vão a Ipuaçu para reverenciar a santa – 13 de dezembro é o seu dia. Vão agradecer as graças alcançadas, renovar a fé, pagar promessas e pedir um milagre.

Romeiros vêm de várias cidades 

“Chegam ônibus de Cachoeira, Muritiba, Anguera, São Gonçalo dos Campos, Conceição da Feira e São Felix. E vem gente também daqui de Feira, dos distritos de Bonfim de Feira e Jaguara”, conta seu Antônio Carlos da Cunha, 65 anos, um dos moradores do pequeno povoado.

Segurando em uma das mãos a rédea do cavalo e com a outra uma ponta de cigarro de palha, seu Antônio diz que em três casas daquelas “mora gente da família: irmãos e sobrinhos. Nas outras duas são outros moradores”. Todos eles têm um carinho especial por Santa Luzia.

Uma de suas irmãs, Edenilde Pinto da Cunha, 56, é quem está sempre à frente da manutenção do santuário. Ajuda na limpeza, participa da liturgia, organiza leilões e a tradicional quermesse no período festivo, quando conseguem arrecadar contribuições dos fieis visitantes. Esse dinheiro é aplicado na própria igreja.

Falecido há onze anos, aos 94 anos de idade, o pai de seu Antônio e dona Edenilde foi um dos primeiros moradores do povoado. “Ele contava que os mais antigos diziam que a igreja foi construída depois que uma imagem de Santa Luzia apareceu naquele trecho do Rio Jacuípe”, relata do quintal da sua casa apontando para o rio que corta Ipuaçu.
Edenilde lamenta substituição do piso em blocos de argila

Dona Edenilde diz que a igrejinha mantém desde sua construção os três altares – um central com as imagens da padroeira, de São José e São Caetano, e dois laterais, onde estão expostas as imagens de São Roque e Nossa Senhora da Guia. Ela lamenta que o piso em blocos de argila foi substituído por cerâmica. “A igreja não é tombada”, observa acrescentando que as portas e suas largas fechaduras ainda são originais.

Em um dos lados do templo está a sacristia e do outro é a Sala de Promessas, onde estão penduradas nas paredes fotografias, mensagens em agradecimento pelas graças alcançadas, pedidos de intercessão a Santa Luzia e imagens dos olhos e de vários santos. Neste local, o piso foi preservado.

“Em 2003, padre Rosivaldo teve a ideia de criar essa sala e impulsionar as homenagens a Santa Luzia com a realização da festa que acontece em dezembro. Desde aquele ano, que o número de visitantes aumentou e vem tomando uma proporção maior a cada ano”, conta dona Edenilde acrescentando que São Roque também é homenageado, no mês de agosto, entre os moradores.

No Santuário de Santa Luzia, as missas são celebradas sempre no segundo domingo do mês, às 16h, reunindo somente o povo da localidade. A igreja pertencente à Paróquia Nossa Senhora dos Remédios, situada na sede do distrito.

Valor histórico e cultural

Diretora de Turismo da Secretaria Municipal do Trabalho, Turismo e Desenvolvimento Econômico, Graça Cordeiro, ressalta a importância da festa de Santa Luzia e o seu alcance entre os católicos das cidades circunvizinhas e até aquelas mais distantes. No entanto, reconhece que essa festa deveria ter uma maior visibilidade entre os feirenses.

“Embora o santuário esteja situado em nosso município e com mais de três séculos de existência, entre os católicos de Feira ele ainda é pouco conhecido. Ao contrário da festas em homenagens a Santo Antônio, na Igreja dos Capuchinhos, e da padroeira Senhora Sant’Ana”, afirma.

De acordo com ela, as igrejas têm grande valor cultural e histórico, sobretudo no contexto de formação da cidade, a exemplo da Catedral Metropolitana de Santana. “Estamos de portas abertas para contribuir com o turismo religioso em nossa cidade, assim como já acontece em Salvador, Candeias, Bom Jesus da Lapa e nas cidades do Recôncavo Baiano, a exemplo de Cachoeira", destaca pontuando que Prefeitura, por meio do Departamento de Turismo, já se colocou à disposição da Arquidiocese de Feira de Santana para contribuir na implantação da Pastoral do Turismo.

Texto: Renata Leite
Fotos: Luis Troina 

segunda-feira, 22 de julho de 2019

UM LIVRO ESCRITO COM A ALMA




A relação de Madalena de Jesus com os livros sempre foi muito próxima.  Ela conta que desde menina lia tudo que chegava em suas mãos. Com o passar do tempo, essa ligação aliada à escrita foi se estreitando cada vez mais, com o incentivo dos professores e da família.

Com essa vocação ela só poderia ser jornalista, profissão em que foi longe, como já vaticinavam os mestres. É também professora graduada em Letras com Francês pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e pós-graduada em Docência em Ensino Superior pela Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC), formação que lhe permite transitar com desenvoltura na educação, com experiência sobretudo nas áreas de Língua Portuguesa e Literatura.

No Brasil da atualidade a literatura está bem representada sobretudo pelas mulheres com histórias de vida fascinantes e trabalhos tanto em prosa quanto em verso.  Em Feira de Santana não é diferente. A jornalista Madalena de Jesus nos presenteia com seu livro “Tabuleiro da Maria”, uma coletânea de textos extraídos do blog do mesmo nome.

Escrito com a alma, como bem define a também jornalista Beatriz Ferreira, o livro traz uma diversidade de temas que vão desde o simples relato sobre pessoas de sua convivência; colegas, amigos, parentes, passando por situações que demonstram o seu amor pela cidade que a acolheu como filha e sobre sua própria história.

Como boas amigas que somos, amigas quase irmãs, é possível que alguns acreditem que esse texto não passa de um comentário elogioso. Mas creiam, justamente por essa razão, procurei me cercar de um certo distanciamento ao falar sobre “Tabuleiro da Maria”, uma publicação cheia de encantos, que vão sendo descobertos a partir da leitura fácil e comunicativa da autora.

Nem choro nem vela

Um dos textos mais interessantes é sem dúvida aquele em que ela discorre sobra a sensação de estar morta e assistindo ao próprio velório. Não, não é um relato macabro, nem tão pouco bizarro como se poderia imaginar á primeira vista. Muito pelo contrário, é até certo ponto hilário

O suposto velório é divertido, engraçado, bem ao estilo Madalena de Jesus, que tem na alegria a sua marca registrada. Mas quando morrer de verdade, ela quer mesmo os amigos em volta, com muita música, poesia e literatura.  Podem até distribuir livros, concorda. Mas no final o que prevalece mesmo é a máxima: melhor ficar velho, que morrer.

Lindamente escrito, o que me emociona mesmo é o que Madalena relata sobre o pai, Amílcar de Jesus, seo Zinho, como era mais conhecido. Impossibilitado de andar por conta de limitação física, viajou por outras culturas através dos livros. “Ler é ver o mundo com a alma”, dizia.

Madalena fala sobre o pai de maneira quase poética, lembrando seus braços fortes, uma espécie de compensação pela sua condição de paralítico. Ela recorda seo Zinho “pegando no pesado”, até porque as coisas nunca foram leves em sua vida.

E arremata de maneira magistral ao afirmar que as pernas sem movimento, quietas sobre a cadeira de rodas ou sobre o cavalo, seu condutor de toda a vida, são as marcas visíveis da perda infantil e da dor adulta. Os seus pés não vão a lugar algum, são as raízes do corpo. Confesso que choro toda vez que leio.

Agraciada com o Título de Cidadã Feirense, concedido pela Câmara Municipal, não conheço homenagem mais justa a essa profissional que sempre serviu à cidade e continua a fazê-lo. A honraria vem se juntar a tantas outras que já lhe foram conferidas, o que a envaidece, é claro, mas sem deslumbramento.

Madalena sempre diz que deve tudo a Feira de Santana. Foi aqui que iniciou a sua trajetória profissional orientada pelo jornalista Zadir Marques Porto, a quem se refere com carinho e gratidão. Com ele aprendeu toda a essência do jornalismo, principalmente os valores que devem nortear o exercício da profissão.

Na imprensa local passou pelo jornal Folha do Estado, revista Panorama, jornais Folha do Norte e Feira Hoje, este já extinto há alguns anos. Atualmente, divide seu tempo entre a Câmara Municipal, como servidora pública e a FTC. Também é radialista, e atua no site Bahia na política e na Associação Comercial.

Socorro Pitombo, jornalista)

(Texto escrito em 14.09.2018)

domingo, 7 de julho de 2019

SOBRE JOÃO GILBERTO, MÚSICA E SILÊNCIO

José Carlos Teixeira



  

João Gilberto


Foi em 1987. A Feira do Interior reunia milhares de pessoas no Parque de Exposições, em Salvador. Naquele dia, a grande atração musical era ele: João Gilberto. Uma enorme ousadia. Afinal, todos sabiam das exigências de Joãozinho com o silêncio da plateia e a qualidade do som em seus shows. Mas ele topou.

Desde o início da noite a polêmica se estabeleceu: João vem. João não vem. Deu 23h, horário do show e nada de João. Deu meia-noite e nada. Por volta de 1h soube-se que ele havia chegado ao Hotel da Bahia. Às 2h circulava a notícia: Joãozinho estava a caminho. Chegou quase 4h. Entrou no palco uma meia hora depois, para alegria da plateia formada por fiéis e renitentes fãs, que, embalados por muitas cervejas bebidas na prolongada espera, o acompanharam logo na primeira música. João gostou e os incentivou. Pediu desculpa pelo atraso, falou de sua alegria em estar na Bahia, elogiou a afinação da plateia e emendou uma nova música.

Em meio ao público, circulavam vendedores de cerveja e amendoim e até um vendedor de sorvete que - suprema heresia - de vez em quando tocava o sino do carrinho sem se deixar intimidar por um ou outro olhar de desaprovação. Amanheceu, o sol mostrou a cara e João lá, desfiando seus clássicos. Tocou Desafinado, Chega de Saudade, A Felicidade, Eu Vim da Bahia, Garota de Ipanema e muito mais. Sempre acompanhado pelo público.

Joãozinho estava feliz. Eu, todos nós, na frente do palco, ainda mais felizes. Salve João. Obrigado por tudo.

José Carlos Teixeira, jornalista

quarta-feira, 3 de julho de 2019

QUE TIRO FOI ESSE?


Socorro Pitombo

Recebi essa sugestão pelo WhattsApp, do poeta Eduardo Rocha, que aliás escreve versos muito sintomáticos sobre as mazelas que vivemos em nosso país. Não sabemos de onde veio o tiro, mas que acertou em cheio os nossos tímpanos, isso é fato, roubando o nosso brilho e nos fazendo retroceder. Parei para pensar e comecei a prestar atenção no que vejo e ouço na televisão e no rádio. Com algumas exceções, é claro, as composições são pobres, sem nenhuma criatividade e a melodia, que melodia¿

Para quem acompanhou o despertar do sucesso dos baianíssimos Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Gosta, e algum tempo depois Ivete Sangalo, sem esquecer outros expoentes, como Nando Reis, Chico Buarque, Djavan e Milton Nascimento, para citar apenas alguns bons compositores e intérpretes da música popular brasileira é verdadeiramente um tiro no ouvido.

Atualmente somos surpreendidos a cada momento com uma profusão de novos cantores e a consequente diversidade de gêneros musicais.  O cenário é bem democrático, convenhamos, e as redes sociais ajudam a divulgar o trabalho desses artistas, seja com um fank, rock, samba, pagode, MPB, axé music, ou sertanejo. Ah! Os sertanejos, eles estão aí nas paradas de sucesso, numa profusão de duplas que surgem a cada dia, o que mostra que há espaço e gosto para tudo e para todos.

O que dizer da Baby do Brasil, que já foi Consuelo?  Baby é um caso à parte. Incrível como essa artista se renova e se supera à cada dia, ou melhor, à cada noite, porque ela é da noite. Com seus cabelos roxos, e seu jeito irreverente, rompe as madrugadas fazendo shows, interpretando composições com toda garra e um fôlego de causar inveja a muitos jovens. 

Recentemente, perdemos um ícone da música brasileira, a sambista Beth Carvalho, referência quando se trata de samba. Cantora e compositora respeitadíssima no cenário musical, ela nos deixa um legado, que temos a obrigação de cultuar. Foram 50 anos de carreira de sucesso, dessa carioca da Gamboa que tinha o samba na veia. A voz inconfundível de Beth Carvalho ficará imortalizada nas músicas de seu repertório, que compõem dezenas de discos gravados por ela, que começou sua carreira ainda garota, com incursões na Bossa Nova.

E nessa época do ano, quando a fogueira está queimando em homenagem aos santos Antônio, João e Pedro, nada mais animado que dançar um forró agarradinho, ao som da sanfona, zabumba, triângulo e violão. São as chamadas festas juninas que sacodem o Nordeste de ponta a ponta, na capital e no interior.  Mas é sobretudo no interior que os festejos ganham mais força, com suas músicas características na voz de nomes representativos da música nordestina.

Num verdadeiro contraste entre o tradicional e o moderno está a música virtual, onde os artistas e não são poucos, propagam suas vozes e se conectam com um público cada vez maior e aberto a novidades.  São jovens que concentram seu trabalho nas plataformas digitais, mas também estão abertos a shows e discos (vinil e CD). E assim vão surgindo novos talentos, mostrando que a música brasileira tem encantos para todos os públicos.

Enfim, boa música é aquela que a gente gosta, que nos enleva ou nos faz balançar o corpo, que nos transporta para um outro tempo e nos traz recordações. Música brasileira é isso aí, um campo vasto de experiências para quem está disposto a acompanhá-las.

Socorro Pitombo
Jornalista

quarta-feira, 26 de junho de 2019

UM LUGAR ONDE PODEMOS SENTIR O CHEIRO DA FÉ





















































Se alguma vez eu planejei uma viagem com tanta antecedência, realmente não lembro. Acredito que a primeira conversa sobre o assunto foi em novembro do ano passado e em janeiro já estávamos programando compra de passagens, reserva de hotel e tudo mais. Nós, exatamente, não. Nildo, o grande mentor e executor do “Projeto Aparecida”, que nos levou ao Santuário da Padroeira do Brasil, no início deste mês.

A viagem já valeria a pena pela composição do grupo. Oito pessoas com o mesmo propósito e divertidas em qualquer situação. Tudo combinado previamente e nada fora de lugar. Como diria meu pai, o velho Zinho, o que é acordado não sai caro. E lá fomos nós, fazendo de cada etapa uma verdadeira festa. A ida para Salvador na noite de quarta-feira (dia 5), embaixo do maior pé d’água, com Thiago ao volante e Brenda ao lado, foi a primeira.

Metade do grupo pegou o mesmo voo: Eu, as vizinhas Zauri e Ester, mais a sua irmã Maria, sem dúvida a mais bem-humorada de todas – “quem vai lá não tem olho nem sobrancelha”. A espera no Aeroporto de Guarulhos durou mais de três horas. Pensa que alguém se importou com isso? Tão logo Nildo, o líder eleito naturalmente, a mulher Cau (genro e filha de Ester), Jorge e Mari chegaram,  #partiuaparecida. Jorge de ônibus e o restante em uma doblò alugada.

Eu ficaria aqui horas contando detalhes do trajeto, da parada para o almoço na estrada, onde a garçonete trocou os pratos e até hoje não me serviu o café, do fato de Jorge ter ido de ônibus e chegado primeiro do que nós, do encanto da pousada – como era o nome mesmo? Jovimar, se não me engano, e até da parada do bondinho em cima de um cemitério, que levou os cavalheiros do grupo do céu ao inferno em segundos – “ninguém pode nem brincar”!

Enfim, vou deixar os “causos” de lado e ir direto ao Santuário. Ainda na quinta-feira (6) fomos conhecer a obra humana onde está visível a mão de Deus no todo e em cada detalhe. Grandiosa em todos os sentidos, a construção causa impacto. Primeiro visual. Chamam a atenção as imensas arcadas, todas perfeitamente iguais, por onde entram e saem pessoas o tempo inteiro, e as escadarias ao redor do templo, dividido em várias capelas. Depois espiritual. Um lugar onde é possível sentir o cheiro da fé.

Sim, naquele lugar especial é a fé que move nossos olhos e ouvidos. Seja durante as celebrações, no interior do templo emoldurado por azulejos que nos remete à Ladainha de Nossa Senhora, ou do lado de fora, no final da tarde, diante de campanário. Ah! Não tem preço... os sinos tocando um a um e depois todos os 13 ao mesmo tempo, anunciando o momento sagrado das 18 horas. Uma verdadeira orquestra, sem maestro, mas com uma plateia atenta e emocionada.

Nem mesmo o fato do Santuário ser cercado de estabelecimentos comerciais e ter até um verdadeiro shopping para venda de produtos relacionados a Nossa Senhora Aparecida tira o encantamento do lugar. Seja do chão, diante da arcada principal, ou do alto da cúpula de 70 metros de altura, de onde podemos ver o rio onde a imagem da santa foi encontrada, ou ainda na missa, durante a bênção dos objetos adquiridos, o sentimento é o mesmo.

Mas nada igual à visita ao Museu ou à Capela das Promessas. No primeiro encontramos toda a história relacionada à imagem, construção da primeira igreja – outro ponto de visitação obrigatório – e fatos marcantes de visitas ilustres. Na segunda estão guardados objetos e fotos deixados em promessa ou em agradecimento por graças alcançadas ao longo da vida, aos quais juntei toda a minha gratidão pelas conquistas, reforçada ainda na visita à Capela das Velas.

Eu me senti tão pequena, diante de tudo que estava à minha volta e dentro de mim! Lembrei o nascimento do meu neto Lucas, hoje com cinco anos, quando entreguei a vida de minha filha Hana Bárbara a Ela, pelas mãos de uma técnica de Enfermagem (Ana Claudia). Recordei, também, de quando pedi a sua intercessão durante o complicado e doloroso parto de Bruna. E novamente fui atendida. Chorei. E agradeci. Como vou agradecer até o fim de meus dias.

Vale lembrar que repetimos grande parte dessa programação na sexta-feira (7), quando voltamos da Canção Nova, e no sábado, antes do retorno para São Paulo. Ah! e por falar em Canção Nova, o lugar atrai pelo sentido de solidariedade que norteia tudo o que acontece. Uma lembrança adquirida, um lanche ou uma refeição, tudo tem o objetivo da doação. Sem falar na beleza do Santuário do Pai da Misericórdia, onde ouvimos a história sobre a origem e a manutenção do espaço.

Ainda na Canção Nova participamos do programa “O Amor Vencerá”, da emissora de TV que leva o mesmo nome, um momento de oração, nesse dia sob o comando de Salete. Tanto lá como em Aparecida, em muitos momentos deixamos aflorar o lado de turista e fomos às compras das lembranças, tudo devidamente registrado pelas lentes de Nildo, então já nomeado fotógrafo do grupo. Eu voltei com a certeza de que jamais perderemos essa força espiritual que compartilhamos. 

E como somos movidos a alegria, na capital paulista não foi diferente. Joca, um ser humano que emana simpatia e generosidade por todos os poros, nos hospedou com pompa e circunstância. Tanto que até Mari, que debandou para outro lugar, volta e meia estava lá. Literalmente “ocupamos” o apartamento dele até o retorno. E nesse período tivemos ainda um domingo de churrasco na casa de Boi e Maria, que nos receberam junto com Gilmar, Jackson e a adorável Vivi, mais filhos e achegados. Todos familiares de Ester.

Se alguém tem dúvida de que o clima em Aparecida é realmente sagrado, informo que havia uma evangélica no grupo. Sim, Cau, a mulher do nosso líder, que é católico, acompanhou o marido pela terceira vez e, vamos combinar, era sempre uma das mais animadas. Porque a religiosidade que toma conta daquela estrutura magnífica dispensa informações do tipo: Qual a sua religião? Lá éramos todos iguais, perante Deus e Nossa Senhora. Simples assim.

Já estamos pensando na próxima viagem. Ainda não há destino definido, nem data programada. O certo é que existem muitos lugares nos quais podemos exercitar a nossa fé, especialmente se estivermos cercados por pessoas especiais e que veem a vida não como um fim, mas um caminho a ser percorrido da melhor maneira possível, dentro dos princípios da solidariedade e do respeito. Mas se pedirem a minha opinião, eu quero voltar a Aparecida!

Madalena de Jesus - Jornalista, Professora e devota de Nossa Senhora Aparecida

segunda-feira, 24 de junho de 2019

SÃO JOÃO NA ROÇA


                                   Um convite irrecusável do grande mestre da música nordestina. 
                                 A homenagem é para São João, mas ainda vale para o São Pedro...

A fogueira tá queimando
Em homenagem a São João
O forró já começou
Vamos gente, rastapé nesse salão.
Dança Joaquim com Zabé
Luiz com Yaiá
Dança Janjão com Raqué
E eu com Sinhá
Traz a cachaça, Mané!
Que eu quero ver
Quero ver paia avoar,

(Luiz Gonzaga)

terça-feira, 28 de maio de 2019

CIÊNCIA, CULTURA E DIVERSÃO: TUDO JUNTO E MISTURADO








A ideia inicial era apresentar o resultado das práticas em sala de aula de várias disciplinas. Mas a diversidade dos trabalhos, o empenho dos estudantes e professores e a criatividade dos participantes acabaram transformando a IV Mostra Científico-Cultural da FTC Feira de Santana em um grande evento, abrangendo todas as áreas do conhecimento e movimentando mais de 20 estandes.

A área de convivência do campus ficou pequena, na manhã e noite de quarta-feira (22), para o grande número de pessoas atraídas pela vasta programação, que incluiu desde apresentação de seminários e atendimentos a shows musicais, apresentação de dança e contorcionismo e bate-papo com autores. Isso sem falar na diversidade dos estandes que tomaram conta do espaço.

A interdisciplinaridade foi um dos destaques da mostra, que reuniu, em um só estande, estudantes de Nutrição, Psicologia, Fisioterapia, Biomedicina e Enfermagem, para explicarem práticas de reciclagem e meios de evitar a degradação ambiental, como disse Marcos Tony, do 7º semestre de Nutrição. Também juntos, estudantes de Educação Física, Farmácia e Biomedicina deram uma aula ao professor Alano Calheira Durães.

O momento literário, que é um dos destaques do evento, este ano teve a participação dos escritores Vinícius Mendes, professor da Instituição, e Fernanda Mastrolorenzo, que cursa o 5º semestre de Odontologia. A conversa foi mediada pelo professor Carlos Magno, também coordenador da mostra. Durante o bate-papo, que ocorreu à noite, foi distribuída uma antologia dos dois escritores.

As apresentações musicais foram uma atração à parte na mostra. Entre os shows, o do estudante Ronald Martins, do 2º semestre de Psicologia, encantou a todos com uma interpretação impecável de músicas eruditas, acompanhado do músico Tito Pereira. Victória Alencar, de Medicina Veterinária; André Silva, de Engenharia Civil; Jhony, de Biomedicina, mais o colaborador Chris Santos se encarregaram de manter o nível e a animação.

O sucesso da mostra foi contagiante. O resultado mereceu aplausos de quem esteve na Faculdade durante o dia ou à noite. Até mesmo quem viu a mostra por acaso, como a empresária Daniele Reis, que queria apenas informações sobre os cursos de pós-graduação. “De repente me deparei com toda essa movimentação e fiquei sabendo que todos os cantores e músicos são alunos ou funcionários”,  disse, admirada. 

sábado, 11 de maio de 2019

ESSA MÃE REAL


Seu nome, qualquer que fosse,
rima perfeitamente amor e dor.
Das dores ninguém quer saber.
A dor é solitária para elas.
Seu nome poderia ser ‘Diuturnamente’,
porque ‘Noturnamente’, soa palavrão.
Mas que mente (um tantinho), mente.
Constantemente, para te fazer feliz.
"Dormiu bem, meu bem?"
"Como ninguém."
"Está sentindo alguma coisa?"
"Nada, já passou!"
"Gostou do presente que te dei?"
"Gostei... é a minha cara!"
E as noites passam, e os dias também.
O corpo cansa... os cabelos já, brancura, têm.
Amores elas os tem. Porém,
mais nos doam, menos retêm...
Os filhos crescem e vão além.
As atenções, rareiam e elas já nem sabem
a que horas vêm, ou as têm
Talvez um certo dia,
na data marcada,
na hora do almoço
na folga de alguém...
Elas dirão: “É a vida.”
Talvez, a que aos filhos convém.
E essa falta que sentem
É das dores que tem
Teve alguma atenção?
Só a que a nos convém.
Você a convidou, a certa hora,
para dar, e não receber, cafuné?
O café da manhã a postos
Foi preparado para ela?
Alguém, todo retorno da tarde,
declarou em carinhos seu amor?
Camas arrumadas? Banheiros perfumados?
As coisas feitas na hora que ela precisa?
E não apenas na que se puder? Ou se quiser?
Podem chamá-la de Mãe!
Pode ser naquele dia de consumo.
Mas não nos esqueçamos que Ela
Dedica a nós, dia a dia, todo seu sumo.
Alguém haverá de dizer
“Amo-a toda hora!”
Mas os gestos que ela dedica
Ninguém os resgatam na vida única.
Repetir seus diários
Seus pequenos gestuais
em nada nos prejudica.
Na real, ser Mãe só amor
é uma coisa bendita.
Mas mãe também sente dor.
Fica a dica!
E para curar toda dor,
só com AMOR se medica.
Esse é o que mais ela dá,
Mesmo quando (finge) não esperar
dos amados a recíproca.

Salomão Gomes

quinta-feira, 9 de maio de 2019

COMO UM GIRASSOL NO DIA SEGUINTE



O corpo cansado tenta parar
A mente agitada prossegue
A voz firme insiste em ser ouvida
As mãos dão forma aos pensamentos
Os pés vagarosos passeiam pelas esquinas
Os olhos misturam luz e lágrimas
Corpo e mente se juntam na angústia
O coração apenas ama...
As cores reacendem
E todos os sentidos afloram
Na respiração pausada
O corpo cansado toma fôlego
Como um girassol no dia seguinte
E a vida segue.

Madalena de Jesus

quarta-feira, 17 de abril de 2019

PRA SEMPRE LILI BOLERO




O nome social Lili Bolero foi inspirado numa alegre canção infantil. Outros dizem que a música, com este personagem, constava no repertório de Bibi Ferreira. E que a alegria foi a marca de vida do multifacetado Aliomar Simas, ator de grande talento e um dos personagens que marcaram a história da Micareta de Feira de Santana.

Extrovertido, carismático, inteligente, ator excepcional. Lili Bolero era dono de muitos adjetivos. “Ele parecia viver o personagem criado por ele mesmo em tempo integral”, disse a produtora de teatro Luluda Barreto, parceira em várias peças. “Era muito difícil a gente conversar com Aliomar Simas”.

Disse que o amigo era muito extrovertido e talentoso. “Parecia viver fazendo uma performance permanente. Mas era extremamente sério naquilo que fazia, mesmo brincando com todos e com tudo. Por isso ganhou o respeito e formou um grande ciclo de amizade”.

Foi o criador do Baile dos Artistas, destinado ao público gay, evento pré-micaretesco de grande sucesso realizado no Feira Tênis Clube. Lili Bolero também marcou presença no Caju de Ouro, baile realizado pelo Clube de Campo Cajueiro, que tinha a participação especial de atores conhecidos. Ele desfilava belas fantasias durante a festa.

Uma história de coxia: convidada para estrelar o Caju de Ouro, a atriz Consuelo Leandro teria se encantado com Lili Bolero. A admiração pelo ator feirense resultou em homenagem. A atriz interpretou uma personagem na novela “Cambalacho”, em 1986, com o nome de Lili Bolero. Não foi mera coincidência.

E foram muitos musicais e peças de teatro que participou como ator, diretor ou produtor. Uma delas foi “Divinas maravilhosas”, quando dividiu o palco do bar Engenho Velho, que ficava na Santa Mônica, com Edson Baptista e Galdino Neto. Foi sucesso de público numa temporada que durou semanas.

“Era uma pessoa maravilhosa e talentosa”, disse quase soletrando, Edson Baptista, que foi seu amigo durante muitos anos. “Foi um ator de muitos personagens”. Juntos, participaram do primeiro Festival de Teatro Universitário do Nordeste, realizado no Teatro Margarida Ribeiro, que naquela época funcionava no centro de Feira.

Aliomar Simas morreu na década de 80, vitimado por uma isquemia. Estava na praia, com a família, quando sentiu uma forte dor de cabeça. Lili Bolero vive até hoje.

Batista Cruz é jornalista

terça-feira, 9 de abril de 2019

DONA AMÉLIA E SEUS QUATRO FILHOS: UMA HISTÓRIA DE AMOR PELO MAP

                                               Tradição, trabalho e amor no mesmo lugar

Às 8h o cheiro do cuscuz, do aipim manteiga e da carne do sol acebolada é um atrativo em “Nando Sorveteria e Lanches”, no Mercado de Arte Popular (MAP). É ele, Fernando Ribeiro, que vai ao fogão preparar os pratos do café oferecidos no cardápio. A clientela é cativa em todas as manhãs –  numa rotina mantida de segunda-feira a sábado – mas há também opções para lanches e almoço. A maioria dos clientes é de vendedores ambulantes do Calçadão da Sales Barbosa, assim como há aqueles que trabalham no comércio ou que estão de passagem. Há 18 anos, Fernando mantém o espaço, mas sua relação com o MAP começou ainda na infância.

“Lembro que saía da escola e vinha direto para cá. Minha mãe nos acomodava no box e aqui mesmo nós fazíamos as lições”, recorda Fernando (foto), hoje aos 37 anos, referindo-se a dona Amélia Ribeiro dos Santos, uma das primeiras permissionárias. Dos cinco filhos da comerciante e artesã de 68 anos, quatro deles mantêm boxes no MAP – outro mora nos Estados Unidos.

“Sempre passei mais tempo aqui do que na minha casa”, diz Fernando orgulhoso ao afirmar que foi do trabalho no MAP que sua mãe criou os filhos, e assim como dona Amélia ele retira o seu sustento familiar. “Esse lugar é o amor da gente”, acrescenta.

Vida construída no MAP
Bem próximo à lanchonete de Fernando, sua irmã Suzane Ribeiro Santos (foto), 48, se dedica ao comércio de vestidos, calças para capoeiristas e jalecos para profissionais de saúde. Está neste ramo há 31 anos e lembra que a história profissional da família começou no Centro de Abastecimento, onde o pai, artesão já falecido, confeccionava bolsas em couro junto com dona Amélia.

“Nós crescemos vendo a dedicação dos nossos pais desde o ‘Artesanato Sete Flechas’, no Centro de Abastecimento. Eles se mudaram para o MAP, a gente sempre acompanhando o dia a dia deles, e daí foi brotando o gosto pelo ofício. Tornamos adultos e cada qual construiu uma vida estruturada dentro do MAP”.

Amélia: a costureira de “mão cheia”
Dona Amélia (foto) ainda está na ativa. Sentada atrás de um balcão de sandálias de couro, conta com orgulho e gratidão sobre uma história construída há 37 anos. Costureira de “mão cheia”, como são reconhecidas essas profissionais que se estacam no ramo, diz sem modéstia sobre as roupas de hippie e moda praia por ela confeccionadas. Recorda que da sua criatividade surgiram tecidos próprios, e “muito requisitados”, resultado da composição de estampas e cores.

“Aquela época mandava esses vestidos para Porto Seguro, Ilhéus e Itabuna, que estavam no auge entre os roteiros turísticos mais cobiçados no verão, e para comerciantes do Mercado Modelo, em Salvador, assim como mantinha a minha boa clientela no MAP”.
Ainda hoje, dona Amélia costura. A quantidade da produção já não é mais a mesma, mas “como a arte está no sangue” conta que tem se dedicado à pintura em telas e a confecção de bolsas em tecido. Suas produções estão expostas à venda no Box 62.
“Físico que gosta de cortar pano”

É assim que Hernane Ribeiro dos Santos (foto), 45, é carinhosamente intitulado por dona Amélia. Com formação em curso técnico em eletrotécnica e graduação em Física, pela Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), o filho da artesã e proprietário da Heyla Roupas optou pela arte aos números.

Das suas ideias já surgiram vestidos de noiva a peças mais simples, como trajes para ciganos, kaftans e peças africanas, que ainda hoje são produzidos por ele e vendidos no MAP.
“Assim como meus irmãos, cresci vendo dois exemplos dentro de casa: meus pais. Eles foram nossos maiores incentivadores para arte e são responsáveis por essa história de amor que hoje nós temos pelo Mercado de Arte Popular”, afirma Hernane explicando que conciliava os estudos com a costura, cujas peças eram colocadas à venda no box da mãe.

Texto: Renata Leite
Foto: Abnner Kaique