sábado, 27 de junho de 2020

SÁBADO NA FEIRA OU OS ESPECIALISTAS EM PANDEMIA



De repente nos tornamos especialistas em pandemia. É parecido com o que ocorre, por exemplo, em copa do mundo, onde há técnicos de futebol em cada esquina. Há os que analisam os números de infectados, mortos, hospitalizados, as taxas de transmissão, os níveis de isolamento, como verdadeiros estatísticos. Outros, se especializaram na extensa farmacopeia, receitando curas para o espírito e para o corpo, como verdadeiros infectologistas. Outros, experts em máscaras, em álcool gel, urbanismo, gestão privada e pública, em sexologia, em…. em diversas e inúmeras aptidões e funções humanas.

Dia desses alguém me receitou a raiz da jurema preta com casca de candeia e mel de abelha jataí, cozinhadas em fogo brando para ser tomada em noite de lua cheia…. Não vou mentir, eu gostei, ou melhor, adorei…e quase consigo fazer a porção, não fosse a raridade do mel dessa abelha catingueira. Me pareceu a receita do  ‘vinho sagrado’ do qual se serviam meus antepassados tapuios para atravessar a correnteza do rio monxoró, a nado, em tempo de inverno chuvoso como esse d’agora….

Isolado aqui na Matinha já lá se vão quase quatro meses, sem nenhuma capacidade de enveredar pelos caminhos das ciências e obrigado pela sobrevivência a escrever aqui no BF, me sobram memórias esparsas dos sábados em que eu flanava pelo centro da cidade, papeando no Mercado de Arte, bebericando na Marechal, rezando o ofício das almas e queimando o incenso de Senhora Santana na praça da Matriz.
Nessa época, ano passado, o milho verde espalhava-se pela rua. Há sempre uma roda de gente na praça do Map, onde  não é raro o samba-de-roda incomum dos angoleiros.

Olhe, se você já ouviu falar da segunda-feira em Feira de Santana, a feira livre, e sabe que não há mais o que diz Tom Zé naquela música, ou mesmo ouviu como eram as ruas do centro pela boca de algum comerciante abastado, entende o que eu quero dizer e mostrar. A diferença é que não há mais segunda-feira, entende?, pois o sábado na Feira tornou-se parecido com aquelas segundas, em burburinho, na variedade, na profusão de tabaréus, ou não, vindos de todos os recantos da região. É o dia que as vans chegam lotadas nos terminais da praça, do Feiraguay, atrás do Tênis, no Centro de Abastecimento. Transporte é o que não falta nesse entroncamento.

Mas escrever é um parto dolorido, as palavras me saem a fórceps, trôpegas, recorro então a essas  fotos para dar uma melhor ideia de como era o sábado no centro da Feira, antes dessa pandemia. Cumpro assim o meu dever e me livro desse texto que não sei como terminar…acho que minha saúde mental não está boa, com licença, vou me consultar com um especialista aqui no zap…

Jânio Rego, jornalista

(Publicado originalmente no Blog da Feira)

quinta-feira, 11 de junho de 2020

LER É VER O MUNDO COM A ALMA

Victor Souza Vieira

Quando ele era um garotinho de sete, oito anos e eu perguntava o que queria de presente de aniversário, a sua sugestão era sempre ir a uma livraria. Lá, ele escolhia, sem pressa e enchendo a atendente de questionamentos, um livro. E eu querendo agradar, claro, sempre comprava mais um ou dois. Afinal, não era nada comum uma criança substituir os brinquedos e tantos outros atrativos da vida infantil por livros.

O tempo passou. Já estudante de Direito e lá íamos nós para a livraria nos dias que antecediam sua data de aniversário – 12 de outubro, data duplamente emblemática, alusiva à criança e a Nossa Senhora Aparecida, a padroeira do Brasil. E enquanto eu folheava as mais interessantes obras literárias para indicar, ele chegava com um livro da área de conhecimento de seu curso. “Pronto, dinda, é esse”.

E meu pequeno Victor virou um grande homem, em todos os sentidos. E um leitor como poucos. Hoje, lendo uma resenha assinada por ele sobre o livro Frankenstein, de Mary Shelley, me surpreendi com a maturidade de sua interpretação, sua capacidade de entendimento não apenas do que está dito, mas principalmente das mensagens subjetivas. Afinal, é na subjetividade que está o sentido real.

Eu não sei até que ponto as nossas idas à livraria contribuíram para esse gosto tão especial pela leitura. Mas fico imensamente feliz, pois sei – aprendi com meu pai – que as palavras, onde quer que estejam, saltam aos olhos de todos, mas somente àqueles que têm o dom de ver além da superficialidade é dado o direito da verdadeira compreensão. Porque ler é ver o mundo com a alma.

Madalena de Jesus, jornalista, professora e madrinha de Victor Souza Vieira