quarta-feira, 10 de março de 2021

MINHA CASA, MEU LUGAR

 


Em meio a toda agonia provocada pela pandemia, leia-se o isolamento social, a tensão diante da necessidade de ir a algum lugar público, a saudade das pessoas queridas, o desejo de voltar à vida normal – ninguém sabe se ou quando acontecerá – eu descobri como é maravilhoso estar/ficar em casa. Eu costumo dizer que essa é a melhor parte de tudo que estamos vivendo nos últimos 12 meses. 

Os grupos de whatsapp, alguns antes bem chatos, passaram a ser parceiros da labuta diária. Nem sempre para trabalhar, é bem verdade. Os telefonemas ganharam uma importância imensurável nesse período. Por mais incrível que pareça, o distanciamento aproximou os amigos geograficamente distantes e até trouxe de volta velhos companheiros dessas mais de 40 décadas de jornalismo.

Mas de todas as vivências a mais prazerosa, sem dúvida, foi a mudança de minha relação com a minha casa. Cuidar do lugar onde eu vivo deixou de ser uma obrigação diária, ou o quarto turno de trabalho, como eu definia. Sabe aquela história de compensação? Acho que é isso. Pelo fato de estar em casa mais tempo, ou melhor, todo o tempo, consigo manter tudo em ordem. Pelo menos até Lucas e Bruna chegarem...

E foi pensando no quanto me sinto feliz em fazer da minha morada um espaço sempre coberto de energias boas, não exatamente um primor de decoração e beleza, mas de conforto e bem-estar, que eu lembrei de um texto de Carlos Drumond de Andrade, com o sugestivo título “Casa Arrumada”. E eu quero arrumar a minha casa todos os dias, do meu jeito, com a minha marca. Afinal, é o meu lugar.

“Casa arrumada é assim:

Um lugar organizado, limpo, com espaço livre pra circulação e uma boa entrada de luz.

Mas casa, pra mim, tem que ser casa e não um centro cirúrgico, um cenário de novela.

Tem gente que gasta muito tempo limpando, esterilizando, ajeitando os móveis, afofando as almofadas…

Não, eu prefiro viver numa casa onde eu bato o olho e percebo logo: Aqui tem vida…

Casa com vida, pra mim, é aquela em que os livros saem das prateleiras e os enfeites brincam de trocar de lugar.

Casa com vida tem fogão gasto pelo uso, pelo abuso das refeições fartas, que chamam todo mundo pra mesa da cozinha.

Sofá sem mancha?

Tapete sem fio puxado?

Mesa sem marca de copo?

Tá na cara que é casa sem festa.

E se o piso não tem arranhão, é porque ali ninguém dança.

Casa com vida, pra mim, tem banheiro com vapor perfumado no meio da tarde.

Tem gaveta de entulho, daquelas que a gente guarda barbante,

passaporte e vela de aniversário, tudo junto…

Casa com vida é aquela em que a gente entra e se sente bem-vinda.

A que está sempre pronta pros amigos, filhos…

Netos, pros vizinhos…

E nos quartos, se possível, tem lençóis revirados por gente que brinca ou namora a qualquer hora do dia. Casa com vida é aquela que a gente arruma pra ficar com a cara da gente.

Arrume a sua casa todos os dias…

Mas arrume de um jeito que lhe sobre tempo pra viver nela…

E reconhecer nela o seu lugar.” 

(Carlos Drumond de Andrade)