quarta-feira, 25 de julho de 2018

SOBRE SOTAQUE, MÚSICA E IMAGENS NA NOVELA SEGUNDO SOL



Os intelectuais que me perdoem, mas gosto de novela. Verdade. Sou chegada a uma narrativa. Séries, documentários, filmes, nada escapa à minha condição de espectadora. Atualmente, assisto com muita atenção a novela Segundo Sol, de João Emanuel Carneiro, exibida às 21h, pela Rede Globo de TV.

E assisto com atenção porque é ambientada em Salvador, a nossa capital, dona de cenários de rara beleza, cantada por músicos como Dorival Caymmi e o poetinha Vinícius de Morais, para citar apenas dois expoentes da música que se faz na Bahia.

Sem dúvida um dos destaques da novela é a trilha sonora, que tem a cara de nosso estado: alegre, diversificada e cheia de ginga. Só para dar um exemplo, a regravação de Beleza Pura, do baianíssimo Caetano Veloso, com o tempero carioca da banda Dream Team do Passinho – leia-se Lellêzinha e seu time dos sonhos.

Como baiana que sou, filha dessa terra abençoada pelo Senhor do Bonfim, confesso que ando um tanto desencantada com os rumos do folhetim, que, em algumas situações não retrata nem de longe os costumes da Bahia de hoje.

Vou começar pela prosódia. Alguns personagens estão forçando a barra um pouco demais. Porque não falam normalmente, como o ator Vladimir Brictha, por exemplo? Exatamente porque ele é baiano e não precisa imitar o nosso linguajar.

Quem vem lá do Sul Maravilha acha que tem de falar cantando, arrastado, para parecer baiano. Ledo engano. O que pega mesmo é a entonação, que chega aos nossos ouvidos tão forçada! É certo que cada estado tem o seu sotaque. Imagine um baiano falando como carioca! Ridículo, não?

Mas faço algumas ressalvas. O ator Emílio Dantas, que encarna o cantor e compositor Beto Falcão, tem uma interpretação excelente, bem natural. Esse é também o caso do personagem de Chay Suede, Ícaro, que pegou o fio da meada. Usa os termos e gírias próprios da juventude baiana com muita propriedade, como meu brother, massa, tá ligado véi?, passe logo a resenha e as clássicas oxe, vixe e ó paí ó. Muito bom! Eu me divirto muito com termos que nós usamos, como por exemplo, essa desgraça! e diga aí? As expressões são bem próprias da Bahia.

Os cenários, no meu entendimento, deixam muito a desejar. Cadê as nossas praias paradisíacas? O pôr do sol visto do MAM – de arrepiar – que embeleza os fins de tarde da cidade do Salvador, ao som de belas canções, já que a novela gira em torno da música? É o caso de perguntar-se. Também sinto falta do Dique do Tororó. Da Lagoa do Abaeté e de muitas outras paisagens tão características de Salvador.

A corrupção, disseminada por todo o país, não poderia deixar a Bahia de fora. Concordo.  A novela toma de empréstimo o caso dos 51 milhões encontrados em caixas e malas abarrotadas em um apartamento do bairro nobre da Graça, em Salvador. E não deu outra: gaiola para o personagem do empresário Severo Athayde, muito bem interpretado pelo ator Odilon Wagner. Exatamente como aconteceu na vida real.

Por fim, a abertura da novela, salvo a música que dá nome ao folhetim, do cantor e compositor Nando Reis e imortalizada na voz inconfundível de Cassia Eller, agora na versão do grupo musical Baiana System, não prima pelo bom gosto. Com tanta coisa bonita para mostrar, o que aparece na tela não condiz com a vida baiana. É caricato. Posso até estar equivocada, mas essa Salvador da novela não me representa.

Socorro Pitombo é jornalista.

Feira, 20 de julho de 2018

quarta-feira, 11 de julho de 2018

IRREVERÊNCIA E TALENTO QUE DEIXARAM SAUDADE



Esta semana eu estava tomando café com dois amigos, quando um deles me perguntou, assim, do nada, se a jornalista Joana Morbeck tinha algum parentesco com o cantor Jota Morbeck, que eu conheci – e muito bem – no auge do seu sucesso como cantor. Era sua fã, no mais completo significado do termo. Como não sou de guardar as coisas, fiz a pergunta à própria Joana e a resposta me deixou muito feliz. Ela é filha de uma irmã de Jota, aquele menino irreverente e absurdamente talentoso que embalou muitas festas de rua, desde o início da década de 80. Foi aí que eu lembrei de um texto assinado pelo não menos talentoso Edilson Veloso, professor, radialista e pesquisador musical, publicado pelo site Feirenses em 12 de maio de 2017, na série Crônicas da Micareta de Feira. E o título da crônica, por si só, já dizia tudo: “O maior cantor de trio que já vi”. E aqui eu compartilho com os leitores do Tabuleiro da Maria, cheia de saudade. (Madalena de Jesus)


Se eu citar Juscelino de Oliveira Morbeck, talvez muitas pessoas estranhem. Mas se eu disser Jota Morbeck, vários lembrarão. Ele, sem dúvida, foi o melhor cantor de trio elétrico que eu vi e ouvi.
Jota era único na forma de versar uma boa música. Nascido em Ruy Barbosa, em fevereiro de 1962, veio para Feira de Santana em 1974. Era completo. Cantava de Caetano a Dire Straits. Sabia, como poucos, mudar um cenário na festa. Trilhou pela banda Mic Five e Lordão, e lembro-me de Jota Morbeck & Banda Gaiola Mágica.

No início da década de 80 ele surge como primeiro vocalista da Banda Eva. Foi destaque de vários carnavais, ganhando prêmios como melhor cantor. Também passou pela Banda Novos Bárbaros, onde emplacou os inesquecível hits “Melô do Halley”,”Ilê Birimba”, “Deboche” e “Descendo a Ladeira”, além do Trio Elétrico Tapajós, quando mandou bem com “Falabá”.

Morbeck fez inúmeras andanças por toda a Bahia, cantando quando ainda havia o Circuito de Micaretas em nosso Estado. Tinha uma característica inconfundível; a forma de se vestir. Ele primava pela elegância no quesito indumentária. Adorava camisas de seda, calça social e belos pisantes. Era comum chegar num hotel e vê-lo sentado à mesa com um litro de uísque, admirando a paisagem e esperando a folia.

“Jota foi para a música o mesmo que Pelé para o futebol; ele era único 
e jamais vai aparecer alguém melhor”

Seu talento era exaltado por onde passava, pois sempre deixava a sua marca, que era cantar divinamente. Em uma conversa com o artista Mairi Monte Alegre, veterano da música e amigo particular, ele pontuou sem pestanejar: “Jota foi para a música o mesmo que Pelé para o futebol; ele era único e jamais vai aparecer alguém melhor”.

Jota foi vítima da falta de reconhecimento por parte das pessoas que diziam fazer a Cultura local. Injustiçado, na época do Prefeito Clailton Mascarenhas, foi cobrar o cachê de uma apresentação e chamaram a polícia para ele. Mas como o talento morre com o dono, Jota seguiu fazendo o que mais sabia e amava: cantar e alegrar as pessoas. O gênio Morbeck foi para o céu em 27 de abril de 2000, e no ano seguinte, num ato de hipocrisia, a Prefeitura deu seu nome ao palco alternativo da Micareta.
Homenagem se faz em vida. Mas, certamente, ele foi recebido pelos Deuses da folia. Jota Morbeck é eterno! Repito: o melhor cantor de trio elétrico que eu vi e ouvi!