segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

SOCORRO PITOMBO, UMA FLOR RARA E NADA BANAL


Na belíssima crônica Escritores e Cozinheiros, que compara as práticas de escrever e cozinhar, Rubem Alves fala da dificuldade de iniciar um texto. “Cada semana que começa é uma angústia, representada pelo vazio de três folhas de papel em branco que me comandam: Escreva aqui uma coisa nova que dê prazer!”. Talvez isso explique a minha dificuldade agora. O meu texto, infelizmente, poderá não dar prazer algum a quem o ler. 

Depois de produzir uma nota meramente informativa, a pedido da família, algo dentro de mim impediu de escrever sequer uma linha sobre a partida da jornalista Socorro Pitombo. Nem a tela do computador, nem as folhas de papel citadas por Rubem Alves me convenceram. A dor de perder o convívio com alguém tão especial ainda predomina sobre todos os sentimentos, inclusive a saudade, que começa a tomar contornos mais profundos a cada dia.

A lembrança da convivência durante quatro décadas com Colinha – assim eu a chamava – não escolhe hora nem lugar para chegar. Acredito que ainda estamos ligadas, de alguma forma. Um livro que lemos, os presentes simbólicos que trocamos, as confidências, os conselhos de ambas as partes, o cuidado compartilhado. Enfim, o amor entre irmãs que não tinham o mesmo sangue – apenas um detalhe, claro.

Foi com ela que descobri o talento da escritora espanhola Rosa Montero que diz: Nossas memórias são eternizadas de acordo com o que vivemos. Eu não tenho a menor dúvida disso, agora mais do que nunca. Noveleira, como eu, fazia comentários brilhantes sobre as obras do segmento repudiadas pelos intelectuais. Como se ela não fosse uma dessas pessoas cujo bom gosto vai dos livros à música e a todos os gêneros da arte.

A jornalista Socorro Pitombo Cristo nos deixa um legado riquíssimo, quando a questão é profissionalismo. Trabalhamos juntas por um bom tempo e essa experiência me fez uma jornalista muito melhor. Não igual a ela, porque essa possibilidade não existe. E com toda a humildade que é característica dos sábios e competentes, tinha em mim a revisora de praticamente todos os seus escritos. Uma responsabilidade grande, mas também um orgulho enorme.

Sempre fomos diferentes, em muitas coisas, mas iguais em outras. Eu não vou conseguir, por exemplo, usar o seu vocabulário sofisticado até para contar uma piada ou me referir a uma situação ou pessoa desagradável. Mas certamente jamais esquecerei seus ensinamentos, para o jornalismo e para a vida. Como o Espelho do conto de Machado de Assis, ela é o reflexo de minha alma e continuará viva em mim e em tudo que eu fizer, como uma flor rara e nada banal.


Madalena de Jesus é jornalista, radialista e professora