quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

O MELHOR LUGAR DO MUNDO É DENTRO DE UM ABRAÇ0

 


Meu pai, Amílcar de Jesus, amor além da vida.

Muito tempo antes de conhecer o belíssimo texto de Martha Medeiros, que certamente serviu de inspiração para a igualmente bela música do Jota Quest, eu já sabia que o melhor lugar do mundo é dentro de um abraço. Aninhada nos braços do meu pai ou enlaçada pelo afago de minha mãe, aprendi, bem cedo, o valor do carinho mais verdadeiro que existe. Como fingir o calor que une dois corpos, por inteiro, sem reservas?

Por isso decidi fugir das queixas contra esse 2020 realmente desafiador, em todos os sentidos. Fisicamente todos ficamos – e ainda estamos – expostos a um vírus devastador. Emocionalmente, nos submetemos a um exercício nada fácil, principalmente para pessoas como eu, que têm necessidade quase vital do contato físico, da presença, da conversa, da risada compartilhada, do colo amigo.

Mas como em tudo na vida, há um outro lado. Foi graças a essas renúncias que aprendemos muito. Ficamos mais próximos de quem está mais distante. Paradoxal, mas absolutamente real. Foi também um ano de reencontros. De repente, uma ligação ou uma mensagem via whatsapp de alguém que eu não tinha notícias há anos, em alguns casos, décadas. E depois outras e outras e mais outras... E isso foi muito bom! 

O novo modelo de trabalho (home office), sem dúvida o maior de todos os desafios do ano que se finda, provocou um redemoinho na minha exaustiva rotina para dar conta de dois empregos e mais algumas atividades extra. Apesar do volume maior de demandas, eu ganhei algo que há mais de 40 anos eu não tinha: tempo para ficar em casa. E aí tarefas como cozinhar, lavar roupa e cuidar da casa passaram a ter um novo significado. 

Se eu fui feliz em 2020? A pergunta é difícil, especialmente se eu colocar na conta os amigos que perdi para esse vírus invisível e mortal (Robson e Benício, saudade eterna, e em seus nomes minha solidariedade a todas as vítimas da Covid-19) e as dores compartilhadas com os familiares de outros, que venceram a doença. Sem falar do medo que nos acompanha dia e noite, dentro ou fora de casa, disfarçado pela máscara que iguala e, ao mesmo tempo, separa.

Mas certamente chegarei a 2021 mais forte, mais tolerante para umas coisas e mais intransigente para outras – outro paradoxo – principalmente quando está em jogo a empatia. Sim, porque temos que cuidar de nós mesmos para proteger o outro. E esperando não somente a vacina, mas a possibilidade de dar e receber todos os abraços que ficaram guardados desde março, porque “Tudo que a gente sofre/Num abraço se dissolve/Tudo que se espera ou sonha/Num abraço a gente encontra”... 


Madalena de Jesus, jornalista e professora de Língua Portuguesa e Literatura 


segunda-feira, 30 de novembro de 2020

OS DESAFIOS DA MATEMÁTICA NA MEGA REVISÃO ENEM UNIFTC

 

Os participantes tiveram ainda aulas de Literatura e Linguagens e dicas de todas as áreas do conhecimento

Temor para uns, paixão para outros, a Matemática é um grande desafio para os estudantes ao longo da vida escolar e, em especial, na prova do Enem. Foi para discutir as técnicas dessa ciência elementar na vida de todos que mestres da área se reuniram no segundo encontro da Mega Revsião Enem UniFTC. O projeto, que nesta 6ª edição é totalmente online, ainda prevê mais dois momentos, nestes dias 30 de novembro e 01 de dezembro, além de um simulado do exame, dia 06.

Em formato de talk show, o encontro proporcionou muito mais do que uma simples aula de revisão de conteúdos. Na verdade, o que os mais de quatro mil inscritos puderam ver foi uma grande roda de conversa, com a participação de profissionais de educação, atores, músicos e influencers. “Uma festa do conhecimento”, como definiu o professor Ricardo Carvalho, coordenador do projeto, que acontece pelo sexto ano consecutivo.

É mesmo possível amar a Matemática? Quem não acredita nisso pode ouvir a resposta afirmativa dos professores Adroaldo e Mateus Lordelo, por meio de aulas instigantes em que apresentaram pontos estratégicos do Enem. Por exemplo: É sabido que no exame não podem faltar questões envolvendo função, potência, logaritmos, gráficos e tabelas. “A Matemática é bonita, sim. E é divertido fazer a prova do Enem”, atestou Lordelo. 

Defendida pelos mestres da disciplina como “ferramenta de leitura do mundo” e “linguagem universal”, já que está em todo lugar, a Matemática foi desmitificada também pelo ator Alan Miranda, que falou sobre o cálculo do tempo da piada ou das notas musicais. “O desafinar é a matemática que não deu certo”, explicou. E a cantora Cacá Magalhães, que aos 14 anos canta como gente grande, usou como ninguém a técnica para cantar sucessos nacionais (destaque para Cazuza e Cássia Eller) e internacionais.

E a noite conseguiu juntar números e letras, com aula de Linguagem e Literatura e Arte com os professores Sérgio Assis e Alex Valadares, que fizeram um passeio pelo século XX, mostrando a linha do tempo da Arte Moderna e Contemporânea, a subjetividade da arte do pós-guerra e o minimalismo. “A obra conceitual escapa à materialidade”, disse Alex. As aulas foram permeadas por dicas de todas as áreas do conhecimento, apresentadas por professores da Bahia e de Pernambuco.

O projeto prossegue na próxima semana, com encontro segunda-feira (30), com Ciências Naturais e, no dia 01 de dezembro, Redação. O simulado acontece no dia 06 de dezembro, depois de um esquenta de 1h30 com revisão geral de todas as disciplinas. Mais de 200 pessoas estão envolvidas nesse novo formato da Mega Revisão, sendo 60 professores. A inscrição gratuita para os próximos encontros ainda pode ser feita por meio do site http://bit.ly/MegaRevisãoEnemUniFTC2020.

|SERVIÇO|

MEGA REVISÃO ENEM UNIFTC

Quando: 24 e 30 de novembro

               01 e 06 de dezembro

Horário: 19h

Onde: Canal do Youtube Rede UniFTC 


Madalena de Jesus, jormalista  

domingo, 1 de novembro de 2020

SOBRE AMIZADE, PARCERIA E CELEBRAÇÃO DA VIDA

 

Jair Onofre, aniversariante desta segunda-feira

Quando nos conhecemos, não lembro exatamente como, não imaginávamos que nossa parceria seria tão duradoura. Creio que era final dos anos 1970, logo que cheguei em Feira de Santana, e uma das referências dessa época é que a Casa do Estudante era uma entidade forte. Mas essa é outra história. Porque agora o assunto em pauta é o meu amigo Jair Onofre de Souza, o aniversariante desta segunda-feira, 2 de novembro.

Não sou muito apegada a datas, como deixei claro logo no início do texto. Portanto, não tenho a menor ideia de quando começamos a trabalhar juntos no blog especializado em noticiário político, que hoje é o site Bahia na Política. A relação no trabalho é de respeito mútuo e não poderia ser diferente na vida pessoal. A admiração recíproca também contribui para reforçar, a cada dia, os laços que nos unem ao longo do tempo.

A frase “amizade verdadeira não tem preço” me remete diretamente a ele. Seja qual for a circunstância, tenho sempre a certeza do estímulo, da compreensão e da ajuda, se necessário. Exemplos não faltam, mas acredito que não é preciso citá-los. Os conselhos são sempre corretos e chegam em boa hora. Dividimos as conquistas e os desafios dessa labuta jornalística, tão encantadora e difícil. 

Pois é, celebramos a vida diariamente, mas hoje é um dia especial. Por isso quero externar o orgulho de tê-lo como amigo.  

Parabéns Jair Onofre!

Madalena de Jesus é jornalista, radialista e professora

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

A BELA EVELINE E A PLENA CONEXÃO COM A VIDA

Jornalista Eveline Cordeiro

Sorrisos largos, espontâneos e uma altivez em boa medida! Elegância, um certo brilho no olhar e uma beleza estonteante.  Quem vê Eveline passar sabe sim que ela é especial, afinal de contas, essas são apenas as qualidades que a gente reconhece nela à primeira vista.  

Esta libriana de uma morenice bem baiana é toda cheia de refinamento e gingado – com ela a vida está sim em movimento. Cresce, aprende, renova, coloca em prática, conquista, muda, muda de novo, quer lutar e continuar em movimento. Mas tudo isso em paz, num saudável diálogo com o mundo.

Ela ama aniversários e sabe que cada ano será especial. Sua história é como a de toda gente, cheia de desafios, alegrias, tristezas, mas também de muito amor. Ela é família, é amigos, é abraços e gargalhadas no final da tarde. É um vestido cheio de prosa e um bom salto que empodera toda mulher que anseia cada dia um pouco mais – respeito, dignidade, igualdade e ainda mais amor!

Seu reencontro com o mar há de ser especial, pois este 2020 tem nos sacudido todos os dias! Apesar disso, ela segue sua história... dias ora leves, ora intensos, ora intermináveis! Ufa, melhor mesmo é celebrar – a vida, a alegria, os sorrisos, as conquistas, os amigos! Vem, Ano Novo, me leve com você pra passear!

Nossa Eve, que sua nova primavera seja plena como teus sorrisos, que a vida te presenteie com as mais simples e verdadeiras realizações! Que te sobrem motivos para celebrar!

Dos seus amigos que são pura Conexão!

Lineia Fernandes, jornalista

terça-feira, 13 de outubro de 2020

A DOCE E DIFÍCIL TAREFA DE ALFABETIZAR

O nome dela é composto, porque certamente um só não seria suficiente para dar conta de uma personalidade tão forte. O primeiro, de origem desconhecida, dá leveza, enquanto o segundo, que significa magnífica, remete à posição especial da mulher desde os tempos bíblicos. Clergy Madalena é exatamente a soma da força com a delicadeza, duas características tão necessárias ao exercício do Magistério.

Prestativa, amorosa, cuidadosa, mas também firme e exigente, como deve ser o bom professor. Aquele que ensina e aprende junto com o aluno, que se emociona com as conquistas de cada um, que acolhe os pais diante das dificuldades naturais para aqueles que não dominam os saberes com o olhar pedagógico. Que respeita o tempo e o espaço da criança e sempre vibra como se estivesse diante da primeira turma. 

Ela é uma das fundadoras da escola e ainda hoje, mais de duas décadas depois, é uma entusiasta como os novatos. Natural de Riachão do Jacuípe, a pedagoga de formação que sempre sabe a hora certa de avançar, viveu em Capela do Alto Alegre. A vida em pequenas cidades talvez justifique o seu jeito simples de ver e entender as coisas, por mais complicadas que sejam, e a facilidade de lidar com crianças. É alfabetizadora nata!

Sua mente não para, está sempre pensando em algo novo para a aula seguinte. E quando se despede certamente os jogos e brincadeiras para instigar o aprendizado da escrita ou das operações matemáticas já povoam seus pensamentos. Perfeccionista (quem tem ideia é ela, dizem os colegas), não pensa duas vezes em fazer de novo (ela faz tudo bem feito, atestam os pequenos grandes alunos).

Seja na sala de aula ou pela tela fria – do computador ou do celular – a sua relação com os alunos é marcada pelo carinho permanente (meu neto Lucas que o diga!). Na pandemia, foi preciso reformular planos de aulas, utilizar o lúdico com maior intensidade e se adaptar ao novo modelo de educação, sem perder a qualidade. Ela encarou os desafios e fez tudo isso com maestria.

Enfim, não poderia ser diferente para alguém que acredita em Deus e em tudo que Ele pode fazer na vida de todas as pessoas. 

Para a professora Clergy, que une delicadeza e força no exercício pleno do Magistério e conquista alunos, pais e avós, no comando do 1º ano do Ensino Fundamental do Colégio Simétrico, com pequenos grandes gestos no dia a dia da sala de aula. Em seu nome, o reconhecimento aos professores que deixam marcas indeléveis na vida de todos nós.

Madalena de Jesus é jornalista e professora 

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

DÊ UMA OLHADA SEM COMPROMISSO, FREGUÊS...

 

Alana Freitas El Fahl 




“Minha terra não é moça, minha terra é menino, que atira badogue, que mata mocó, que arma arapuca e sabe aboiar.” (Eurico Alves Boaventura)

“A carreta de Oscar grande como a rua, Cine Íris e a certeza de ter nascido antes.” (Iderval Miranda)

“Você pode, em Feira, recitar versos logo de manhã e não parecer pedante. Você diz: parem de jogar cadáveres na minha porta." (Ederval Fernandes)

Costumo dizer que sou feirense de umbigo enterrado, expressão popular baseada na tradição de enterrar o umbigo da criança no local onde nasce, simbolizando sua pertença eterna com aquele pedaço de chão. O meu foi enterrado no bairro da Mangabeira (ainda zona rural naquele março de 1975) onde morávamos em uma chácara, misto de casa e comércio de meu pai. Nasci nessa casa de parto normal pelas mãos da parteira Mãe Maria e da enfermeira Maria Augusta e meu umbigo foi enterrado no curral onde é hoje é um condomínio. Aos dez anos fui morar na Rua Edelvira de Oliveira, uma rua muito movimentada entre a Av. Maria Quitéria e João Durval e ali fiquei até me casar em 2005 e vir morar no SIM, bem antes do que o bairro ser o que é hoje.

Nascida e criada nessa terra me sinto uma tabaroa de Feira com todo orgulho e gosto de reafirmar essa filiação por outras terras por onde vou, sempre com a passagem de volta marcada. Como boa feirense, tenho o hábito/costume ou até vício de “bater perna na rua”, como os franceses dizem, sou uma flaneur. Para quem não é baiano, ir à rua significa ir ao centro da cidade, parte viva e pulsante de toda urbe. O motivo pouco importa, desde a compra prosaica de um presente até a resolução de um problema burocrático, o prazer é andar pelo centro vendo as novidades, parando em carrinhos de frutas, comendo amendoim ou milho assado, apreciando o corre-corre das pessoas, ouvindo retalhos de conversa e imaginando suas histórias de vida, escolhendo bugigangas que à primeira vista parecem essenciais.

Gosto disso desde criança. Pela mão de minha mãe, íamos comprar tecido na Violeta, aviamentos no Armarinho Marta, pão na Padaria da Fé, café e fubá no Tabajara, bijuterias em Zé do Fusca. Recordo do encantamento quando entrei pela primeira vez nas Lojas Brasileiras, meu primeiro Shopping, com aquele mundo de doces a granel, ou o frio na barriga ao subir as escadas rolantes das Pernambucanas. Quando era necessário íamos sacar algum dinheiro na ASPEB, da poupança que minha fazia com os seus caixas e trocos de feira, e íamos comprar roupas na Sheila ou sapatos na Bezerra e Santana sempre no Natal ou São João, essa última muito chic, fazia sorteios de pipocar a bola, uma vez ganhei uma Sandália Karatê.  Quando não tínhamos a carona de meu pai, íamos no ônibus da Autossel. O ápice desses bordejos era merendar um coco espumante no Predileto ou o coroamento de um almoço no Boiadeiro. E essa redondeza era toda beleza, havia ali no início da Sales Barbosa um pipoqueiro e um freezer da Kibon, além de um jardim com bancos para tomar nosso sorvete confortavelmente.

Eu estudei no primário no Colégio Dalle Nogare, do hoje meu amigo e colega de UEFS Humberto Oliveira, que funcionava em um sobrado em frente à Praça do Nordestino, bem no burburinho do centro, então comecei a dar minhas escapulidas para ver a rua bem criança, descobri ali pertinho uma banca de revistas, Sadel, nome em razão de funcionar no passeio dessa loja, ainda hoje de pé, e uma loja de discos,  a Só Discos, volta e meia eu corria lá rapidinho na hora da saída. Ainda lembro-me de uns móveis de bonecas, miniaturas de uma mobília, que eram vendidos na esquina da Marechal com a praça da Bandeira, no passeio onde funcionava o Banco Bamerindus (O tempo passa, o tempo voa), tão lindas que ainda guardo nas gavetas da memória o cheiro de madeira daquela minha primeira casinha.

Já adolescente, de “cangote grosso e ferrado limpo” como dizia minha vó Lili, comecei a ir para rua sozinha e não parei mais. Eu me transformei em uma espécie de “quebra-faca” da família, tudo que era preciso fazer na rua, “manda Alana que ela gosta”, “manda Alana que ela sabe achar”, cargo que ainda ocupo na medida do possível da vida adulta. Recordo-me da  alegria de minhas compras do material escolar na Nossa Papelaria ou na Livraria Dom Pedro, do simpaticíssimo Sr. Amadeu do Banco do Brasil, que recebia pessoalmente seus clientes, levava na porta e chamava o táxi se fosse preciso. A Ottan Center e CF Carvalho Magazine  era tão lindas,  lojas de departamentos by Princesa do Sertão, com suas sessões diversificadas e vendedoras muito elegantes. E havia o Íris e o Timbira onde aprendi a amar o cinema nas matinês com gosto de Mentex e bala Kids. Depois descobri a Galeria Carmac que tinha uma lanchonete maravilhosa na esquina e quando veio a Luciana Center, o Arnold Silva e o Pedro Falcão foi a glória, até hoje quando passo por eles não resisto a cruzá-los, o máximo em matéria de cortar caminho vendo vitrine bonita no percurso. O Pedro virou Drogasil, nesse processo bizarro de farmacificação de nossa terra.

Dessa fase, final dos anos 80 comecinho dos 90, também guardo boas lembranças dos domingos. Eu e minha turma do Colégio Nobre com nosso cabelos de Chitãozinho e Chororó e calças bag, de tardinha íamos para a Gelateria Italiana, ali ao lado do Colégio São Francisco, hoje Safra. O legal era tomar sorvete e depois ficar na porta resenhando e paquerando, às vezes atravessávamos a rua para um sanduíche no Gauchão que ficava ali no meio ou para comer uma fatia de pizza na lanchonete do Malibu Shopping, hoje Shopping das Fábricas. Enfim, o verbo dos domingos era “Getuliar” e quando era perto da Micareta então, rolava por ali o que se chamava de Grito de Micareta e na Micareta mesmo existia a rivalidade dos bailes Tênis x Cajueiro, um mais popular, um mais elitizado. E em setembro era a Expofeira que agitava nossa cidade, botar bota e muita banca de fazendeiro sem nunca ter sido e ir para o Parque de Exposição era o máximo, quem não lembra do locutor de voz empostada: Fazendas Bahia, Fazendas Pau da Rola…

A menina cresceu, ficou sabendo que passou no vestibular para Letras pela Rádio Antares e pelo jornal Feira Hoje, virou professora, virou esposa de um comerciante, filho de árabes que por aqui chegaram e ficaram como muitos outros imigrantes que nossa terra acolhe, virou mãe de Miguel, mas ainda guarda essa menina que um dia se perdeu no centro da cidade e foi localizada numa barraquinha de doces na porta da Violeta batendo altos papos com os fregueses e não entendeu o desespero de seu pai e um monte de gente que a procurava, ela só estava dando umas voltas…

Praticamente de tudo que falei aqui pouca coisa resta de concreto nessa Feira de hoje, mas ainda quando vou para rua (um dos meus piores martírios do isolamento social, há quase seis meses sem uma incursão na Sales Barbosa) essas memórias me invadem junto com aquele cheiro de coco queimado com rapadura que era vendido ali na Bernardino Bahia ou do gosto do sorvete da Princesinha, das seriguelas da Festa da Kalilândia e da maçã do amor da Festa da Matriz onde passei muito mal um dia por medo de Monga.  Dentro de uma cidade cabem muitas cidades e dentro de nossas memórias cabem muitos mundos, não vejo a hora de ouvir de novo Chip Tim, Oi, Claro, Vivo, Cartão, Senhora?, Dentista?, Empréstimo?, Capinha, película? Olha a “Acelora”… Essa é a minha Feira e sei que cada um tem a sua…Eurico Alves, Godofredo Filho, Joaquim Gouveia, Hugo Navarro, Iderval Miranda, Ederval Fernandes, Beto Pitombo, Carlos Pita, Zé Coió, Raymundo Luiz, Adilson Simas, Zé Maria, Antônio de Josino, Clovis Ramaiana, Augusto Spínola, Jânio Rego, Cintia Portugal, e você de umbigo enterrado ou não…

Alana Freitas El Fahl é Professora Titular de Literatura da Universidade Estadual de Feira de Santana e tabaroa de Feira de Santana com umbigo enterrado com muito orgulho!

Fotos: Grupo Memórias e Histórias de Feira de Santana

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

AMIZADE É SENTIMENTO

 

Foto: Leila Cruz

Você também acredita nisso? Que amizade é sentimento? Pois é. O tempo pode passar, as coisas podem mudar, mas a amizade, quando é verdadeira, permanece ali, intacta. Amizade não tem a ver com intensidade, com presença, tem a ver com o que você sente. Não é por acaso que, muitas vezes, você acaba de conhecer uma pessoa e tem a certeza de que aquele vínculo será para sempre. Isso é amizade. Quantos amigos não se falam há um tempão, nem pelas redes sociais digitais, mas, quando se encontram, é como se aquele intervalo não tivesse passado de um segundo? Isso é amizade. Ela se caracteriza por uma mão que é dada e que não está visível aos olhos, mas está ali. "Vamos de mãos dadas", como diz o poeta. E todas as vezes que essa mão precisa se tornar visível, ela  o fará. Isso é amizade.

Preservar esse sentimento é um desafio que vale muito a pena, porque amizade não é um produto que se encontra por aí, pronto para ser comprado por quem tem mais dinheiro, é mais seguido ou aparece na televisão. Não. Amizade está acima dessas coisas pequenas. Amizade é algo grandioso. Por isso, todo esforço para preservá-la nunca é em vão. Vale discutir, brigar, reconhecer, perdoar. Vale tudo por uma boa amizade. Tudo mesmo. Vale agradar, mostrar a importância que o amigo e a amiga têm na nossa vida, mostrar-se disposto ou disposta a ajudar, ser "colo de mãe" quando for necessário. Isso tudo é importante e faz crescer. Isso tudo é amizade.

É claro que nos caminhos da vida a gente se depara com uma decepção ou outra, que é cruel, que machuca bastante. Nesse sentido, fico sempre a me perguntar: quando a gente se decepciona com um amigo ou amiga, o sentimento de amizade era entendido da mesma forma por quem fazia parte daquela relação? Porque, é claro, nós somos falhos, erramos, não somos perfeitos. Contudo, numa relação de amizade honesta, todas as imperfeições são sabidas e até bem-vindas, porque são elas também que fazem o vínculo ir adiante e se perpetuar. Ainda não tenho resposta para a pergunta que fiz, mas tendo a achar que a mão que decidiu se soltar nunca esteve junta, grudada. 

Amizade é sentimento. Nenhuma distância é capaz de abalar uma amizade, quando ela é verdadeira. Amizade é sentir o outro, mesmo que distante. É querer sempre bem e acolher sempre que houver necessidade. Amizade é amor sem limites, sem barreiras e sem tempo. Amizade é sentimento.

Raulino Júnior é compositor, professor, especialista em Estudos Linguísticos, jornalista, produtor cultural e mestre em Educação e Contemporaneidade

domingo, 20 de setembro de 2020

A CAPACIDADE DE MUDAR SEM PERDER A ESSÊNCIA

Jornalistas Lineia Fernandes (aniversariante deste domingo) e Madalena de Jesus

Ela é especial. Isso é fato. Perfeccionista sem ser chata, é daquelas pessoas que se esmera em tudo que faz. Amiga para qualquer situação, seja cobrir uma ausência no trabalho ou garantir uma carona a qualquer hora, seja para onde for. Sempre tem um gesto de carinho, expresso por meio de apelidos que às vezes reduz o nome a apenas uma sílaba ou estende ao máximo, com a marca do diminutivo. Certamente fruto de sua estreita e intensa relação com os familiares, que vem dos pais, passa pelos irmãos e chega nos amados sobrinhos Gabriel, Felipe, Duda e Teo. 

Lineia da Silva Souza de nascimento, virou Lineia Fernandes – o outro sobrenome do pai –  e assim ficou conhecida por essa Feira de Santana enorme e fora daqui também. Anda sempre elegante e exibe um estilo bem peculiar, dos cabelos às roupas e sapatos. Tudo sempre com a marca do bom gosto que a acompanha. O cuidado com o visual vale também para o trabalho. E é na atividade jornalística que ela supera todos os limites da competência e da seriedade.

Uma das características mais admiráveis da eternamente loura, mesmo quando os cabelos estão castanhos, é a capacidade de mudar, sem nunca perder a essência. E, para completar, tem um ritmo próprio de fazer as coisas, sem medo de arriscar. Se não der certo, aproveita a parte boa (sempre tem) e segue em frente, sem atalhos, sem pressa. Se ela tem defeitos? Claro que sim, mas as qualidades são infinitamente mais significativas. Tanto que ela pode marcar um encontro às 10h e chegar às 16h bem tranquila que ninguém liga. A sua presença é o mais importante.

Mesmo dona de um espírito festeiro, Li é seletiva até quando o assunto é entretenimento. Ama os grandes eventos culturais, especialmente shows musicais e espetáculos teatrais, mas não abre mão de reuniões com pequenos grupos. As meninas da Casa de Neiroca que o digam! Costuma usar seu texto impecável e extremamente criativo para prestar belas homenagens às pessoas queridas, com o mesmo primor com que elabora suas matérias, colocando doses generosas de respeito à nossa mais elementar matéria prima, que é a informação. E como ela cria textos belíssimos! 

Até quem escreve fácil queima as pestanas tentando traduzir em palavras os contrastes da personalidade dessa mulher incrível, que faz da vida o caminho para a liberdade plena, com uma firmeza invejável, sem perder a ternura, jamais. Ensinando que é possível, sim, levantar a bandeira da igualdade social, usar a comunicação a serviço da educação – e vice-versa – com leveza e alegria. Sempre! E para completar essa vasta lista de atributos, falta talvez o que mais traduz a sua personalidade. 

Lineia é pura inspiração!

Madalena de Jesus, com o aval (e a inspiração) das jornalistas que compõem o grupo Casa de Neiroca.

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

FEIRA DE SANTANA E AS DOCES LEMBRANÇAS DA INFÂNCIA


                                     Socorro Pitombo                                                                                              

O dia de segunda-feira em nossa casa era bem movimentado. Logo cedo, chegava o meu tio Antônio – Tonho para os mais chegados – irmão da minha mãe. Fazendeiro e pecuarista no vizinho município de Tanquinho, vinha fechar negócio no Campo do Gado, ainda hoje importante entreposto comercial de pecuária em Feira de Santana.

Tio Tonho usava terno de brim cor cáqui, bem engomado, chapéu sombreando o rosto já curtido pelo sol do sertão, um perfeito tabaréu, no bom sentido da palavra.  Quanto mais o terno de brim engomado, mais dinheiro no bolso do fazendeiro abastado! O fato é que ele vinha, invariavelmente, acompanhado da minha tia e primas. Elas com o objetivo de fazer compras no já afamado comércio da cidade.  

Na feira livre da segunda-feira, a variedade de produtos se comparava à variedade de tipos humanos que se apinhava no entorno das praças principais. Eram mulatos e negros fortes, com seus chapéus de palha de aba larga, a proteger do sol inclemente; ou chapéu de couro bem característico do sertanejo. E o comércio fervilhava, comércio bom mesmo, que atraía as gentes das cidades vizinhas, que aqui compareciam semanalmente para as compras.

Morávamos, então, na rua Direita, hoje Conselheiro Franco. O movimento começava cedo, era um dia diferente! Eu ainda garota, escapulia com as amigas para visitar as barracas, onde comprávamos panelinhas de barro – o dinheiro, tio Tonho garantia -, para brincar de cozido nos frondosos quintais das antigas residências. Brincávamos também de teatro, de cantoras do rádio, e de tantas outras fantasias que a nossa imaginação pudesse alcançar. Eram dias felizes, aqueles da infância!

Quando a noite caía, depois do jantar, as brincadeiras continuavam reunindo a criançada da vizinhança. Cantávamos em círculo, brincando de roda, tirando versos ou então de chicotinho queimado, cabra cega… Como não passava carro, um luxo naquela época, a rua era o limite, até o momento em que chegava a hora de nos recolher, o que fazíamos a contragosto.

Aos domingos, sempre à tarde, era dia de visitar as nossas madrinhas. Desde cedo os preparativos para o passeio. O banho mais demorado, os melhores vestidos, os laços de fita nos cabelos. E lá íamos nós, eu e minhas irmãs. As visitas dominicais esperadas com entusiasmo, pois rendiam guloseimas e presentinhos.

 Íamos com Valtino, um faz tudo lá de casa desde que me entendia por gente.  No quintal, ele cantava como se estivesse num palco. Os trejeitos sinalizavam o que só muito mais tarde iriamos perceber. Mas lá um dia, Valtino cismou que iria para São Paulo, não teve quem o segurasse. E lá se foi deixando saudade, nunca mais soubemos o seu paradeiro. 

São recordações da infância, que me veem à memória nesse dia tão especial para nós, feirenses, quando se comemora os 187 anos de emancipação política de Feira de Santana. Lembranças boas, saudade de um tempo que ficou perdido. Onde mesmo…?  Diz a escritora Adélia Prado, que “a memória é contrária ao tempo. Enquanto o tempo leva a vida embora como vento, a memória traz de volta o que realmente importa, eternizando momentos”. Sábias palavras.

 E me ponho a lembrar das festas de antigamente. Os vestidos bordados e tão bem caprichados. A saudação à padroeira, em sua passagem pelas ruas em procissão até o largo da matriz. O Bando Anunciador, com os zabumbas animando os nossos domingos. A Micareta de então, com o desfile dos carros alegóricos a enfeitar as ruas centrais. No Feira Tênis Clube, a Noite no Havaí antecedia a festa e reunia beldades, mostrando a graça e a beleza da mulher feirense. Tempos bons da minha meninice e da mocidade, tempos idos.

Havia também os aguadeiros. Rapazes que vendiam água. Em dias de festa, usavam calças brancas e camisas coloridas, laçarote de papel de seda a enfeitar o chapéu de palha, como nos conta o poeta feirense, Eurico Alves Boaventura. Montados em jumentos também engalanados, os rapazes levavam água nos barris para a lavagem da igreja, ritual que fazia parte dos festejos em louvor a Senhora Santana.  Daí a expressão tão bem conhecida, “mais enfeitado do que jegue em dia de lavagem”, quando se quer descrever uma pessoa com muitos adereços.

  E assim era a Feira de Santana de outrora. Terra formosa, cheia de graça infinita… como vai nos lembrar Georgina Erismann.  Hoje, uma cidade que cresce desordenada e encantadoramente provinciana, como menina faceira, embora com seus 187 anos.

Parabéns Feira de Santana, cidade que só nos traz orgulho e tão acertadamente chamada Princesa do Sertão.

Socorro Pitombo, jornalista

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

O DONO DA ESQUINA


O adeus de Zequinha nos golpeou feito tabefe, estalado, seco e repentino, em plena sexta-feira, dia emblemático para os amantes da cerveja gelada e da sua inconfundível e saborosa picanha.

Ora, não me venha falar em acaso! Se é para recordá-lo que seja inevitavelmente pela magia de uma típica sexta-feira! Ansiosa, plural, pretensiosa...

Quem de nós saberia quando e como começou esta nossa insaciável sede pelo dia mais esperado da semana?! Que merda de domingo quê, responderia nosso querido Zequinha, tomado por seu irrefreável mau humor que acabava por nos contagiar. Tão importante e necessária que se tornou verbo: sextou!, gritam hoje em dia.

Frases curtas, presença forte sorriso quase sempre discreto e uma obstinada capacidade de reconhecer as pessoas da sua cidade: os jornalistas, os publicitários, os políticos, os fazendeiros e empresários, os desocupados, os vendedores de bugigangas, os desfrutáveis, os malas, as famílias, os malucos (em geral, aqueles no estágio de ainda não jogar pedra)... Todos se reuniam lá por motivos variados, quase nunca aleatórios, a bem da verdade!

Num primeiro momento, atraídos pela melhor picanha da cidade, ao ponto, suculenta, sabor inesquecível! Nem sempre tão suficientemente generosa como gostaríamos, pois era fácil nos deixar com aquele gostinho de “quero mais!” A cerveja também sempre foi convidativa, da boa, bem gelada, nunca como daqueles bares preguiçosos que, em pleno dia de final de campeonato, chega a sua mesa quente e sem graça, destoando da sexta-feira.

Dediquemos algumas poucas linhas aos acompanhamentos - tropeiro com torresmos e farofa deliciosos, salada fresquinha. O pão de alho e o queijo na brasa... Huuuummm!

Não há aquele som insuportável, que agride os ouvidos. O boteco-restaurante existe para cultivar a boa conversa, um bom dedo de prosa! Quantas paqueras, romances e affaires vingaram naquelas mesas! Quantos negócios fechados e juras de amor trocados. Não mais um simples bar, uma mera esquina, Zequinha já era reduto. Como se não bastasse, era amigo! Vai seguir levando consigo segredos de muita gente importante da cidade.

E nem todos sabiam, mas o cara ainda escondia um coração generoso. Bom filho, amoroso irmão, dedicou sua vida ao trabalho, ofício herdado do pai. O bar era sua vida! Estava lá todos os dias.

Se por um lado tentava guardar sua eloquência, vez por outra, enchia nossas tardes-noites com seus comentários recheados de sagacidade e ironia! Só as pessoas de uma astuta inteligência o conseguem - desprovidas de pretensão e vaidades, do alto do seu singular poder de observação, escondidas naquela aparente distração.

Não ouviu?! Ficou sem entender?! Problema seu. Teria que frequentar a esquina mais boêmia da cidade mais vezes para compreender aquela dinâmica só dele!

Nós, os jornalistas, já cultivamos uma nostálgica paixão pelos bares boêmios. Tratamos de relaxar, trocar alguma incontida ideia - antes presa nas entrelinhas do impresso, hoje restrita ao apressado e caótico mundo das redes sociais. Não é fácil!

Não fosse motivo suficiente, nutrimos pelo Ponto do Zequinha um carinho a mais porque o antigo Bloco Zero Hora e seu sucessor, o Filhos da Pauta, se concentraram lá nos últimos anos. A sensação de pertencimento que nutrimos por certos lugares. Recordações de quando a Micareta era mais contagiante e, numa única noite, nos reuníamos em torno do propósito ir à forra em plena festa momesca. Tinha tudo a ver com ele!

Bom, meu caro leitor, se você está aguardando nestas linhas finais um outro desfecho, lembre-se que é mais aprazível não se despedir totalmente de caras como Zequinha. Vamos ficar para sempre com suas pitadas mal-humoradas que não faziam mal a ninguém. Vamos vibrar por ele a cada sexta-feira e desejar sua picanha saborosa cada vez que pensarmos numa boa comida. Aiii, dá água na boca só de lembrar!

Você nos deixará sempre com saudades, mestre churrasqueiro! Vá com Deus!

Lineia Fernandes, jornalista

sábado, 12 de setembro de 2020

UMA SEXTA-FEIRA A MENOS



Ainda sem me refazer do susto com a notícia da morte súbita de Zequinha, que criou um ponto de encontro para pessoas com os mais diversos perfis, pensei em escrever sobre a sua relação com os jornalistas dessa Feira de Santana. Por alguns instantes desejei que a informação fosse fake e percorri vários grupos de whatsapp com a indagação, sempre com respostas afirmativas, que logo em seguida estariam também nos sites e blogs da cidade. Ainda buscava na memória momentos da concentração do Zero Hora e do Filhos da Pauta quando encontrei esse belíssimo texto de Armando Sampaio (como ele escreve bem!). Entendi que eu não precisava dizer mais nada. (Madalena de Jesus)

Hoje não sextou! 

Esse dia é marcado há anos por um compromisso atado na amizade, na leveza do convívio fraterno, no amaciar os solavancos da vida ocorridos durante a semana. A partir do meio da tarde até quando o corpo resistia ou a vontade era saciada, estávamos no templo dos amigos, jogando conversa no passeio semi protegidos, seja do sereno, do frio, da chuva ou qualquer outra intempérie. 

Aqui é nosso reduto, todos são boêmios, mesmo sendo médicos, professores, pastores, comerciantes, estudantes, ranzinzas, boas praças, íntegros ou respeitosamente mentirosos. Com maestria, com facas e espetos nas mãos o Mestre da carne, piloto das brasas, regulador dos exaltados, estava dando as cartas, as broncas com seu riso disfarçado, para sugerir uma brabeza que era só aparência. 

O maestro retirou-se da cena! Não haverá aglomeração, tumulto, eco de soluços ou o correr de algumas lágrimas. 

Zeca foi sem escolher a hora, não despediu dos amigos. Esse ano de tantas extravagâncias teve uma sexta-feira a menos.

Armando Sampaio é empresário.

terça-feira, 11 de agosto de 2020

SOBRE JORNALISMO, LITERATURA E A DIFÍCIL ARTE DE ESCREVER

Tarde fria de agosto, no sofá da sala, tento escrever sobre o ofício da escrita. Metalinguagem? Que seja. O certo é que esse tema tem me perseguido ultimamente. Mas não sei bem por onde começar. Escrever não é tarefa muito fácil. Juntar as letras, formar palavras, as frases, parágrafos até chegar ao texto, demanda conhecimento. Da língua portuguesa, com certeza. Há de se ter, também, um certo pendor, vocação para a escrita, isso é indispensável.

A verdade é que sempre gostei de escrever, desde menina. Ainda no curso primário – hoje fundamental – as minhas redações eram lidas no final da aula, como exemplo de bom texto para os colegas. Aos poucos fui apurando também o gosto pela leitura. Lia sempre com a ajuda de um dicionário. Desse modo, ia anotando as palavras cujo significado era para mim era desconhecido e assim alargando o meu vocabulário. Trilhando esse caminho não foi difícil chegar ao jornalismo. E aqui estou, escrevendo.

O certo é que nós, os profissionais da escrita, escrevemos o tempo todo; enquanto lavamos a louça, passeamos de carro ou tentamos dormir. As palavras borbulham em nosso cérebro. Claro que é uma escrita sem texto físico. “Mas qualquer narrador profissional sabe que se escreve sobretudo dentro da cabeça.” Cunhei essa última frase da escritora espanhola Rosa Montero, em seu livro A Louca da Casa, onde descreve a inquietude que envolve a imaginação na composição de um texto.

É assim com o romancista, mas também com o jornalista. Quando estamos escrevendo ficamos alheios a tudo que se passa à nossa volta. Mergulhamos em um mundo particular onde as palavras dominam por completo o nosso pensamento. Criar um texto, à primeira vista, pode parecer fácil, mas também pode ser sofrido. E aqui eu lembro de Elisabeth Bishop, considerada uma das mais importantes poetas do século XX a publicar em língua inglesa, mas que levava semanas, até meses para compor um poema, burilando cada verso até encontrar a melhor palavra para expressar os sentimentos que lhe iam na alma.

E lá vou eu misturando jornalismo com literatura. Mas é que as duas atividades se relacionam, se complementam. O real e o ficcional se confundem nessa tarefa de expressar os acontecimentos ou os nossos pensamentos. Agora mesmo acabei de usar uma citação literária na elaboração desse texto. Falar de literatura e de jornalismo é falar da vida; da própria vida e da vida dos outros, vai nos lembrar, mais uma vez, Rosa Montero. É falar de alegria e de tristeza, de sonho e realidade. De modo que não há como dissociar uma coisa da outra.

Cá entre nós, um bom texto tem o seu lugar! Eu poderia desfilar aqui uma relação extensa de profissionais que dominam com maestria a arte de escrever. Sejam eles, jornalistas ou romancistas. Mas prefiro não citar nomes para não cometer o erro de esquecer um ou outro igualmente importante. Mas que é estimulante ler ou escrever um bom texto, isso é inegável; nos instiga, emociona, enriquece e nos dá prazer.

Me preocupa a juventude de hoje, acostumada a se comunicar por mensagens abreviadas e áudios, utilizando o celular.  Nesse aparelhinho, que já se tornou indispensável na vida de todos nós, ficou perdido o exercício da escrita de forma correta. Me assusta o que leio nas redes sociais! De vez em quando um leitor mais exigente corrige de maneira delicada. Outros, nem tanto. A língua portuguesa agradece.

E vou ficando por aqui, que essa prosa já está se alongando demais. Vou levando a vida como posso. Um dia leio, noutro escrevo; leio mais que escrevo. Aqui, no sofá da sala, nessa tarde fria de agosto, vou tentando concluir esse texto, na certeza de que terminar é tão difícil quanto começar.

Socorro Pitombo, jornalista

Texto publicado originalmente no Blog da Feira

terça-feira, 4 de agosto de 2020

QUANDO O DISCÍPULO VIRA MESTRE


Gilmar Souza Costa 


Jorge Portugal

Faz algumas horas que recebi a notícia da morte do professor Jorge Portugal. Poucos de vocês sabem, mas eu fui porteiro, por cinco anos, do prédio onde ele morou. Trabalhei ali dos quinze aos dezenove anos e nesse período pude ver sua vida agitada nas artes e na educação. Certa feita, ao chegar do trabalho e passando pela portaria, ele se dirigiu a mim e perguntou que tipo de literatura eu gostava, já que me via sempre com jornais ou revistas (uma orientação dos padrinhos). A conversa se estendeu e daquele dia em diante ele passou a me emprestar livros e gramáticas para eu estudar. Tempos depois, ele me perguntou que carreira eu pretendia seguir e eu fui categórico: Ainda não sei, mas quero ser reconhecido e respeitado como o senhor e sentar ao seu lado numa mesa de apresentações. Ele sorriu, agradeceu e seguiu seu caminho. 

O ano era 1995. Aquela conversa ficou segredada até 2011/2012, quando, na escola em que eu trabalhava, como professor de redação, dividi o mesmo palco com o aclamado professor e apresentador do programa Aprovados, Jorge Portugal. Ele, como convidado da casa para palestrar e eu como professor das turmas para quem ele falaria. Convidado por ele para assumir a fala e diante dos meus alunos, eu contei a minha história, lancei meus agradecimentos e externei minha alegria por aquele momento. Lacrimejando, ele disse: “Eu nunca ouvi história mais impressionante”.

Morreu um homem que olhou para um adolescente porteiro e deu o melhor que qualquer uma pessoa pode dar a outra: esperança e livros.

25 anos depois e aqui estou eu: Licenciado em Letras, Especialista em Educação e Mestre em Estudos de Linguagens, Professor de Redação. Sigo os passos do grande mestre, graças ao empenho, orientações e visão dos padrinhos Eduardo e Mara Lima, que jamais souberam dessa história senão no dia em que eu encontrei o professor Jorge no palco da escola. Eu imagino que tantos outros jovens foram marcados por esse grande homem e que tenham construído suas carreiras seguindo o exemplo que ele deu.

Sigo meu caminho desejando marcar vidas e ser exemplo para meus estudantes, assim como me inspirei nesse professor. Sigo almejando tocar corações, encorajar sonhos, dar esperança e mostrar que é possível encontrar água no deserto, beleza em dias cinzentos e joias num amontoado de lixo.

Professor também é herói.

Kia kaha.   
 
*Gilmar Souza Costa é Mestre em Estudos Linguísticos, Especialista em Gestão da Educação e graduado em Letras com Francês.


sábado, 25 de julho de 2020

O ESCRITOR

     
Cristiano Lôbo 

Centrado, sensível, sereno 
Inspirado pelo coração 
Capaz de traduzir o desejo
Em textos com ou sem emoção.

Busca no seu imaginário
Aquilo que gera beleza 
Conquanto precise, de fato, 
Da sintonia que traz a leveza.

Com técnicas e estilo próprios
Na escrita, sentidos atentos 
No papel ou mesmo na tela
Expõe, no contexto, seu talento. 

No lazer ou na profissão
Sem faltar o sentido do amor 
Ornando bem as palavras
Eis aí, o verdadeiro escritor.

Por Cristiano Lôbo

quinta-feira, 23 de julho de 2020

MARATONA DE IDEIAS UNIFTC BUSCA SOLUÇÕES PARA A PANDEMIA




 Primeira edição do evento, em 2019 - Foto Eduardo Freire


Encontrar soluções para enfrentar a Covid-19, especialmente nas áreas da saúde e da economia. Esse é o desafio proposto aos alunos da Rede UniFTC, através do projeto Maratona de Ideias, que realiza a primeira etapa neste sábado (25) e a segunda dia 25 de agosto. A atividade acontecerá totalmente on-line e será desenvolvida em grupos, com o suporte de professores. Serão premiadas as ideias que apostarem em tecnologia e inovação, sem perder de vista a relevância e a viabilidade das sugestões.

Estudantes de todas as unidades da instituição participam do projeto, que incentiva a interação e uso de habilidades, conhecimentos e competências em busca de soluções criativas. “Mesmo diante do distanciamento social, podemos ser criativos, fazendo uso da tecnologia e suas funcionalidades para unir nossos alunos e professores na busca por soluções inovadoras para a sociedade”, explica Fabrício Oliveira, Gestor do Programa de Inovação e Empreendedorismo da Rede UniFTC e responsável pela coordenação do projeto.

A intenção, de acordo com o professor, que também coordena o curso Sistemas de Informações do Centro Universitário UniFTC de Feira de Santana, é que todos os participantes tenham a experiência de compartilhar, aprender e construir de forma colaborativa. Fabrício informa ainda que toda a comunicação entre as equipes, seus mentores e a coordenação da Maratona de Ideias acontecerá através do Google Classroom. 

Em sua primeira edição, que aconteceu entre outubro e dezembro de 2019, a Maratona de Ideias abordou o tema "Eu movimento minha cidade" e provocou os estudantes a desenvolverem soluções inovadoras para os problemas de suas comunidades. As equipes que apresentaram ideias mais maduras seguiram para a disputa final, em Salvador. O projeto vencedor foi o aplicativo "Save Life", que facilita o processo burocrático em torno da doação de órgãos. Os alunos também trouxeram propostas relacionadas ao acesso à saúde pública, descarte consciente de resíduos e diversos outros temas relevantes à sociedade. 

Madalena de Jesus, jornalista


sexta-feira, 10 de julho de 2020

RELAXAR E VIVER O PRESENTE, É O QUE TEMOS.



E os dias vão passando, somando meses nesse isolamento forçado. Os casos da Covid-19 não param de crescer na nossa Feira de Santana.  Diante desse cenário, o prefeito voltou a adotar medidas restritivas, decretando, mais uma vez, o fechamento do comércio, uma maneira de ampliar a taxa de isolamento social, sempre abaixo do recomendado pela Organização Mundial da Saúde. Agora, mais do que nunca, a ordem é ficar em casa. 

Vivemos tempos estranhos, onde tudo acontece de modo virtual.  Recentemente, fiz uma consulta médica por chamada de vídeo, a telemedicina. Claro que não é a mesma coisa que uma consulta presencial, mas é o que temos no momento para as pessoas que, como eu, não devem sair de casa.  Para conversar com familiares e amigos uso o mesmo recurso. Assim, posso ver o rostinho das pessoas queridas, matar a saudade dos filhos e netos.

Dia desses, uma amiga lojista me ligou acenando com liquidações, coleções novas e outros atrativos que fazem a alegria de toda mulher; mandava até uma malinha com as peças para eu escolher em casa. Mas não preciso de roupas, o armário está cheio delas, há muito tempo sem uso. Não vou a lugar nenhum. Viajar então, nem pensar! Por enquanto só uso pijamas, de preferências os bem velhinhos, mais confortáveis.

Não vou mentir. Claro que sinto falta da rua, da lanchonete, do cinema, do shopping. Ah! As vitrines! Como era bom ver as novidades que os consumistas adoram. Parece até sonho que um dia percorri as alamedas dos shoppings, os corredores dos supermercados, as avenidas da cidade.

Quando tudo isso acabar, quero ir primeiro ao salão de beleza. Sério! Preciso urgente de uma repaginada na minha aparência! Quero sentar e deixar que as profissionais cuidem do meu cabelo, da pele, das sobrancelhas, das unhas. Uma faxina geral. Falando desse jeito até parece que não estou sequer tomando banho. Calma, não é bem assim, simplesmente trata-se da mais pura e completa vaidade, confesso.

Brincadeiras à parte, porque o assunto merece seriedade. Mas creio que é preciso relaxar nesse momento, deixar um pouco de lado os telejornais. Ficar somando o número de mortos e infectados só aumenta a ansiedade, preocupação, enfim, o medo de contrair a doença. Melhor é ouvir música, ler um bom livro, assistir filmes e séries interessantes, ligar para um amigo... tudo isso faz bem à saúde mental, recomendam as autoridades médicas. Para quem tem fé, rezar também traz um grande conforto, luz e esperança, quando tudo parece incerto.

Nas minhas reflexões sobre coronavírus, quarentena e outros senões, procuro ouvir o que nos diz a escritora chilena Isabel Allende. Ela aconselha a não viver com medo, porque nos faz imaginar o que ainda não aconteceu e sofrer o dobro. “Temos que relaxar um pouco, tentar apreciar o que temos e viver no presente”. Palavras alentadoras!

Socorro Pitombo é jornalista
Texto publicado originalmente no Blog da Feira

sábado, 27 de junho de 2020

SÁBADO NA FEIRA OU OS ESPECIALISTAS EM PANDEMIA



De repente nos tornamos especialistas em pandemia. É parecido com o que ocorre, por exemplo, em copa do mundo, onde há técnicos de futebol em cada esquina. Há os que analisam os números de infectados, mortos, hospitalizados, as taxas de transmissão, os níveis de isolamento, como verdadeiros estatísticos. Outros, se especializaram na extensa farmacopeia, receitando curas para o espírito e para o corpo, como verdadeiros infectologistas. Outros, experts em máscaras, em álcool gel, urbanismo, gestão privada e pública, em sexologia, em…. em diversas e inúmeras aptidões e funções humanas.

Dia desses alguém me receitou a raiz da jurema preta com casca de candeia e mel de abelha jataí, cozinhadas em fogo brando para ser tomada em noite de lua cheia…. Não vou mentir, eu gostei, ou melhor, adorei…e quase consigo fazer a porção, não fosse a raridade do mel dessa abelha catingueira. Me pareceu a receita do  ‘vinho sagrado’ do qual se serviam meus antepassados tapuios para atravessar a correnteza do rio monxoró, a nado, em tempo de inverno chuvoso como esse d’agora….

Isolado aqui na Matinha já lá se vão quase quatro meses, sem nenhuma capacidade de enveredar pelos caminhos das ciências e obrigado pela sobrevivência a escrever aqui no BF, me sobram memórias esparsas dos sábados em que eu flanava pelo centro da cidade, papeando no Mercado de Arte, bebericando na Marechal, rezando o ofício das almas e queimando o incenso de Senhora Santana na praça da Matriz.
Nessa época, ano passado, o milho verde espalhava-se pela rua. Há sempre uma roda de gente na praça do Map, onde  não é raro o samba-de-roda incomum dos angoleiros.

Olhe, se você já ouviu falar da segunda-feira em Feira de Santana, a feira livre, e sabe que não há mais o que diz Tom Zé naquela música, ou mesmo ouviu como eram as ruas do centro pela boca de algum comerciante abastado, entende o que eu quero dizer e mostrar. A diferença é que não há mais segunda-feira, entende?, pois o sábado na Feira tornou-se parecido com aquelas segundas, em burburinho, na variedade, na profusão de tabaréus, ou não, vindos de todos os recantos da região. É o dia que as vans chegam lotadas nos terminais da praça, do Feiraguay, atrás do Tênis, no Centro de Abastecimento. Transporte é o que não falta nesse entroncamento.

Mas escrever é um parto dolorido, as palavras me saem a fórceps, trôpegas, recorro então a essas  fotos para dar uma melhor ideia de como era o sábado no centro da Feira, antes dessa pandemia. Cumpro assim o meu dever e me livro desse texto que não sei como terminar…acho que minha saúde mental não está boa, com licença, vou me consultar com um especialista aqui no zap…

Jânio Rego, jornalista

(Publicado originalmente no Blog da Feira)

quinta-feira, 11 de junho de 2020

LER É VER O MUNDO COM A ALMA

Victor Souza Vieira

Quando ele era um garotinho de sete, oito anos e eu perguntava o que queria de presente de aniversário, a sua sugestão era sempre ir a uma livraria. Lá, ele escolhia, sem pressa e enchendo a atendente de questionamentos, um livro. E eu querendo agradar, claro, sempre comprava mais um ou dois. Afinal, não era nada comum uma criança substituir os brinquedos e tantos outros atrativos da vida infantil por livros.

O tempo passou. Já estudante de Direito e lá íamos nós para a livraria nos dias que antecediam sua data de aniversário – 12 de outubro, data duplamente emblemática, alusiva à criança e a Nossa Senhora Aparecida, a padroeira do Brasil. E enquanto eu folheava as mais interessantes obras literárias para indicar, ele chegava com um livro da área de conhecimento de seu curso. “Pronto, dinda, é esse”.

E meu pequeno Victor virou um grande homem, em todos os sentidos. E um leitor como poucos. Hoje, lendo uma resenha assinada por ele sobre o livro Frankenstein, de Mary Shelley, me surpreendi com a maturidade de sua interpretação, sua capacidade de entendimento não apenas do que está dito, mas principalmente das mensagens subjetivas. Afinal, é na subjetividade que está o sentido real.

Eu não sei até que ponto as nossas idas à livraria contribuíram para esse gosto tão especial pela leitura. Mas fico imensamente feliz, pois sei – aprendi com meu pai – que as palavras, onde quer que estejam, saltam aos olhos de todos, mas somente àqueles que têm o dom de ver além da superficialidade é dado o direito da verdadeira compreensão. Porque ler é ver o mundo com a alma.

Madalena de Jesus, jornalista, professora e madrinha de Victor Souza Vieira

terça-feira, 19 de maio de 2020

ENTRE COSTURAS E BORDADOS NA QUARENTENA



Sempre fui péssima em trabalhos manuais. Quando estudante no ensino médio, volta e meia a professora de Artes, a estimada “Paquinha” – quem lembra? – me alfinetava por não fazer direito uma bainha aberta, pregar um botão, fazer um bordado em ponto cruz ou ponto cheio.

Minha mãe era excelente em costura e bordado, pena que eu não soube aproveitar. Preferia bater perna até a loja Pires, casa comercial que era um verdadeiro magazine. Ali tinha um pouco de tudo, tecidos, utilidades domésticas, roupa de cama e banho… e muito mais. Já a loja Caldas, na avenida Getúlio Vargas, além desses produtos, também oferecia toda uma linha de higiene e beleza como o rouge (hoje blush), batons, esmaltes para as unhas, perfumes e cremes, itens indispensáveis na necessaire de toda mulher.

Hoje, nesse isolamento forçado, quando nos sobra muito tempo em casa, sinto falta de fazer um crochê, um tricô, alguma costura ou bordado. A inspiração me chega das postagens de amigas prendadas, exibindo peças decorativas e de utilidade doméstica, como toalhas de prato e tapete para cozinha, além de máscaras, é claro. Quanto a mim, só sei mesmo escrevinhar essas linhas.

A verdade é que tem muita gente se virando nessa quarentena, fazendo coisas impensáveis, como tonalizar e cortar o próprio cabelo. Agora, com o decreto governamental que considera serviços essenciais (?) os salões de beleza, academias e barbearias, nem é mais preciso tanto esforço para melhorar a aparência, fica por conta dos profissionais.

Limpar a casa já não é mais um serviço tão estafante. Sem a ajuda das diligentes domésticas, que também estão ficando em casa como precaução ao coronavírus, a vassoura elétrica é uma aliada. Que o diga a minha nora, que tirou a dela do armário e num instante tem o piso limpinho. Há também aquelas que estão optando pelo robô para varrer o chão! Uma novidade dos tempos modernos. Só precisa ter grana, porque o tal aparelho custa os olhos da cara.

No mais só resta a certeza de que os novos tempos exigirão de todas as pessoas novas habilidades. Quem sabe eu não aprenda a fazer flores? Costurar uma máscara, fazer um bolo, ainda que seja 0% lactose, já que ainda tenho que enfrentar essa restrição. Mas não reclamo. Afinal, comer sem glúten e sem lactose está super na moda e, antes de tudo, é saudável.

Enquanto isso, permaneço em casa quietinha, mesmo porque faço parte do grupo de risco e prezo muito a minha vida. Os livros são meus companheiros de sempre e agora as lives também. No WhatsApp ouço os poemas declamados por Faní, espalhando beleza nesses dias difíceis. Da varanda de casa vejo a rua quase deserta, os outdoors e a quadra de esportes vazia, nesse finalzinho de tarde de um domingo qualquer. Vida que segue na esperança de que não demora muito e tudo isso vai passar.

Socorro Pitombo, jornalista

Texto publicado originalmente no Blog da Feira

terça-feira, 5 de maio de 2020

SOBRE ABRAÇOS, SAUDADE E O JARDIM DA UNIFTC



Estou há exatos 52 dias em casa, afastada de minhas atividades presenciais na UniFTC Feira de Santana e na Câmara Municipal. Uma questão de precaução, já que faço parte do grupo de risco para o invisível e temido Coronavírus. E, ao contrário do que sente a grande maioria das pessoas que vive situação semelhante, não acho isso ruim, pelo contrário. Afinal, agora eu tenho algo que há muitos anos buscava em minha labuta diária: tempo.

E é exatamente a noção de disponibilidade do tempo, mesmo com tarefas profissionais a serem cumpridas, que tem me levado a rever minha postura diante da vida e das pessoas com quem a divido. Há muito tempo ou há alguns poucos anos. Nesse percurso, até a distância ganhou um novo significado. Nunca tantas ideias foram discutidas com tamanha intensidade entre meus colegas de trabalho e superiores. É isso mesmo, a internet aproxima, mesmo de longe.

Nesse novo formato de trabalho, adotado de forma inevitável por conta  do distanciamento social imposto pela pandemia, Feira de Santana está tão próxima de Itabuna e Eunápolis, como de Juazeiro, Petrolina, Conquista, Jequié e Salvador. A cada reunião, estamos juntos na tela do computador. Bem mais perto do que antes. Ficamos mais íntimos também. Compartilhamos textos, lives, postagens, fotos, preocupações, da mesma forma que dividimos aflições pessoais.

E não é exagero. Em tempos de isolamento, até a morte chega com nova roupagem. Domingo (4/5), acordei com a notícia de que uma boa e velha amiga havia deixado essa dimensão. Maria Mercês Pimenta tinha 87 anos e durante muito tempo estivemos bem próximas. Não nos últimos anos. Falei com dois de seus filhos e uma nora e remexi meus arquivos em busca de fotos para relembrar momentos que não serão mais vividos. E nesse emaranhado de emoções, nada aplacou a falta do abraço em seus familiares, especialmente Cristina, sua parceira de vida, com quem ainda não tive coragem de falar.

Sentimentos parecidos devem ter sido experimentados pelos familiares e amigos do compositor Aldir Blanc e do ator Flávio Migliaccio, que fizeram a viagem definitiva no mesmo dia. Nunca os vi, a não ser por meio da ressonância de suas respectivas obras. Mas senti a dor dos seus como se fosse minha. Mais uma vez a noção de distância se desfez e, ao ler a carta atribuída ao ator comediante, um vazio enorme tomou conta de mim. Realmente, está muito difícil viver nesse mundo podre, com a humanidade infectada por sentimentos mais devastadores do que um vírus mortal.

A saudade é enorme. De todos e de tudo. O que eu quero mesmo é voltar a viver normalmente, sem essa lança apontada para nossa cabeça, vendo o lindo jardim da UniFTC todos os dias. Mas sei que por enquanto e, ao que tudo indica, por muito tempo ainda, isso não será possível. Continuarei vendo meus netos, minha filha e demais pessoas queridas por vídeo chamadas, aproveitando o tempo que estou em casa para cuidar do lugar onde vivo, fazendo do whatsapp um elo com meus amigos e colegas de trabalho. No mais, vou guardar todos os abraços e a saudade.

Madalena de Jesus, jornalista e professora de Literatura e Língua Portuguesa

quinta-feira, 16 de abril de 2020

ACABOU CHORARE: SEM TRIO, SEM GUITARRA, SEM MORAES.

Socorro Pitombo


Saudade! Esse é o sentimento que ocupa o coração de cada um de nós. O violão silenciou, aquele mesmo instrumento cujos acordes nos deixavam arrepiados, encantados com o som do que se convencionou chamar de “frevo trieletrizado”, que invadia a praça Castro Alves nos dias de Carnaval.

Uma querida amiga me diz ter saudade de acompanhar Moraes Moreira descendo a ladeira de São Bento lotada de gente e sem medo. Verdade, nessa hora vem a recordação de tudo, da mocidade, dos tempos idos, quando o simples andar pelas ruas não oferecia o menor perigo.

Perdemos Moraes Moreira, é fato. Mas a sua música permanecerá viva nas dezenas de discos que gravou ao longo de uma história de sucesso. Foram 50 anos de carreira desse baiano de Ituaçu que com a sua música conseguia levantar o chão da praça... para a alegria dos foliões.

Cantor, compositor, músico e um dos fundadores do grupo MPB Novos Baianos, Moraes Moreira nos deixa o legado da sua música, que levou alegria por esse Brasil afora, em shows e outras apresentações durante a carreira solo. Foi o primeiro cantor de trio elétrico, o trio de Dodô e Osmar, e são dessa época as lembranças que guardo comigo dos carnavais de Salvador.

A praça Castro Alves era o point. Íamos chegando no finzinho da tarde e escolhendo a melhor localização das barracas – naquele tempo não havia camarotes – que pudessem acomodar o grupo de oito a dez pessoas. Uns de Feira, outros de Salvador, não importa, estávamos unidos num só propósito, nos divertir nos quatro dias de festa.

Ali, a gente se encontrava com Nei Matogrosso, Caetano Veloso, e outros tantos que se tornariam ícones da música brasileira. Sem tietagem, vale dizer. Tudo muito natural. Mesmo porque eles estavam no começo da carreira.

A terça-feira, último dia da festa, era especial, pelo tão esperado encontro dos trios. E a gente lá, aguardando, brincando, esbanjando animação e alegria. Afinal, o Carnaval ia chegando ao fim e era preciso aproveitar todos os momentos. A madrugada raiando e a gente lá, esperando o grand finale.

O dia já claro e os trios iam chegando. Impossível descrever a emoção daquele momento. De pé nas mesas das barracas para melhor apreciar o espetáculo, acompanhávamos em êxtase o duelo das guitarras, cada um dos músicos fazendo a sua melhor performance. E lá estava Moraes Moreira, como ele mais gostava, no trio elétrico, com Armandinho, arrebatando multidões

Mas já era quarta-feira e a luz da manhã inundava toda a praça, anunciando que um novo dia estava começando. Era chegada a hora de voltar para a realidade da vida. E esta mesma realidade nos diz apenas: Acabou Chorare.

Socorro Pitombo, jornalista

Publicado originalmente no Blog da Feira

quarta-feira, 1 de abril de 2020

A CULTURA DO LUXO: MODA E BELEZA A SERVIÇO DA HUMANIDADE



A cultura do luxo praticamente parou nos últimos meses. Potências mundiais invadidas pelo coronavírus tiveram suas atividades produtivas e comerciais inteiramente comprometidas, quando a preocupação essencial passou a ser a sobrevivência. Nesse cenário desolador que mobiliza todo o planeta, grandes marcas de luxo, concentradas na Europa, nos Estados Unidos e na Ásia, mudaram suas estratégias e passaram a se concentrar em como empreender medidas de solidariedade.

Dentre as estratégias, destacam-se as empreendidas por marcas como Louis Vuitton, Prada e Bvlgari. O presidente do grupo LVMH, Bernard Arnault, determinou que três das suas fábricas de perfume produzam álcool em gel ao invés dos habituais cosméticos e demais fragrâncias para marcas do conglomerado. O gel hidroalcoólico será doado a hospitais franceses. A empresa também doou US$ 2,2 milhões à Sociedade da Cruz Vermelha da China. A Prada, por sua vez, decidiu doar seis UTIs para três hospitais em Milão, na Itália, um dos países mais afetados pelo coronavírus. Os hospitais beneficiados são o Vittore Buzzi, o Sacco e o San Raffaele. Já a Bvlgari, fez uma doação ao hospital Lazzaro Spallanzani em Roma, que permite a compra de um sistema de aquisição de imagens microscópicas de última geração, uma máquina fundamental para apoiar uma pesquisa que visa o isolamento do vírus, projetando prevenção e tratamento.

Diante deste cenário, vislumbramos o quanto esse mercado do luxo está enraizado na nossa cultura e o quanto qualquer tipo de alteração no curso produtivo e comercial impacta este mesmo mercado, como tantos outros. De certo, ainda que o luxo esteja associado a uma inutilidade, num momento de crise planetária, esse mercado mostra como pode ser útil. Além do mais, sabemos que o luxo está associado à ideia de eternidade e de sonho, vetores cada vez mais intensificados em tempos de incertezas.

Nesse universo, o campo da moda ocupa um espaço extremamente importante. Marcas e conglomerados do setor do vestuário e acessórios constituem esse território singular em que certos modos de ser e de estar no mundo são adotados, estimulados e cobiçados pelos indivíduos. Yves Saint Laurent, Dior, Prada, Burberry, Chanel, Gucci, Hermès e Louis Vuitton são alguns dos ícones desse universo que mobiliza cifras na casa dos milhões... Só para termos uma ideia dos montantes, a marca francesa Louis Vuitton, até meados do ano passado (julho de 2019) era considerada a marca de luxo mais valiosa do mundo (valor de US$ 47,2 bilhões), segundo dados do ranking BrandZ, divulgados pela WPP e pela Kantar. Outras duas marcas também francesas ocupam o segundo e terceiro lugares neste mesmo ranking: a Chanel (valor de US$ 37 bilhões)  e a Hermès (US$ 31 bilhões) .

Vislumbramos, assim, o papel da moda e da beleza no universo do luxo. Para termos uma ideia de como se desenvolve a cadeia produtiva desse setor, é importante assinalar que a indústria têxtil e de vestimentas vem cada vez mais procurando centros em que se encontra uma mão de obra mais acessível e, por isso mesmo, assistimos a um crescimento exponencial da produção asiática e o descenso da hegemonia europeia. De todo modo, os principais grupos responsáveis por bens pessoais de luxo concentram-se, ainda, no ocidente. Há um predomínio das marcas italianas e francesas.

Ainda assim, o que mais chama atenção é o fato de que há uma deslocalização dos produtos impulsionada pela globalização e existe, consequentemente, um hiato entre o lugar de origem dos produtos e a representação simbólica a que nos remetem; “os objetos circulam sem que o peso identitário perturbe o seu movimento”, observa o sociólogo Renato Ortiz. No campo do luxo e da moda isso fica ainda mais evidente, pois, quase sempre, a identidade das marcas não coincide com sua geografia de origem; elas pertencem ao espaço da modernidade-mundo. E por isso mesmo um estilista como Yamamoto vai afirmar que “não há nenhuma nacionalidade em minhas roupas. Elas não são nem japonesas, nem francesas, nem americanas. Minhas roupas não pertencem à nenhuma nação”. Tal aspecto relativiza exponencialmente a questão identitária relacionada ao consumo do luxo, particularmente, e ao consumo de forma mais ampla.

Inegavelmente, embora desterritorializados, os bens de luxo estão associados a alguns valores simbólicos que lhes confere esse DNA de luxo. Dentre eles, talvez o mais importante seja isso que Ortiz identifica como “(...) transubstanciação simbólica que transfere o valor de assinatura pessoal do criador ao objeto em questão”. É o que comumente no universo da moda identificamos como estilo, uma marca individual, intransferível...

Além da assinatura, do estilo do design-criador, o luxo – cuja origem etimológica vem do termo latim luxus, que significa ostentação - , também estabelece relação com tudo aquilo que está no horizonte do sonho, da eternidade e da raridade. Além disso, invariavelmente, associa-se ao bom gosto, à elegância e à beleza. Todos esses valores estão fortemente enraizados à galáxia da moda, embora a eternidade e a raridade não estejam, necessariamente, vinculados aos modismos e a própria dinâmica de renovação constante tão própria ao sistema da moda, como já bem evidenciou Gilles Lipovetsky.

Ainda assim, cabe reconhecer o fato de que, sobretudo na alta costura e nas grandes marcas da moda, como Chanel, Hermès e Louis Vuitton (só para citar aquelas que movimentam as maiores cifras no mercado), a eternidade e a raridade de suas modelagens, tecidos e texturas têm sido fatores essenciais do sucesso e da perenidade das mesmas. Os casacos de tweed da Chanel, a bolsa Kelly da Hermès e a bolsa Speedy Louis Vuitton se instituem numa espécie de “(...) atemporalidade inscrita no corpo de uma realização única”.

A democratização do luxo na contemporaneidade cresce aos nossos olhos e há aqui um papel fundamental da mídia na propagação desses bens de consumo. Assistimos a uma consagração e mesmo hipermidiatização dos criadores, dos designers. Os ‘belos objetos’ são disseminados em campanhas publicitárias que invadem a televisão e, sobretudo, as redes sociais. Atingidas fortemente pela onda do coronavírus, inúmeras marcas buscam na Internet e suas plataformas, uma alternativa para um consumo - ainda que restrito -, que promova bem-estar e ative nossos desejos em tempos de isolamento social.

Mas o que mais impressiona é perceber que o luxo tem relação, sobretudo, com o espírito de dispêndio, humano, demasiadamente humano, e que, portanto, não é algo característico da cultura ocidental, por exemplo, ou mesmo de um momento histórico específico. O luxo sempre nos acompanhou; é um fenômeno da cultura, “uma atitude mental que se pode tomar por uma característica do humano-social afirmando seu poder de transcendência, sua não-animalidade”. O importante é que os bens de luxo ofereçam a possibilidade de experiências únicas, em que cada um de nós possa se sentir transformado, tendo sido afetado de uma maneira tão íntima e tão intensa que depois daquela experiência, jamais seremos os mesmos.

Assim, resta ao universo da moda e do luxo, agora, uma vez mais nos mostrar como é possível encontrar beleza e solidariedade em tempos de isolamento social.


Renata Pitombo Cidreira é professora da UFRB, jornalista e pesquisadora de moda. Autora de Os sentidos da moda (2005), A sagração da aparência (2011) e As formas da moda (2013), entre outros.