sexta-feira, 27 de novembro de 2015

PRA DIZER QUE FALEI DAS FLORES E DO LIVRO






Em épocas de crise financeira, ele sabia que não podia gastar seu pouco dinheiro com coisas supérfluas. Então, numa manhã quase cinza, depois de uma noite impossível de calor, ele saiu pelas ruas da cidade atrás de um livro e de flores. Não, ele não considerava essas coisas banais, porque sempre sentia fome do perfume e da beleza das flores, assim como a sua saúde dependia de uma boa leitura.

Depois de tanto caminhar sentindo o mormaço do dia, entrou numa loja de artigos religiosos. Era ali que ele encontraria o livro indicado por seu amigo na noite anterior, quando conversavam sobre o término do namoro de uma de suas amigas, ao passo que se queixam do calor. Realmente, estava muito quente. Assim que entrou, viu que vendiam imagens de Alguém invisível. Olhou para todos os cantos e notou que as pessoas ainda precisavam de artifícios para encontrar Alguém que se deixa ser encontrado.

Pegou o livro e o pagou. Enquanto contava o troco e o guardava em sua carteira, notara que a moça do caixa havia colocado o livro numa sacola plástica reciclada. Ele não ficou incomodado com o fato de ela ser de material reciclado, mas era um livro numa sacola plástica de supermercado sem propaganda, sem cor e nem brilho. Para ele o objeto estaria sendo banalizado, afinal de contas era um livro e estava numa sacolinha de supermercado. Logo depois, ele se conformou, pois lembrou que a crise havia abrangido a todos.

O calor continuava, a chuva que prometia vir não se predispunha e ele continuava sua caminhada. O medicamento já havia sido comprado e, naquele momento, pensava apenas como seria sua posologia, talvez em dose única. Ele sempre lembrava que era uma época de crise e que só poderia comprar comida e medicamentos, caso necessitasse. Durante o trajeto até o comércio de flores, ele via os transeuntes, mas eles não o viam. Ele os via.

O sinal parava, eles atravessavam. O destino os esperava, assim como o dele. De repente, ele vê um homem que tinha aparência de ter trinta e cinco anos segurando a mão de um garoto de aproximadamente sete anos. Conjeturou ser pai e filho, pois estavam sintonizados: riam, falavam próximo ao ouvido e estavam de mãos como cadeados.

De súbito, ele se viu naquele contexto e, numa conta rápida feita na mente, viu que aquele homem teria se tornado pai aos vinte e oito anos. Ele já tinha trinta e ainda morava só. Sua visão os acompanhou até o horizonte... Sumiram como um navio desaparece no mar.

O mundo havia parado. Talvez ali, naquela hora, ele se tornara autista. Entretanto, para o seu dessabor, algum filho do capitalismo que passava ao seu lado derrubou a sacola dele e, mais uma vez, viu que o seu livro estava numa sacola plástica sem propaganda e sem brilho e que havia comprado o livro numa loja onde vendia imagens de Alguém invisível.

Se fosse para o meu filho – pensou – teria que estar num embrulho para presente. Jamais daria algo especial numa sacolinha plástica de supermercado. Recolheu-o do chão e desceu a ladeira que daria acesso à rua das flores.

 Ele andou por uma, duas, três lojas e as pessoas, entre funcionários e proprietários, não se dispuseram de atenção. Acho que é porque estou com um livro dentro de uma sacolinha de plástico sem propaganda – pensou. No entanto, na quarta loja, uma senhora simpática veio atendê-lo. Ele observava tudo e, por uma questão de segundos, entrara num mundo seu. Não ouvia mais nada, apenas dava vazão à imaginação.

Aquelas cores, aquele perfume, a sensação de estar sendo molhado por gotículas de chuva o transportaram para um lugar bucólico onde os poetas árcades declamavam as suas poesias e bebericavam seus vinhos. Mas um simples toque da bondosa senhora fez todos aqueles pensamentos sumirem como um relâmpago.

- O senhor deseja algum presente?

- Não necessariamente.     

Que espécie ele levaria? – refletia constantemente. Lírios? Talvez sim, porque eles exalam um perfume singular e deixariam a sua casa toda perfumada. Todavia, ao perguntar o preço de cada galho, viu que a recessão não permitiria vê-los desabrocharem sobre a mesa de sua sala.

Ao desviar o olhar rapidamente para o seu lado esquerdo, ele viu algo exótico e com o preço que podia pagar. Era uma muda de celosia. Ele concordou que o nome era estranho, parecia um tipo de doença, mas não importava uma vez que o mundo estava estranho e ele já havia se acostumado.

A nomeação da flor não importava naquele momento. Ela possuía um caule delgado e avermelhado, suas folhas oscilavam entre verdes e avermelhadas e as flores... Ah as flores... possuíam muitos filamentos que configuravam uma espécie de pinheirinhos de natal já enfeitados, pois eram vermelhos e estavam num vaso de plástico preto. Contudo uma coisa o deixou triste e o fez, por um instante, desistir de levá-las para casa: elas não exalavam perfume como os lírios.

Não importava. Ela era exótica e ficaria muito bem sobre a sua mesa de mármore luzidio. Saíram da venda ele, o livro dentro da sacola de supermercado e as flores. 

Emerson Souza 

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