“quando me percebi já era alheio”
ezio déda
te apartaste e te perdeste
[boi na cordilheira,
cavalo no teto de zinco,
gato no fundo do mar]
dos caminhos mais elementares.
quede o orvalho
das madrugadas
quede as vias
de pó e poeira
fumegando a vontades
gerando gerânios ranchos rancharias
encontros e tropas de alegrias
quede o laço do abraço
distendido no vento
aberto na brisa do nada
- no nada que vale um tudo.
de pouco te valeram
óculos novos
enciclopédia universal
os bolsos topados de sonrisal
cartilagem de tubarão
mandingas de fulô preto
mantos de nuvens e manacás
se caducos
são os teus gestos,
caducos e crespos
se te apartaste
de toda a flora
da mínima areia e teogonia
que te remeteriam
ao reconforto
de mãos antigas
[desprovidas de pretensões
de pedras]
e dos cheiros amigos
se te impermeabiliza
em casacos difíceis
em bílis de granito
se te esteriliza
e infundes distâncias
ao que de tão perto
e próximo
clama cócegas
e apalpos
e sal e luz
e poderia estar
aí contigo
mineral latente e seminal
sem jamais torar
na cepa.
no dentro-âmago.
[tanto que teu pai
e aqueles passarinhos roucos,
óputo,
te pediam pra prestares
a atenção na direção das brisas
e no bailado lutrido das samambaias]
apartado de tudo,
bezerro sem teta
nem consolo de úbere postiço,
nu, desamparado de solo e útero,
não escalas mais montanhas,
não trepas mais os topos altos
e básicos de ti mesmo.
te descolaste da terra
dos galhos dos ramos
das flores das sementes
da palharia que se fazem húmus
e voltam em copa grande
de arvoredos imprescindíveis
- em lutrido bailado de samambaias.
boi na cordilheira
gato no fundo do mar,
foste ali com teus pés
de zinco - sem o auxílio
do teu burro preto –
acessar ninguém
e não sabes quando voltarás.
possivelmente não voltarás,
de tão apartado
dos caminhos em que estás.
Jozailto Lima nasceu em Várzea do Poço em 11.11.1960, morou 11 anos em Feira, começou no jornalismo pelo Feira Hoje em 1983, fez Letras na UFS e desde 1990 mora em Aracaju, Sergipe, onde fez Comunicação Social e vive 100% do jornalismo, hoje comandando o Portal JLPolítica. É autor de cinco livros de poemas, entre eles "Viagem na Argila", de 2012, onde está este poema, e "Ainda os lobos", de 2016. Tem três consideráveis prêmios de poesia.
Ilustração de Ronaldson, designer e grande poeta sergipano, autor dos livros "Questão de Íris" e "Litorâneos"
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