terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

COMO OS GIRASSOIS DE VALDIRENE BORGES





É sempre assim... A suposta facilidade de escrever desaparece diante da mistura de sentimentos e pensamentos que a perda do convívio com alguém que amamos provoca. E aqui estou, tentando vencer essa dificuldade, desde a tarde de domingo (12), quando recebi um incontável número de mensagens com a mesma notícia: Adervan cumpriu a sua trajetória entre nós. Novamente o domingo perdeu a cor e a graça – foi assim com outros grandes amores, incluindo meu pai, Amílcar de Jesus, Egberto Costa, Elis Regina e Conceição Lôbo, só para citar alguns.

Mas deixando de lado a coincidência do dia. Será? Sou meio descrente disso. Mas vamos lá. Se final da tarde de domingo já é meio sombrio, pelo menos para mim, a noite não foi melhor em nada. Imagens iam e vinham o tempo inteiro. Lembrei de quando eu conheci Adervan, ainda meio desconfiada pelo seu jeito aparentemente (só aparentemente, descobri logo) sisudo. Foi pouco tempo depois que cheguei a Itabuna, no final de 1992, para integrar a assessoria de comunicação da Prefeitura Municipal.

Nos conhecemos, mas não nos aproximamos de pronto. Não sei exatamente porque. Acho que o senhor do tempo decidiu que quanto mais demorasse para nos tornarmos amigos, mais intensa seria a nossa relação. E foi isso que aconteceu. Nos meus últimos tempos nas terras grapiúnas e depois, quando retornei e fui trabalhar no Jornal Agora, aí sim, conheci a fundo o verdadeiro José Adervan de Oliveira, que aprendi a amar e admirar. Como pai, amigo, patrão. Uma pessoa que descobriu o melhor de mim e me deu o que tinha de melhor.

Me encantei, sobretudo, com o seu jeito de fazer jornal. Primeiro, por destinar um caderno inteiro, que tinha o sugestivo nome de Banda B, para notícias sobre cultura. Um espaço para os artistas de Itabuna e região, uma grande vitrine, sem dúvida. Segundo, pela postura cordial, mas firme com as fontes, especialmente políticos. Entrevista fora do jornal? Nem pensar. Podia ser prefeito, deputado, vereador, secretário... E por último, o tratamento dispensado à equipe. Não importava o que acontecesse na rua, o repórter ou fotógrafo tinha o seu apoio.

Do Agora eu carrego grandes amizades. Começando por Roberta (minha amiga mais que especial), Fernanda e Dona Ivone. Da redação vieram para a minha vida Verinha, Walmir, Waldir, Ulisses... Impossível relacionar todos. Por isso acho mais prudente me concentrar naquele que sempre foi e – quer saber?  - acho que continuará sendo, a grande razão de ser desse projeto grandioso, que ultrapassa a fronteira do jornalismo. Porque eu acredito que, onde quer que esteja, Adervan continuará brilhando, como os girassois do belíssimo quadro de Valdirene Borges, que ele me deu de presente há mais de 15 anos.

Madalena de Jesus, jornalista, radialista, professora e amiga de José Adervan de Oliveira , para sempre.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

O SEQUESTRO DE SÃO JOSÉ



Na infância, fé, esperança e fantasia são sentimentos que parecem brincar com a criança. Se aqueles dependem da crença, a fantasia é o que torna a vida mais bela de forma descomprometida. No sertão, fantasia seria viver num inverno constante. Assim aprende-se desde pequeno com os mais velhos.

Em algum canto dos Sertões do Tocós, há algumas décadas, todos sabiam que imagem encarnada ou até mesmo quadro de São José não costumavam habitar os nichos ou paredes de apenas um lar durante todo um ano. Elas eram comumente furtadas! Isso! Delito legítimo e chancelado pela fé de quem comete tal crime e de todos que acobertaram o “roubo” do santo em nome do bem comum. Em tempo de seca hostil, somente esse santo poderia acalmar os homens e seus bichos sedentos.

Olhar o oratório vazio ou a marca escura da tinta deixada pelo quadro levado deixava seu dono na falta do santo protetor, mas ele, esposa e seus filhos acolhiam aquela ausência como uma honra e proclamavam a todos o sequestro. Mais um motivo para ter-se fé! Santo “roubado” significava a esperança correndo na bica.

Até São João fica refém de São José. Se até o dia deste santo não chovesse, não haveria milho para festejar nas ladainhas do São João. O milho não cresceria a tempo! Então, as rezas se tornavam constantes e as promessas paralelas ao sequestro do São José. Todas as gerações curvadas suplicando clemência dos céus. E qualquer tom mais escuro no horizonte trazia todos à varanda da casa. Não seria daquela vez... Mas o santo saberia quando, dizia a matriarca. Não muito distante, todos veriam as rachaduras dos tanques cicatrizadas.

Enfim, a chuva cairia! Todos entenderiam que era importante acreditar. O andor finalmente começava a ser adornado pelos bambus que restaram no fundo da casa com as flores que resistiram à seca. Precisava avisar ao dono do santo! O sequestro fora pago pelo próprio sequestrado. Do lar de São José, via-se à noite o movimento harmonioso de tantas velas acesas. Toda ladainha cantada no rojão daqueles pés rachados como os tanques de ainda ontem.

São José voltara para sua casa e com ele, a esperança daquele lar. As crianças poderiam achar aquele ritual estranho, pois seus pais lhes ensinaram que “quem rouba não vai para o céu”, mas começavam a entender que a fé tem razões que a própria razão julgava desconhecer! Fantasia, esperança e fé, depois daquela noite, confundiam-se na cabeça das crianças que dormiam com o cheiro da parafina, do incenso, mas, sobretudo, da terra molhada.

(Jadione Almeida, esperando as trovoadas de 2017)