quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

BOM SUCESSO: UM BRINDE À LITERATURA E À VIDA



                                                                                               
A relação da telenovela com a literatura é simbiótica desde seu surgimento. A sua origem remonta aos folhetins publicados nos rodapés dos jornais no século XIX. As primeiras tramas exibidas foram adaptações dos clássicos brasileiros (Senhora, A moreninha, A Sucessora dentre outros). Depois passamos para algumas livres inspirações, a exemplo de Fera Ferida, pautada na obra de Lima Barreto ou as muitas tramas ligadas aos romances de Jorge Amado (Tieta, Porto dos milagres, Renascer). Nos últimos anos, algumas obras têm adotado cada vez mais o processo de citação direta ou indireta, trabalhando a intertextualidade (“todo texto é um mosaico de citações” Kristeva, 1974) em todas as suas infinitas possibilidades. Estratégia criativa elevada à máxima potência em Bom Sucesso, que se finda, infelizmente como todo livro, essa semana, mas continuará ecoando em seus leitores.

Os autores, Paulo Halm e Rosane Svartman, e seus roteiristas igualmente talentosos e certamente bons leitores, investiram com força nesse profícuo diálogo entre os textos de todas as cores, gêneros, nacionalidades e épocas. A novela acolheu inúmeros repertórios culturais, do rap a Cyrano de Bergerac, de Vinicius de Moraes a Fernando Pessoa, da Letra Escarlate a Drummond, do Carnaval à Ópera, dando ênfase a algumas obras-chaves que funcionavam como molas propulsoras da trama,
Dom Quixote, Alice no país das maravilhas e Peter Pan, espécies de alter egos dos protagonistas.

A literatura costurou toda a trama, cujo um dos protagonistas, Alberto Prado Monteiro, é um bibliófilo, vivido com toda a maestria por Antônio Fagundes, dono de uma editora em crise financeira, retrato do nosso mercado editorial invadido por celebridades e youtubers. A presença dos textos se corporifica na trama e se enreda na vida das personagens, seja nos devaneios de Paloma a cada nova leitura, seja na tropa de funcionários do Capitão (Captain, my captain) em suas investigações e peripécias a la Sherlock Holmes ou no Satanás Burlesco que se transformou o vilão Diogo.

Nesses últimos capítulos, os diálogos se intensificaram e se tornaram ainda mais sofisticados e belos. O incêndio na editora foi antecipado pela leitura dramática de Farenheit 451 de Ray Bradbury, obra distópica e utópica a um só tempo, que ganhou vida na voz de Fagundes ao passo que as chamas consumiam os livros. Após o fogo, um momento de rara sensibilidade foi encenado sobre as cinzas. Assim como no conto americano, cada personagem escolheu uma obra (com ligação especial com cada papel interpretado) para guardar na memória, espaço no qual estaria protegida para sempre de qualquer tirania, fogo, guerra ou ditadores, e tal como fênix ressurgiram dos escombros. Vale ressaltar nessa sequência, a morte de Gisele e o réquiem cantado para ela por seu amigo William, a emblemática Geni, de Chico Buarque.

A história construída sobre o lastro forte dos livros é também uma ode à vida com suas grandezas e pequenezas, sobretudo, uma acurada reflexão sobre a morte e o tempo através da doença terminal do Seu Alberto. Estamos aguardando o seu grand finale com ansiedade, pois já podemos imaginar a beleza que virá em seu último ato, epílogo de todos nós. A trama revigorou com beleza ímpar o horário das 19, não só pela presença da literatura e do estímulo ao letramento literário dos telespectadores, mas pela vida que pulsa no riso e choro humano, seja nas ruas de Bonsucesso, seja nos corredores das mansões solitárias. Avante, Quixotes de todos os lugares! A novela e a vida nos mostra que a literatura e a arte não cura nossas dores, mas ajuda a suportá-las! Contar e ouvir boas histórias continuará fascinando os homens de todos os tempos, era uma vez, e outra e outra...

Alana de Oliveira Freitas El Fahl é Professora de Literatura Brasileira e Portuguesa 

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

A FELICIDADE NOSSA DE CADA DIA



No mundo louco em que vivemos, de tanto desamor, guerras e conflitos da impaciência no lidar com o outro, da  intolerância, ou para dizer melhor, do desprezo pela vida humana, nada mais alentador que uma amizade sincera, daquelas que se dispõem a escutar as nossas mágoas  e alegrias, indistintamente, e estão se tornando cada vez mais raras.

Saber que em algum lugar existe alguém com que podemos contar em qualquer circunstância, nos momentos mais difíceis e naqueles em que compartilhamos vitórias e alegrias é simplesmente gratificante, e nos traz à tona o sentimento de felicidade.

A amizade desempenha papel importante no caminho do ser humano em relação à felicidade, já defendia Aristóteles, um dos mais influentes filósofos gregos do mundo ocidental. O homem vive em comunidade e, por isso mesmo, suas ações têm impacto não apenas sobre si, mas também sobre o outro. É na cidade, no convívio com outras pessoas, que se pode agir e agindo de forma virtuosa se vivencia a felicidade, ensina o filósofo.

Mas afinal, o que é felicidade? Esse questionamento nos acompanha desde sempre.  Ser feliz é ter uma grande fortuna? Estar cercado de poder e honrarias, ter uma bela casa e o carro do ano?  Certamente que não. Esses são prazeres efêmeros, sentimentos passageiros por algo que conquistamos em nossa vida. 

Já para Nietzshe, felicidade é transbordamento. Essa capacidade de sair de si e retornar a si. De todo modo, talvez possamos pensar numa conjunção entre essas duas perspectivas acreditando que a felicidade é fazer aquilo que se gosta. Ter prazer com o que fazemos, buscar um aprimoramento pessoal e neste momento você é mais você e pode compartilhar essa alegria com o outro. Aristóteles falava nessa busca pela excelência, não porque os outros esperam, mas porque há realização de si e esta pode ser compartilhada.

Todos nós queremos ser felizes, esquecendo que a felicidade pode estar naquele domingo ensolarado, quando caminhamos sobre a areia branca da praia. Ou simplesmente acordar, abrir a janela e perceber que no nosso pequeno jardim desabrochou mais uma flor, brotando da terra. Essa é a felicidade genuína. É a aceitação de nós mesmos, com nossas virtudes e defeitos, amores e desamores, erros e acertos, mas sempre na busca de um aperfeiçoamento pessoal, querendo ser uma pessoa melhor.

Entretanto, a ciência moderna propõe dois tipos de felicidade. A condicionada, que surge quando obtemos algum conforto ou ganho, e a felicidade genuína, aquela que flui de nossas mentes e do que oferecemos aos outros e ao mundo. Ou seja, somos felizes quando podemos oferecer coisas boas às pessoas que amamos.

Uma amiga querida me diz que a maior das felicidades é acordar com brilho nos olhos, propósito na vida e boas relações ao redor, sem motivo especial para estar disposto e com bom ânimo. Sábias palavras, porque nos mostram que é possível encontrar felicidade real no cotidiano.

Todas essas reflexões resultam das mensagens que nos chegam via WhatsApp sobre mindfulness, um modelo de meditação que nos ajuda a ter uma vida melhor, dar as mãos aos nossos medos e a realizar os desejos genuínos do nosso coração.

Socorro Pitombo, jornalista

domingo, 5 de janeiro de 2020

SOBRE O TEMPO, O AMOR E A MORTE



De repente me deu uma vontade enorme de escrever cartas. Na verdade, primeiro veio um sentimento de nostalgia. Sabe aquela saudade que vem e ocupa todos os espaços do coração? Pois é exatamente assim. Saudade de pessoas que estão distantes, geograficamente ou não; de situações vividas lá no passado, que parece que estão aqui, agora; de sentimentos reprimidos pela falta de coragem de torná-los públicos. Ou seria compartilhar?

Junte-se a tudo isso o filme Beleza Oculta (originalmente Collateral Beauty), estrelado pelo sempre maravilhoso Will Smith, que vive um publicitário depressivo. Após a morte da filha de seis anos de idade, ele se isola na própria dor e a única forma de comunicação que ainda o mantém vivo é escrever cartas. Os seus destinatários, como era de se esperar, não são pessoas, mas o Tempo, o Amor e a Morte, representações abstratas dos valores da vida.

Passaria todo o tempo aqui falando do filme, uma história atualíssima e tão bem contada, na qual os seres abstratos são transformados em pessoas, que passam a interagir com o personagem de Smith. Mas volto ao ponto inicial sobre o meu súbito desejo de escrever cartas. No meu caso, os destinatários não seriam abstrações e sim pessoas com as quais eu perdi a conexão física, não a emocional.

Fiquei pensando quem seria o primeiro destinatário. E, por razões óbvias, pelo menos para mim e todos que me conhecem de perto e sabem a importância dele em minha vida. Sim, meu pai. Lembro que certa vez em um curso de redação, a professora Lívia Aragão sugeriu que escrevêssemos uma carta. Eu parecia aquela menina da escola Professora Maria Valongo de Carvalho, no povoado de Picado, em Conceição do Jacuípe. Compenetrada e movida pela emoção.

Além de um generoso 10, grafado no alto da folha de papel arrancada de um caderno qualquer, eu tive uma avaliação ainda mais importante dessa carta: a emoção de meu pai ao ler aquelas palavras, escritas rapidamente, mas que permaneceram em sua memória e na folha de papel que guardou por um bom tempo. Assim como eu ainda guardo cartas da doce e guerreira Elis Regina Machado. Era a nossa forma de comunicação, quando deixamos Feira de Santana. Ela para estudar em Aracaju (SE) e eu para trabalhar em Itabuna, no Sul da Bahia.

Diante de tanta intolerância na redes sociais e de minha própria intolerância para conviver com essa realidade, tenho me afastado cada vez mais dessa ferramenta, que ao mesmo tempo que aproxima, aumenta a distância entre as pessoas. Garanto que não vai faltar assunto para escrever cartas. Todos os dias, se eu quiser – e tiver tempo. E quando falhar a criatividade, posso falar sobre o Tempo, o Amor e a Morte. E eu já tenho uma lista enorme de destinatários. Nesta e em outras dimensões de vida.

Madalena de Jesus, jornalista e professora