terça-feira, 6 de março de 2018

MULHERES ESCRITORAS: O QUE HÁ DE MELHOR NA LITERATURA



Os homens que se segurem diante da nova safra de mulheres na literatura brasileira e de outras plagas, com histórias de vida fascinantes e trabalhos tanto em prosa como em versos. São escritoras jovens, outras idosas mesmo, e é isso que me entusiasma! Mas a idade cronológica não tem a menor importância, diante do talento que se revela tardio.

É sempre tempo de mostrar o que se faz e o que se fez desde menina e só agora é apresentado ao público leitor. É o caso de Marcia Vinci, 84 anos, que começou a compor versos ainda garota e só agora com o incentivo da família e amigos, publicou o primeiro livro “Poemas do Sim e do Não”.

Nascida em Poços de Caldas, sul de Minas, e já há algum tempo residente em São Paulo, não por acaso ela escolheu Salvador para publicar o seu livro, que tem o selo da paraLeLo 13S, pequena editora da livraria Boto-Cor-de-Rosa. Um espaço que tem a proposta de recuperar a vontade de ter contato com boa literatura, ouvir música, conversar com amigos durante um café e, principalmente, se atualizar sobre os novos lançamentos do mundo das letras. Livraria super antenada, está situada na rua Marquês de Caravelas, Barra.

Em entrevista à revista Época, Marcia descreve as lembranças das férias, que passava com a irmã mais nova em são João da Boa Vista, interior de São Paulo, na casa da tia Quita, uma costureira. É dessa fase o poema que escreve sobre a tia, Quita: Tempo que não fluía/entre a novena e o bordado/tinha um boudoir/de dama recatada/com um quê/ de puta disfarçada. Já nessa época, Marcia revelava um espírito contestador, uma menina inquieta, corajosa e rebelde.

Nas férias, ela e a irmã ajudavam a tia nas costuras e à noite iam para a novena, onde a tia orava fervorosamente e se confessava todos os dias. Essa era a rotina, só quebrada quando as duas, impacientes, fugiam da igreja e ficavam na pracinha paquerando os garotos.

Depois do sucesso da publicação, que mereceu elogio entusiasta de Milena Britto, editora da paraLeLo 13S, e grande aceitação do público leitor, agora ela promete não mais engavetar poemas. Esperamos que a promessa se cumpra.

Uma freira feminista

Outra escritora de história palpitante é Maria Valéria Rezende, 75 anos. Como missionária já deu a volta ao mundo quatro vezes, alfabetizando adultos e crianças, trabalho que também desenvolveu no interior do Brasil. Foi amiga de Fidel Castro, já fumou maconha para ver como se sentia um viciado que ela cuidava. Morou na China, no Timor Leste, na Argélia e no México.

É de sua autoria o romance “Outros Cantos”,recentemente editado pela Alfaguara, 152 páginas. O livro lhe conferiu o prêmio São Paulo de Literatura (o terceiro troféu que recebeu em 2017). Já lançou quatro romances e uma coletânea de contos. Santista de nascimento, Maria Valéria atualmente mora em João Pessoa (PB), onde divide uma casa com mais quatro freiras.

Quando era menina as pessoas costumavam lhe perguntar se queria casar ou ser freira. Escolheu fazer os votos “pois achava mais divertido”, diz ela. Estudou em colégio de freiras e nunca pensou em se tornar escritora. O hábito de escrever começou nas viagens, quando não tinha nada pra fazer em lugares desertos.

Nessa nova etapa de produção, ela entende que os homens estão ficando para traz. “Eles estão se dedicando à literatura da brochada, o mimimi deles”, afirma aos risos a freira rebelde. Feminista assumida, Valéria agora  procura resgatar e promover escritoras brasileiras. Para tanto, se dedica ao Mulherio das Letras, grupo que ajudou a fundar e que reúne mais de 5 mil romancistas, contistas e poetas, aqui no Brasil e no exterior. “São as mulheres que estão escrevendo o que há de melhor”, resume a escritora.

Escritora que se revela

E o que dizer de Fernanda Torres?  Inteligente, precoce, aos 13 anos já atuava. Cresceu nas coxias dos teatros acompanhando os pais Fernando e Fernanda Torres. Frequentando esse ambiente ela fez sucesso facilmente na TV e no teatro. Antes dos 30 anos tinha já uma carreira de atriz  consolidada. Então resolveu virar a mesa. Estava cansada! Enveredou pela literatura, para se reiventar e mudar de rumo, a princípio escrevendo crônicas para jornais e revistas.

“Fim”, o seu primeiro livro foi publicado em 2013, pela Companhia das Letras, sucesso garantido, o que lhe rendeu mais de 180 mil exemplares vendidos e foi traduzido para sete línguas. Convenhamos, bem acima da expectativa para uma iniciante! O romance conta a história de cinco velhos amigos do Rio de Janeiro, que à cada dia sentem que a vida está chegando ao fim. Diante desse fato inevitável, os personagens recordam paixões e traições do passado, manias, inibições, vergonhas e covardias.

Imbuída dessa vontade de fazer diferente, usando o humor como referencial, Fernanda interpretou, simultaneamente, a Vani de “Os Normais” e a Fátima de “Entre Tapas e Beijos”. Essa disposição dá bem a dimensão da versatilidade da atriz, que passeia com facilidade entre a TV, o teatro, o cinema e a literatura.

Atualmente, Nanda, como é conhecida na intimidade, se prepara para a volta à TV, na série “Sob Pressão”, que estréia em junho, e acaba de lançar o segundo livro, sob o sugestivo título “A Glória e seu cortejo de horrores”, também editado pela Companhia das Letras, 216 págs. O romance a colocou no patamar das escritoras mais vendidas no Brasil. Desde que chegou às lojas em dezembro de 2017,  a publicação  só ganha elogios.Foi destaque na revista The New Yorker e será traduzido para o francês.

Construindo com maestria os caminhos do tempo de um ator-, o que conhece muito bem-, o protagonista começa no teatro experimental, conhece a fama no cinema e como galã de novelas, até chegar à  extrema decadência.  O personagem chega ao fim de linha, num folhetim bíblico, enfrentando uma platéia de pessoas bêbadas e sonolentas, experiência que a própria Fernanda vivenciou, ao subir ao palco para enfrentar espectadores desinteressados.

Num país que lê pouco como o nosso, é estimulante o surgimento de novas escritoras, como essas que só engrandecem a literatura brasileira, nos encantam e nos emocionam. Esperamos que o público leitor desperte  a curiosidade sobre o que elas têm a nos dizer.

Socorro Pitombo, jornalista