segunda-feira, 11 de julho de 2022

QUANDO A DOR VIRA SAUDADE E O AMOR PREVALECE

 
Maíra em momento carinhoso com o pai, Anchieta Nery 

Escrevi esse texto logo após a perda do meu pai e a sensação ao relê-lo foi a mesma, uma mistura de alegria, saudade, tristeza. Porque ter vivido com ele e não poder mais compartilhar da sua presença causa tanta coisa, menos indiferença. Meu pai era pura amizade, pura solidariedade, nunca sucumbiu às vaidades que cegam e corrompem até os melhores. Decidi sempre fazer algo no mês de seu aniversário e esse ano como estamos vivendo uma crise sem tamanho resolvi contar com a ajuda dos amigos e familiares e arrecadar cestas básicas que forem possíveis. Então se alguém puder e quiser doar qualquer quantia segue o pix: nerymaira4@gmail.com  (Maíra Nery)

Há um ano e nove meses meu pai partiu - rumo ao mistério. Fiquei tentando juntar o que restava e sobreviver em meio ao caos que restou. Parecia que não tinha mais como piorar, perdi o pai, o meu amigo para sempre. Ele não fora viajar, nem ido ao bar da esquina. De repente e aos poucos, como quem pega no sono, ele tinha morrido, palavra que mais parece um palavrão. Eu não sabia como lidar com a Maíra que tinha ficado. Meus instintos me pediam para não desistir, sobretudo em honra à memória de meu pai, que sempre me ensinou a continuar, a ir, mesmo quando não me restasse mais força. Aprendi com ele a ter fé na vida, a atravessá-la com coragem, determinação e dignidade, mesmo em face do maior obstáculo.    

Lembro como se fosse hoje nosso último diálogo, quando não sabíamos que não travaríamos mais nenhum outro, dentre outras coisas, ele me pediu que cortasse o cordão umbilical com ele, dito isso na véspera da sua partida fez até parecer uma despedida amorosa de um pai sabendo que tem que partir e então pede à filha amada que continue, que seja firme e forte e no final com a voz mais doce possível, quase como música diz em voz firme e tenra - Eu te amo, minha filha.  

Os dias que se sucederam à sua morte foram quase a minha própria morte. Comia o mínimo possível, emagreci muito, fiquei frágil, egoísta e passava o dia migrando da tela do celular para o computador. A dor de enfrentar a morte de alguém muito amado é a dor mais doída que pode existir. Nós não lidamos bem com a finitude. 

Nesse processo de luto aprendi também que não posso controlar tudo, as coisas acontecerão alheias às minhas próprias vontades  e nem sempre me sentirei justiçada e tudo bem. A vida vai continuar, as contas precisam ser pagas, os filhos precisam ser cuidados. E dia a dia vamos também descobrindo novas formas de nos relacionar com aqueles que se foram. Meu pai vive em mim, o amor que cultivamos, os diálogos que travamos, os conselhos que ele me deu, as cervejadas compartilhadas não deixaram de existir só porque não poderão serem mais vividas. Viver na memória de alguém também é viver e uma belíssima forma de viver. Hoje seu olhar doce, sua altivez, sua força, sua compaixão, sua solidariedade estarão em mim, nos meus filhos e nos filhos dos meus filhos e assim ele, um pouco dele, sempre estará vivo. 

Quando menos esperei meu coração foi se acalmando, a dor foi cessando. Aquele passarinho teimoso cantarola, eu volto aos poucos a sorrir. O amigo aparece, o filho faz um afago, e eu novamente relembro seus conselhos - Minha filha se conforme, dói menos. Eu fui aceitando, fui seguindo, florindo novamente.   

Muitas coisas mudaram, eu mudei, a vida mudou para mim, obviamente a saudade não, ela hoje é minha companheira, minha camarada e já sabemos lidar uma com a outra, mesmo naqueles dias que parece que ela resolve me espancar. Bem, hoje parece que dobrei de tamanho, mesmo mutilada, carrego meu pai em mim e poucas coisas me assustam. Se o dia é ruim, se perco algo valioso relembro do meu pai, o vejo sorrindo, lembrando-me que é só um dia ruim mesmo, talvez um amor desleal, um amigo injusto, um chefe ruim, um bug do sistema e vai passar, eu vou levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima. Tudo sempre passa. 

Eu desejo sinceramente que todos possam viver a plenitude de um amor e amizade tão sinceros quanto o que compartilhei com o meu pai e que esse amor exploda em luzes e seja capaz de iluminar qualquer vida, como iluminou a minha, e que tenham belas memórias, que vivam fartamente como ele viveu. E sobretudo que sejam imensamente felizes, mesmo com a dureza da vida, como eu tenho sido, que tenham filhos sorridentes, amigos leais, amores intensos, dias bonitos, sucos gostosos, chocolates quentes.  

Anchieta Nery 

Presente! 

 Maíra Nery é estudante de Letras e filha do jornalista e professor Anchieta Nery