domingo, 31 de março de 2019

MULHERES: ENTRE PODEROSAS E AGREDIDAS




Que as mulheres são poderosas, não há a menor dúvida, tanto que as questões que envolvem o feminino são cada vez mais recorrentes e discutidas nos dias atuais. Só o fato de gerar a vida, dar à luz, já nos torna seres excepcionais desde sempre. E, sobretudo por isso, por essa condição especial, deveríamos ser mais respeitadas. 

O que nos causa espanto é que, quanto mais se alardeia o poder da mulher, o chamado “empoderamento”, termo tão em voga atualmente, mais ela se torna vulnerável quando se trata das relações amorosas e familiares. Diariamente, somos informados pela grande mídia, sobre agressões sofridas pelas mulheres, muitas fatais, perpetradas pelos próprios companheiros (maridos, namorados, amantes, ficantes o que sejam).
 

Sim, porque é no seio familiar, nas relações que deveriam ser afetivas, que elas encontram os seus mais cruéis algozes. O feminicídio, como é denominado o homicídio contra as mulheres, está se tornando cada vez mais corriqueiro, invariavelmente por motivos banais. O ciúme é quase sempre o fator desencadeador.
 

O grande índice de assassinatos de mulheres não se trata de um problema isolado. Representa, na verdade, sintoma de um padrão de violência de gênero contra elas em todo o país. Do ponto de vista histórico brasileiro, a violência contra a mulher é herdeira de uma cultura com raízes em uma sociedade escravocrata, construída a partir do modelo colonizador que aqui se instalou, segundo Marcondes Filho (2001).
 

Também contribuem para o aumento da violência contra a  mulher valores machistas profundamente arraigados na sociedade brasileira, conforme documento publicado pela Comissão Interamericana de Direitos humanos (CIDH). Ainda segundo a organização, somente no início deste ano, 126 mulheres foram assassinadas no Brasil em razão do seu gênero. A situação exige do Estado medidas mais severas, tais como investigações sérias e punição aos culpados.
 

O que nos deixa extremamente chocados é que esse tipo de crime já se tornou banalizado. É como se a vida, esse bem maior que nos foi concedido, não valesse mais nada. Hoje, se matam mulheres como se fossem insetos, e o que é mais lamentável, muitas vezes na presença dos próprios filhos. E não venham me dizer que isso só acontece nas camadas mais baixas da população, na periferia. Não mesmo, acontece também nos condomínios de luxo, entre pessoas bem sucedidas financeiramente e com bom nível de instrução.
 

É certo que a mulher vem contabilizando muitas conquistas, tanto no plano pessoal como no profissional. Alcançou a tão sonhada liberdade, conquistada palmo a palmo, para se tornar uma pessoa produtiva, independente, não mais aquela senhora do lar – não que isso seja demérito para  quem faz essa opção, até porque o direito de escolher faz parte da pauta contínua da luta feminina . Talvez isso incomode os homens em geral, não todos, obviamente. Numa sociedade patriarcal como a nossa, deve ser difícil para muitos conviver com essa nova mulher.
 

Se voltarmos os olhos para tempos mais distantes podemos observar que a mulher não sofria tantas agressões, ou pelos menos não se tinha conhecimento. Os dias corriam entre os afazeres domésticos, o cuidar das crianças e a atenção para o marido, o provedor da família. Mas os tempos mudaram, a mulher se profissionalizou e vem disputando com muita garra o seu lugar na sociedade. É bem verdade que ainda há um longo caminho a percorrer nessa caminhada pela igualdade de condições entre os dois sexos, sobretudo no que se refere a hierarquia e funções.
 

O mais assombroso e ao mesmo tempo alentador “é comprovar que sempre houve mulheres capazes de sobrepor-se às mais penosas circunstâncias, mulheres guerreiras, aventureiras, criadoras, políticas, cientistas, que tiveram a coragem e a habilidade de escapar a destinos tão estreitos como um túmulo”, no dizer da escritora espanhola Rosa Montero. São essas incontáveis facetas do universo feminino que nos trazem a esperança em dias melhores. Esperamos que sejam.
 

Socorro Pitombo é jornalista

sexta-feira, 29 de março de 2019

OLHA O TABULEIRO AÍ, GENTE!





Eu sempre gostei de mudar. De casa, de cidade, de visual… Mudar, para mim, tem o significado de melhorar. E mesmo que isso não aconteça, eu dou um jeito de encontrar algo nesse momento para dizer – ou pensar – que valeu a pena investir em um projeto. Sim, porque mudança é projeto e só o fato de projetar já demonstra que estamos ativos nesse jogo maravilhoso e inesperado que é a vida.

Não há nada mais marcante para definir a necessidade de mudança do que a passagem de um ano para outro. Por isso o retorno do Tabuleiro da Maria não poderia ocorrer em melhor hora. Parafraseando Carlos Drumond de Andrade, considero fenomenal quem decidiu dividir o tempo em períodos de 12 meses. E os últimos, convenhamos, não foram nada fáceis. E os próximos também certamente não serão. Que venham as mudanças!

E a primeira delas é a volta do Tabuleiro da Maria. Há alguns meses o blog encontrava-se bloqueado, sabe-se Deus porquê. Mas graças ao adjuntório de meu pupilo Alan – cronista dos melhores que já li – voltei, com um novo endereço. Agora, outra mudança. Por intervenção do amigo Charles, aqui estou de volta com o bom e velho Tabuleiro. Com as antigas postagens e muitas novidades, assinadas por mim e pelos amigos que, assim como eu, gostam das letras e das artes.

Madalena de Jesus

A PRIMEIRA "CHORONA" DO BRASIL



Por Madalena de Jesus*

Quando eu ganhei Histórias de Mulheres (obrigada meu amigo Jair Onofre) já tinha informações sobre a autora, através de outra obra, A Louca da Casa. Fui “apresentada” à escritora espanhola Rosa Montero pela jornalista Socorro Pitombo e conhecendo o seu faro refinado para detectar bons textos, não tive dúvidas da qualidade do presente. O livro é realmente uma obra de arte, que impressiona não somente pela riqueza das histórias contadas, mas sobretudo pela capacidade da escritora de  contextualizar situações tão distantes – assim como as próprias vidas biografadas – e trazê-las para a atualidade.

As marcas da temporalidade, ao mesmo tempo em que servem de pano de fundo para as tramas que se desenrolam, desaparecem na reflexão dos conflitos humanos. São 15 mulheres biografadas. Poderiam ser em número infinitamente maior, ou mesmo menor. A quantidade, nesse caso, é o que menos importa. Não farei análise de nenhuma das histórias, lidas com uma sensação de inquietação, às vezes beirando a angústia. Certamente me perderia em elogios às estratégias narrativas da autora. Minha intenção é apenas fazer um registro, fruto da curiosidade típica dos leitores insaciáveis, aliada ao bairrismo comum a todos nós: por que não há uma brasileira entre as escolhidas?
           
Diante de tal questionamento, imediatamente me veio à cabeça uma extensa relação de mulheres que, a seu tempo e modo, construíram histórias merecedoras de biografias Brasil afora. E assim os nomes surgiam, atropeladamente, até que um deles se fixou na minha mente: Chiquinha Gonzaga. É certo que sua vida e obra já serviram de tema para filme e minisérie, mas convenhamos que a literatura ainda deve muito a Francisca Edwiges Neves Gonzaga. Não somente pelos méritos musicais, mas pela ousadia e a vontade de ir sempre além do óbvio, do planejado, do esperado.

Longe de mim a pretensão de biografar Chiquinha Gonzaga, a primeira pianista de choro, autora da primeira marcha carnavalesca (Ô Abre Alas, 1899) e também a primeira mulher a reger uma orquestra no Brasil. No Passeio Público, há uma herma em sua homenagem, obra do escultor Honório Peçanha. Mas que dá vontade de conhecer um pouco mais de sua vida, ah! Isso dá. Então eu saí em busca de informações sobre sua vida e sua obra e depois de alguns sustos, tento recontá-las aqui.

Filha de um general do Exército Imperial – é difícil de crer, mas é verdade – e de uma mãe humilde e mulata, Chiquinha Gonzaga cresceu em um meio aristocrático. Um dos sustos: seu padrinho era o Duque de Caxias. Teve dois grandes mestres. Nos estudos normais, o Cônego Trindade; nos estudos musicais, o Maestro Lobo. Com apenas 11 anos de idade compôs “Canção dos Pastores”, uma música natalina. Outro susto: apesar da rigidez da educação familiar, sempre deu um jeititinho de frequentar as rodas de lundu, umbigada e outras músicas populares típicas dos escravos.

Fato comum no século XIX, Chiquinha casou ainda menina, aos 16 anos, por imposição da família. O casamento com o oficial da Marinha Imperial Jacinto Ribeiro do Amaral não resistiu à exigência absolutamente impossível de ser cumprida por ela: não se envolver com a música. Do enlace nasceu João Gualberto, o filho mais velho que sustentou dando aulas de piano. Tornou-se compositora de polcas, valsas, tangos e cançonetas. Era, então, uma musicista independente e uniu-se a um grupo de músicos de choro, que incluía o compositor Joaquim Antônio da Silva Calado.

Aos 52 anos de idade viveu uma nova e grande paixão: João Batista Fernandes Lage, de apenas 16 anos. Para viver esse amor, adotou o jovem como filho, o que foi contestado posteriormente por suas filhas, Maria do Patrocínio e Alice Maria. Elas chegaram a entrar na justiça para provar que João não era filho legítimo, mas não levaram a causa adiante. Chiquinha, nascida em 17 de outubro de 1847, no Rio de Janeiro, morreu ao lado de João Batista, aos 88 anos, em pleno carnaval.

*Madalena de Jesus é jornalista e professora de Literatura e Língua Portuguesa.