quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

AS VOLTAS DO MUNDO: UMA HISTÓRIA DE ENCONTROS E DESENCONTROS



Quanto menor a cidade do interior, maior a celebração do santo padroeiro. A própria Feira de Santana, em tempos idos, já registrou inesquecíveis festas em louvor a Senhora Santana. Assim, não foi diferente na pequena e rústica Lagoa Grande, com suas novenas, missas, batizados e crismas, promessas, confissões e outras demonstrações de fé em homenagem a Santo Antônio.

A festa coincidiu com a chegada à cidadezinha de uma moça elegante e de rara beleza, que destoava de todo aquele cenário. Em meio à multidão que chegava dos mais variados recantos para os festejos do santo e se aglomerava na única pracinha do lugar, a figura da desconhecida ao deixar a boleia do caminhão, vestida com luxo e apuro, chamava a atenção de todos.

É só o começo do livro "As Voltas do Mundo”, de autoria de Jailton Batista, que por muito tempo atuou como jornalista em Feira de Santana. Com 424 páginas, o romance tem o selo da Editora Kelps – Goiania-GO e foi lançado em Feira no ano passado, no casarão Froes da Mota.

A narrativa prende o leitor de imediato e vai revelando a história da formosa Francisca, a Tita, e mais tarde conhecida como Chiquinha, que ainda na adolescência fora seduzida por um fazendeiro de meia idade, Pedro Mesquita, proprietário de vastas extensões de terra, que se estendiam desde o Recôncavo até o sertão, onde o seu pai trabalhava como capataz na fazenda Serra da Esperança.

Esse episódio vai nortear a narrativa do livro, envolvendo o leitor em uma série de acontecimentos, como o afastamento da família, a prostituição, a vida de uma menina que cresce enganada em relação a sua origem, entre outras situações que o autor explora com uma linguagem fácil e atraente, característica dos bons jornalistas.

Entre os personagens principais, destacamos a própria Francisca e Pedro Mesquita, já mencionados, além de Isabel. A construção psicológica e social de cada personagem é um ponto de destaque da estrutura narrativa do livro. As personalidades antagônicas das duas grandes mulheres da obra arrebatam o leitor. A inocência de Tita, o jeito simples de moça da roça, que nem se dava conta da sua beleza, contrasta com a inteligência, elegância e persistência de Isabel, que, com a sua independência profissional, encarna o “empoderamento” feminino, tão em voga na atualidade.

Outro aspecto que chama atenção no livro é a forma como a narrativa vai delineando os personagens secundários. São figuras emblemáticas de cidades interioranas do sertão: Zuleido, o velho Zuca, dono de um bordel, mas também devoto de Santo Antônio; frei Montalvão, um grande consultor para assuntos de toda ordem ou, como descreve o autor, uma “velha raposa eclesiástica”; Chico Sabedoria, o locutor do serviço de auto-falante de Lagoa Grande, exímio noticiador e poeta de primeira.

Também há de se ressaltar a dançarina do circo de touradas, Carmen Soarez, com seu corpo esbelto que deixava a plateia entusiasmada. Sem esquecer o velho Jurubeba, que reunia curiosos na farmácia de Anphilófio, para contar sua peleja contra uma caipora, durante caçada, facão em punho, mata adentro. A façanha levava as pessoas que o ouvia ao delírio!

A grande capacidade de descrição em detalhes não só das situações e seus contextos, mas dos lugares e ambientes é um dos atributos da narrativa de Jailton Batista. Tal preciosidade em apresentar as circunstâncias nas quais os acontecimentos se desenrolam faz com que o leitor se transporte para os eventos que compõem a história. Com a responsabilidade dos bons jornalistas, ele se debruçou com afinco sobre a pesquisa, consultando e ouvindo histórias e causos de pessoas como Everaldo Maia e o trovador José Souza, conhecido como José Esposo, para enfim construir o texto.

Esse é o segundo livro de Jailton Batista que também é autor de “Duas mulheres, quatro amores e uma guerra civil”, seu romance de estreia, editado no Brasil e em Angola. Com uma prosa coesa e sensível, ele agora nos acena com a possibilidade de mais uma publicação, desta vez centrada em Feira de Santana

Socorro Pitombo, jornalista.