domingo, 28 de novembro de 2021

DE VEZ EM QUANDO EU ESQUEÇO



Por Jéssica Lopes Nascimento

De vez em quando eu esqueço a importância do preto, mas é porque às vezes a gente cansa dessa batalha e de tanta hipocrisia, tanta mesquinharia, de ser olhada como a carne mais barata, mal remunerada, mal cuidada, maltratada!

Somos aquelas e aqueles que não podem vestir a roupa que quiser porque vamos ser julgados. Se preto veste o que quer é parado a cada esquina: "coloca a mão na cabeça, vagabundo", ou: "oxe, olha pra roupa dessa negrinha".

Infelizmente esse é nosso mundo.

Mas uma das coisas que mais amo em ser preta é que a gente não desiste, ainda insiste, com um sorriso no rosto, o samba no pé, seguindo com fé porque a gente é o que quiser ser, o lugar de preto é onde ele quiser estar!

O preto teve o passado roubado e tem o corpo cansado, mas não desiste de lutar, enquanto não vencer a batalha. 


*Jéssica Lopes Nascimento é estudante de Direito


segunda-feira, 13 de setembro de 2021

FEIRA DE SANTANA, O LUGAR QUE EU ESCOLHI PARA VIVER!

 



 “Quando o coração pode falar, não há necessidade de preparar o discurso.”

 A citação é de Gotthold Ephraim Lessing, poeta, dramaturgo, filósofo e crítico de arte alemão, considerado um dos maiores representantes do Iluminismo, defensor do livre pensamento e da tolerância religiosa. Não foi à toa que suas teorias influenciaram o desenvolvimento da Literatura Alemã moderna.

É nesta frase tão cheia de significados que eu me inspiro agora e é exatamente isso que vou fazer: deixar meu coração falar... Porque se eu fizesse um discurso nos moldes tradicionais, me limitaria a contar a minha trajetória profissional de quatro décadas nesta profissão que eu amo e por ela acordo todos os dias. Falaria de minha história nestes 41 anos vividos nesta cidade, com apenas três intervalos curtos, quando morei em Itabuna (duas vezes, também exercendo o jornalismo) e em Salvador, de onde voltei convocada para trabalhar no Jornal Feira Hoje.

Mas falar de mim não é tarefa fácil. Quem me conhece de perto sabe disso, porque essa habitual desenvoltura não passa de disfarce para uma timidez abrandada pelo convívio com a sala de aula, mas não eliminada. E vou deixar o coração contar a minha história de amor com as letras e com Feira de Santana por meio de algumas pessoas que contribuíram para que eu chegasse aqui.

Lembro que um dia Clériston Andrade, candidato ao governo da Bahia que morreu em um acidente de avião em 1981, interrompeu uma entrevista, se não me engano na cidade de Cafarnaum, e disse em tom solene: “Menina, você vai longe...” Eu acreditei!  Hoje entendo que realmente o lugar em que cheguei é muito longe para uma menina que nasceu na roça, estudou em escolas públicas de um pequeno município, Conceição do Jacuípe, então  Berimbau, e cursou o nível superior em universidade pública, a UEFS. Na minha cidade, sou vista como alguém que saiu em busca do sonho e deu certo. Eu confesso que isso é muito bom!

E pensar que tudo começou ainda na Fazenda Salgado, com o incentivo do meu pai, Amílcar de Jesus, homem que conheceu o mundo através dos livros, minha mãe Firmina, a sabedoria disfarçada de mulher, e minha primeira professora, mestra no mais amplo sentido da palavra, Olga Vital, lá do povoado de Picado. Aliás, esse é um momento propício para lembrar a importância de todos os professores que contribuíram para o meu aprendizado, nos livros e na vida. E eu faço isso em nome da professora Elza Santos Silva, que me ensinou muito mais do que as técnicas para elaborar um bom texto. A ela, todo o meu carinho.

Mas foi outro mestre que, durante o estágio no Jornal A Tarde do curso profissionalizante de Redator Auxiliar, do Colégio Estadual, decretou que eu seria jornalista. Tudo que eu sou na comunicação, do primeiro emprego como revisora no Jornal Folha do Norte aos cargos de diretora de jornalismo e secretária municipal de Comunicação, os prêmios que acumulei ao longo de minha vida e até esse título que recebo hoje, devo a ele. Tive grandes mestres no jornalismo, mas o mérito de meu sucesso profissional é, sem dúvida, de Zadir Marques Porto!

Como todo sábio, ele tenta se esquivar dessa responsabilidade. Mas em seu nome, Zamar, eu cumprimento e agradeço a todos os meus amigos e não somente jornalistas, colegas dessa labuta diária que é informar. Cada um de vocês que atenderam meu apelo para me aplaudir nesta noite tão especial sabe a importância que tem na minha vida. Um abraço aos meus parceiros da FTC – Faculdade de Tecnologia e Ciências – onde aprendo, a cada dia, a ser uma pessoa melhor. E, claro, meus colegas aqui da Câmara, da Prefeitura e de todos os lugares por onde passei.

O meu maior combustível sempre foram as palavras de incentivo e reconhecimento. Por isso peço licença para citar alguns nomes que precisam ser lembrados. Não todos, certamente, porque não há tempo para tanto. Mas não posso encerrar sem lembrar do velho Colbert Martins, um grande pai. Egberto Costa, o maior amor e melhor amigo. Socorro Pitombo, a amiga que faz tudo valer a pena. Neire Matos, parceira de vida. Jailton Batista, amizade a toda prova. Aparecida Machado, a pessoa mais generosa que eu conheci. Gilvan Brito e seu jeito peculiar de cuidar. Beatriz e Eveline, minhas meninas para sempre. Walter Xéu, meu irmão querido.  Jair Onofre, de quem eu não pretendo me separar nunca! Maura e Cristóvão, companheiros de aventura na Chapada. Tarcízio Pimenta, reconhecimento profissional. Vera Rabelo e Iara Pellegrini, alegrias em terras grapiúnas ou em qualquer lugar do universo. Reginaldo Pereira, amigo desde sempre. Dimas Oliveira, relacionamento construído em bases sólidas. Rose e Lineia, tudo em dobro: amizade, respeito, carinho. Anchieta Nery, saudade que não tem fim.

 Agora não vou citar pessoas, mas um grupo. No Whatsapp o nome é Pauta Livre. Somos todos jornalistas, trabalhamos juntos por aproximadamente dois anos e nunca mais nos deixamos. Uma vez por mês nos encontramos na casa de um, na casa de outro, em um bar ou restaurante. Às vezes falta um, faltam mais... Não importa. Estamos lá, firmes. Ninguém é obrigado, mas aniversário sem encontro? Não existe mais. Casa nova sem uma visita coletiva? Impossível. Fim de ano sem amigo secreto? Nem pensar. A essas pessoas eu devo a maior e melhor festa surpresa, em março deste, quando completei 60 anos. Cada um do seu jeito, um vai completando o outro e aproximando as famílias. Kenna, Beth, Dani, Ivanna, Bernardo, Lore, Linéia, mais Barretinho e Orisa e respectivos filhos, companheiros e companheiras. E alguns desertores. Gente, cadê Lucidalva?

Eu acho que nem deveria ter começado, porque a lista é extensa... Mas enfim, eu sou a soma de cada característica que melhor define os meus amigos. Todos. E olha que eu nem citei a família de oito irmãos, 35 sobrinhos quase filhos e 12 afilhados, todos igualmente amados, de perto ou de longe... Victor e Lílian, a vocês todo o meu carinho. E as cunhadas, aqui muito bem representadas pela minha comadre Julieta da Mata de Jesus.

Se me perguntarem se eu sou uma pessoa realizada, é claro que a resposta é sim. Mas eu ainda tenho sonhos e um deles é chegar o dia em que eu só vou divulgar boas notícias! A propósito, lá vai uma: A minha filha Hana Bárbara e meu neto Lucas são nascidos sob as bênçãos de Senhora Santana. E ano que vem chegará mais uma feirense para a família, Bruna: Vou ser vó novamente.

Aproveito este momento, que tem mais profissional de comunicação junto do que nas assembleias do sindicato, para lembrar aos companheiros de labuta jornalística, sejam iniciantes ou da velha guarda, como eu, um conselho de Machado de Assis para driblar a vaidade natural da profissão: Mais vale a crítica que constrói do que o ruído que lisonjeia.

Enfim, como costuma dizer minha amiga Socorro Pitombo, agradecer é preciso, então vamos lá.

 Obrigada a Deus, por todas as bênçãos em minha vida.

Obrigada a vocês que estão compartilhando esse momento comigo.

Obrigada a Marcos Lima, pela relação de carinho e respeito.

E agora só me resta reafirmar o meu amor por essa cidade que, segundo Jânio Rêgo, outro que chegou aqui e nunca mais arredou o pé, não há “má fama” que tire a sua essência, nem tampouco seu brilho de princesa do interior e sua grandeza de metrópole. 

 Feira de Santana, o lugar que eu escolhi para viver!


Discurso proferido na sessão solene da Câmara Municipal do dia 4 de dezembro de 2018, quando fui contemplada com o Título de Cidadã Feirense.

Madalena de Jesus, jornalista, professora, radialista e escritora 

segunda-feira, 30 de agosto de 2021

UM APÓLOGO

 

Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:

— Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma cousa neste mundo?

— Deixe-me, senhora.

— Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.

— Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.

— Mas você é orgulhosa.

— Decerto que sou.

— Mas por quê?

— É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu?

— Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu e muito eu?

— Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados...

— Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás obedecendo ao que eu faço e mando...

— Também os batedores vão adiante do imperador.

— Você é imperador?

— Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto...

Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana — para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha:

— Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima...

A linha não respondia; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa, como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic-plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte. Continuou ainda nessa e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.

Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E enquanto compunha o vestido da bela dama, e puxava de um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha para mofar da agulha, perguntou-lhe:

— Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá.

Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha:

— Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico.

Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça:

— Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!

Machado de Assis 

(Texto extraído do livro "Para Gostar de Ler - Volume 9 - Contos", Editora Ática - São Paulo, 1984, pág. 59)

domingo, 22 de agosto de 2021

GALEGO DA COCADA E A PALMEIRA IMPERIAL DA PRAÇA DO LAMBE-LAMBE

 


Por Jânio Rêgo (*)

O Galego da Cocada, hoje instalado logo na entrada do Shopping Popular, me diz que foram  25 anos negociando na calçada próxima a essa palmeira imperial da praça do Lambe-Lambe no centro de Feira de Santana.

A palmeira talvez seja centenária como a praça inaugurada no início do século passado (1915) e hoje oficialmente chamada pelo nome do intendente na gestão do qual foi construída,  Bernardino Bahia.  Mas  pelo povo é  aclamada como  Praça do Lambe-lambe onde trabalhou, até ser removido para essa reforma em curso,  o meu amigo fotógrafo Zé Alves cuja saga é contada em documentário (O Retratista) produzido e dirigido pelos filhos dele.  

Nesta praça está o primeiro coreto erguido na cidade, segundo o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural  da Bahia que o tombou em 2002. Já naquela época o órgão reclamava do modelo de uso desse equipamento, o que nunca foi modificado. Ou seja, bar ou restaurante funcionando no ‘porão’ e o coreto em si ocupado como depósito. Não há informações sobre novo modelo ou se haverá um. Também não sei se os fotógrafos vão voltar.

Eram duas palmeiras imperiais. A outra foi condenada pelos botânicos e foi retirada numa operação com guinchos e caminhão, também lembra o Galego, enquanto mexe o panelão com ingredientes do doce. Eu digo que ele é sócio de Elias Tergillene e que foi o mineiro que mandou ele botar point da cocada e ele ri astutamente:

“Ele me deve é uma água mineral, passou aqui, bebeu e não pagou…! – Galego é um tipo brincalhão e comunicativo.

Há poucos dias, o Núcleo de Preservação da Memória Feirense ‘Rollie Poppino’ publicou uma foto de 1939 onde as duas palmeiras  aparecem, já adultas, mas ainda sem a companhia do edifício do INSS nem as duas falsas seringueiras que hoje a ocultam quando se fotografa do mesmo ângulo da foto antiga.

“Além do coreto, pouco se sabe sobre o mobiliário urbano, que parece ter sido bastante simples, limitando-se aos lampadários“, adverte o IPAC sobre os primórdios da praça na apresentação do bem tombado como patrimônio histórico da Bahia.

Há um busto do fundador desde 1956 na praça. Na última reforma, em 2000, a Prefeitura fixou a placa da reinauguração no pedestal  do busto com o nome do Prefeito  em letras garrafais maiores que a do nome da praça e do homenageado no bronze.

A reforma atual está privilegiando a pavimentação interna enquanto os arredores seguem o padrão do Calçadão da Sales Barbosa. Não parece haver acréscimo de verde, ou seja, plantio de novas árvores ou jardins. Mas é uma praça bem arborizada desde o início, isso também nos lembra o IPAC. Até a forçosa retirada  da outra palmeira provocou o plantio de mais três da mesma espécie.

Cronologicamente a praça da Matriz é a primeira. Mas na Bernardino Bahia é onde pulsa a Feira de Santana contemporânea. É a central, a que está no meio do quadrilátero comercial, aberta para a Sales Barbosa e a Senhor dos Passos onde se concentra o maior fluxo de consumidores.

Com um centro comercial cada vez mais desarborizado, com longas calçadas sem verde, a praça do Lambe-Lambe é um refrigério natural e imprescindível para o equilíbrio do clima e do ambiente.

E nem falei da feirinha de frutas e verduras…um privilégio urbano da Feira!


Jânio Rêgo é jornalista

quinta-feira, 12 de agosto de 2021

O DIA QUE JOÃO CORAGEM CHEGOU LÁ EM CASA

 


Por Marcílio Costa (*)

Já fazia um bom tempo que a energia elétrica tinha chegado em Jaguara, mas precisei esperar ainda intermináveis dois a três anos para ter a nossa primeira TV lá em casa, uma Telefunken com uma tela de proteção na frente e que ocupava lugar de destaque na sala. Não era apenas a nossa televisão, era o segundo aparelho que chegava na localidade. Era Jaguara entrando na modernidade, mesmo com um considerável atraso. Somente aos 9 anos de idade poderia dizer que tinha uma televisão para assistir, um sonho de menino que só via TV quando estava em Feira de Santana na casa de minha avó Santinha ou de minha tia Elizabete. Mas ter uma televisão em casa não significava exatamente poder assistir tudo quando bem entendesse como faz a garotada de hoje que tem a tv na palma da mão praticamente 24 horas por dia. Nas regras de meu pai, ver televisão também tinha horário determinado, assim como ele fazia com quase tudo lá em casa. Eu precisava escolher o horário para assistir televisão durante o dia e logo montei o que seria hoje minha playlist.
Como tinha direito a escolher dois horários, eu optei por ver a TV perto do meio-dia e no final da tarde, quando passavam meus programas favoritos. No primeiro horário, eu adorava ver Guerra Sombra e Água Fresca, uma bem-humorada série americana dos anos 60 ambientada num campo de concentração da Segunda Guerra Mundial, onde os prisioneiros aprontavam o que bem queriam e invariavelmente faziam o sargento Schultz de trouxa. Como esquecer do Agente 86, o incrível Maxwell Smart, um agente trapalhão apaixonado pela colega 99 e que tinha truques inesperados como falar num telefone disfarçado de sapato. No final, ele sempre acertava, de uma forma ou de outra, e saía como herói, mesmo depois de tantas trapalhadas.. A comédia americana era uma das minhas preferidas, ao lado de Jeannie é um Gênio, a Feiticeira e Robô Gigante, uma série onde um robô enorme e muito mal forjado aparecia sempre para derrotar o inimigo com o uso da força bruta e armas escondidas no corpo. O segundo tempo da minha jornada televisiva começava às cinco da tarde, hora de ver o cowboy Durango Kid, um faroeste americano que fez tanto sucesso no Brasil que virou até música de Raul Seixas:
Eu não sou besta
Pra tirar onda de herói
Sou vacinado, eu sou cowboy
Cowboy fora da lei
O Durango Kid
Só existe no gibi
E quem quiser que fique aqui
Entrar pra história com vocês
Muita gente que assiste televisão hoje com aparelhos ultramodernos, telas finas e imagens de qualidade impressionantes não faz a menor ideia como eram os aparelhos naquele início dos anos 70. Além de caras, as tvs eram enormes, pesadas, feitas em caixa de madeira e tinham válvulas que mais pareciam funcionar a lenha. Isso significava que era preciso esperar as válvulas esquentarem até começar a aparecer as primeiras imagens, que muitas vezes vinham com chuviscos e todo tipo de interferência, além de ser preto e branco . Em Jaguara a situação era ainda mais complicada. Distrito mais distante de Feira, o sinal chegava lá através da antena repetidora instalada no alto da serra de São José, no vizinho distrito de Maria Quitéria. Quando o sinal era interrompido batia o desespero na gente, porque muitas vezes precisava esperar mais de uma semana para assistir tv novamente até que a prefeitura mandasse consertar o equipamento, uma tarefa difícil por conta do acesso ao local. Outro problema era quando a tv quebrava. Era muito complicado levar aquele trambolho para consertar na cidade por conta do tamanho e da falta de um transporte adequado, afinal a gente andava era de pau de arara no meio de animais, bules e mercadorias.
No tempo que a novela das oito começava às oito horas mesmo, a nossa TV chegou quando Irmãos Coragem era o maior sucesso no país todo. A trama de Janete Clair contava a estória dos irmãos João, Duda e Jerônimo Coragem, garimpeiros que enfrentavam o todo-poderoso Pedro Barros, um malvado que perseguia a todos, especialmente aquela família que tinha a liderança de João Coragem, o personagem vivido por Tarcísio Meira no auge de seu esplendor de galã que reinou por muito tempo nas novelas da Globo ao lado de sua mulher Glória Menezes, que fez par romântico com ele naquela trama no papel de Lara, que se multiplicava por mais dois personagens, Diana e Marcia. João Coragem junto com os irmãos chegou lá em casa no início dos anos 70 e fazia o maior sucesso pelo seu rompante de heroi montado em seu cavalo ao melhor estilo dos faroestes americanos.
Mas a nossa família não assistia televisão sozinha. Com apenas dois aparelhos em Jaguara, logo os outros moradores foram em busca da nova diversão do lugar e a gente passou a ter a companhia de muitos outros moradores do distrito que todas as noites enchiam a sala lá de casa para ver o abobado Juca Cipó, a índia Potira, o jogador de futebol Duda, sua namorada Ritinha ou o vereador Jerônimo, personagens interpretados por artistas como Emiliano Queiroz, Lúcia Alves, Cláudio Marzo, Regina Duarte e Cláudio Cavalcanti, figuras que se tornaram conhecidas no Brasil afora. Afinal, eles ficaram mais de um ano no ar, no auge da audiência da Rede Globo que era uma unanimidade nacional com suas novelas de sucesso.
Televisão era um assunto tão importante naquela época e objeto longe do alcance da maioria da população da zona rural de Feira de Santana que logo virou política de governo do então prefeito José Falcão, que espertamente descobriu o quanto o povo gostava de assistir filmes e novelas. Ele mandou colocar aparelhos de TV na sede de todos os sete distritos de Feira, incluindo - é claro - Jaguara, que ganhou um equipamento instalado dentro de uma caixa de ferro trancada a cadeado em praça pública ao lado do mercado municipal, onde a turma passou a se reunir todas as noites para ver novelas como Selva de Pedra, Carinhoso, Bandeira 2, Cavalo de Aço e tantas outras, principalmente as novelas de época, que faziam especialmente a alegria de meu pai, que já conhecia as histórias através dos livros de autores nacionais como Machado de Assis,
Eu já tinha motivos de sobra para ter a TV num lugar especial em minha vida até que quase 20 anos depois da sua chegada em Jaguara quis o destino que eu fizesse parte da equipe de implantação da primeira emissora Globo no interior da Bahia, a TV Subaé, que faz parte da minha história há mais de 30 anos. Quem diria, o menino de Jaguara chegou na Globo que tanto admirava.
Plim plim!!!

Marcílio Costa é jornalista.

domingo, 8 de agosto de 2021

DEIXA A VIDA ME LEVAR....



Antônio Carlos Garcia (*)

O poeta gaúcho Mário Quintana, que nos deixou em maio de 1994, aos 87 anos, pediu que escrevessem o seguinte epitáfio na sua tumba: “eu não estou aqui”. Essa história foi lembrada pelo professor Mário Sérgio Cortella durante uma palestra e dá margem a várias reflexões. Escolho uma que mais se identifica comigo: a de que nem ele, Mário, e nem os que foram para o outro plano terminaram toda uma história ali, reclusos num jazigo. Naquele lugar sucumbiu um corpo físico.  A alma segue aprendendo em algum lugar, afinal, “há muitas moradas na casa do meu Pai”.

Esse preâmbulo é para, neste Dia dos Pais, reverenciar a memória do meu pai, Raimundo Ferreira dos Santos, que durante sua passagem por esta orbe, pegou emprestada a música de Zeca Pagodinho, “Deixa a vida me levar”, para transformá-la em filosofia de vida. Ele, repetidamente, em algum momento de tensão, problemas e preocupações, dizia: “deixa a vida me levar”.

E como ele tinha razão quando dava esse conselho! Afinal, tudo na vida passa: a maior alegria e a tristeza mais profunda são passageiras e ao deixarmos a vida nos levar aprendemos bastante. Na medida do possível devemos levar a vida com leveza, com olhar terno e um sorriso cativante. Encarar os problemas como oportunidades de aprendizado para sermos cada dia melhores.

Raimundo procurou ser um bom aluno nessa escola chamada Terra, onde o nosso mentor maior – Deus, o Grande Arquiteto do Universo – nos dá liberdade para crescermos. Essa liberdade é o livre arbítrio.  É uma liberdade tão grande que alguns metem os pés pelas mãos e se atrapalham de vez quando. Outros se atrapalham o tempo todo. Mas como a bondade do Pai é infinita, a todos é dada a oportunidade de voltar aqui quantas vezes forem necessárias para aprender o que significa o livre arbítrio. E ao aprender, todos crescem. Essa é a regra. Por mais que demore milênios, um dia todos seremos prefeitos.

Acredito que Raimundo esteja em uma das “moradas” se aperfeiçoando, crescendo, tornando-se melhor, porque, insisto, esse é o caminho de todos. Quando ele desencarnou, lembro-me de dois momentos marcantes. Um vivido por mim e outro pela amiga Márcia Pitão, que tinha [e tem] adoração por Raimundo. 

No início de uma manhã de novembro de 2015, um domingo, ao sair de Aracaju, onde resido, com destino a Feira de Santana para o sepultamento de meu pai, tive a forte impressão dele estar comigo, minha mulher, Rose, e meu filho João Pedro, dentro do carro viajando conosco, nos fazendo companhia. Acredito que ele estava ali.

Passados alguns meses, eu estava no Dispensário de Santana, participando de uma missa festiva com a amiga Márcia Pitão e no final ela me disse: “Galinho estava aqui na missa”.  Galo ou Galinho era o apelido de meu pai.

Portanto, o que está num jazigo perpétuo no Cemitério Piedade são os restos mortais de Raimundo. Ele, de fato, não está ali no túmulo como bem escreveu Mário Quintana. E para deixar uma reflexão, recordo-me da mensagem ditada pelo espírito Leocádio José Correia ao médium Maury Rodrigues da Cruz, da Sociedade Brasileira de Estudos Espíritas: “a vida não começa no berço e nem termina no túmulo”.

Feliz Dia dos Pais, Raimundo. Feliz dia aos pais encarnados e desencarnados.


(*) Antonio Carlos Garcia é jornalista feirense radicado em Aracaju.

A foto é de Reginaldo Pereira Tracajá

terça-feira, 3 de agosto de 2021

LEMBRANÇAS DA INFÂNCIA


Por Socorro Pitombo

Todos os dias eu ia para a escola com as amigas, conversando, contando casos. No pátio, antes das aulas, cantávamos o Hino Nacional, e ai de quem esquecesse uma estrofe! Era palmatória na certa.  No retorno era a tagarelice de sempre, uma alegria.  As pesquisas escolares eram feitas na Biblioteca Pública, consultando enciclopédias. Não existia o google e outras facilidades.

Na escola a gente costumava colocar apelidos nos colegas, eu era a perna seca, mas tinha o balofo, o palito e por aí vai. Ninguém reclamava de bullyng. Nosso refrigerante era o Sukita ou suco de uva, um saquinho dava uma boa quantidade. De volta da escola, era a hora da merenda; vovó Belinha, mãe do meu pai, era quem nos servia: pão com manteiga e açúcar por cima, com suco de uva.

A gente sabia quando o pão estava saindo do forno por causa do cheirinho que subia da padaria do seu Zé, que fazia esquina com a nossa casa, na rua Direita. Era só botar manteiga que derretia no pão. Hummmm.... e as queijadas eram maravilhosas. Na padaria de seu Zé tinha um pão de sal e uns biscoitos deliciosos, além de sorvete de coco com doce de leite e sorvete de ameixa também. Vendia uma bala de nome café com leite.

A noite caía e era hora da brincadeira. Cabra cega, chicotinho queimado. Também brincávamos de roda, tirando versos e outras brincadeiras com a criançada da vizinhança, até que chegava a hora de nos recolher, o que fazíamos a contragosto. Nos fins de semana, era a vez de brincar de teatro ou de cantoras do rádio. As músicas eram inventadas por nós. Imaginem as letras rsrsrsrs.

Tinha também a brincadeira de panelinha. Eu, minhas irmãs e as amigas fazíamos cozidos de folhas nos frondosos quintais de nossas casas. As panelinhas de barro eram compradas nas barracas da feira livre, que acontecia às segundas-feiras e se estendia desde a praça da Bandeira até as proximidades do Hospital EMEC.

Nossos pais sempre presentes, educação começava em casa. E na rua, se fizéssemos alguma bobagem, era beliscão, cascudo, ou o infalível “a gente conversa em casa”. Tínhamos hora para tudo, chegar em casa, tomar banho e sentar à mesa. E ai de quem dissesse alguma coisa. A hora do jantar era sagrada. Era sopa, café com pão e biscoito, que chamávamos de “enche boca”, porque era um biscoito fofo e bem grande. Essa bolacha, melhor dizendo, ainda hoje rende conversas entre nós, os irmãos.

Essas lembranças da infância me acompanham pela vida a fora e hoje senti vontade de escrever sobre elas. Lembro que uma das minhas irmãs, já adulta, resolveu aprender a andar de bicicleta. Na primeira tentativa levou uma bela queda e esfolou os joelhos. Mas essa é uma outra história...

Socorro Pitombo é jornalista

Feira de Santana, 17 de julho de 2021

terça-feira, 27 de julho de 2021

BALADA DO DESGARRADO PARA ALAÚDE ROUCO

 

Jozailto Lima

                                                                        Ronaldson 


“quando me percebi já era alheio”

ezio déda


te apartaste e te perdeste

[boi na cordilheira,

cavalo no teto de zinco,

gato no fundo do mar]

dos caminhos mais elementares.

 

quede o orvalho

das madrugadas

 

quede as vias

de pó e poeira

fumegando a vontades

gerando gerânios ranchos rancharias

encontros e tropas de alegrias


quede o laço do abraço

distendido no vento

aberto na brisa do nada

- no nada que vale um tudo.

 

de pouco te valeram

óculos novos

enciclopédia universal

os bolsos topados de sonrisal

cartilagem de tubarão

mandingas de fulô preto

mantos de nuvens e manacás

se caducos

são os teus gestos,

                    caducos e crespos

 

se te apartaste

de toda a flora

da mínima areia e teogonia

que te remeteriam

ao reconforto

de mãos antigas          

[desprovidas de pretensões

de pedras]

e dos cheiros amigos

 

se te impermeabiliza

em casacos difíceis

em bílis de granito

 

se te esteriliza

e infundes distâncias

ao que de tão perto

e próximo

clama cócegas

                  e apalpos

e sal e luz

e poderia estar

aí contigo

mineral latente e seminal

sem jamais torar

na cepa.

no dentro-âmago.

[tanto que teu pai

e aqueles passarinhos roucos,

óputo,

te pediam pra prestares

a atenção na direção das brisas

e no bailado lutrido das samambaias]

 

apartado de tudo,

bezerro sem teta

nem consolo de úbere postiço,

nu, desamparado de solo e útero,

não escalas mais montanhas,

não trepas mais os topos altos

e básicos de ti mesmo.

 

te descolaste da terra

dos galhos dos ramos

das flores das sementes

da palharia que se fazem húmus

e voltam em copa grande

de arvoredos imprescindíveis

- em lutrido bailado de samambaias.


boi na cordilheira

gato no fundo do mar,

foste ali com teus pés

de zinco - sem o auxílio

do teu burro preto –

acessar ninguém

e não sabes quando voltarás.

 

possivelmente não voltarás,

de tão apartado

dos caminhos em que estás.


Jozailto Lima nasceu em Várzea do Poço em 11.11.1960, morou 11 anos em Feira, começou no jornalismo pelo Feira Hoje em 1983, fez Letras na UFS e desde 1990 mora em Aracaju, Sergipe, onde fez Comunicação Social e vive 100% do jornalismo, hoje comandando o Portal JLPolítica. É autor de cinco livros de poemas, entre eles "Viagem na Argila", de 2012, onde está este poema, e "Ainda os lobos", de 2016. Tem três consideráveis  prêmios de poesia.

Ilustração de Ronaldson, designer e grande poeta sergipano, autor dos livros "Questão de Íris" e "Litorâneos"

terça-feira, 20 de julho de 2021

MESSIAS GONZAGA: EXCELENTE VEREADOR E UM ÓTIMO CONTADOR DE HISTÓRIAS




Por Valdomiro Silva

"Leia e comente", ordenou-me o eterno vereador Messias Gonzaga, ao me entregar, autografado com uma generosa mensagem, o seu livro "Um Contador de Histórias". Demorei um tempo para fazer a leitura, que terminei hoje. Confesso,  a obra suplantou as minhas expectativas. Imaginava, é claro, algo divertido e boas reminiscências, mas não nesse tanto. A começar pelo prefácio (uma aula), magistral, da lavra do Doutor Clovis Ramaiana, notável pesquisador, escritor e professor da Universidade Estadual de Feira de Santana.

A primeira parte deste livro rápido e gostoso de ler é simplesmente sensacional. Messias faz um passeio pelas veredas do sertão nordestino, nas bandas da Serra Talhada, interior pernambucano, fazendo rir desde o "vixe, que menino feio!" disparado pela avó dele, ao nascimento do neto na zona rural daquele município, ao beija-flor que ele, na inconsciência tão peculiar da infância, quase adolescência, liquidou a badogue, acreditando, por promessa "fake" de adulto, que engolindo o coração do pequeno pássaro, se tornaria um sniper (super-atirador de elite, imaginem). 

É um universo repleto de personagens curiosos, com seus codinomes típicos desta nossa terra de sol a pino. Somos apresentados a seu primo Zé de Tia Maria; aos tios Zé Menino, Neco Rosa e Nuca (estes últimos, marido e mulher); ao avô Zé Tomé e ao simpaticíssimo  Mané Cuia, o festeiro. Impossível conter a gargalhada diante das quedas que Messias levou da jumentinha que lhe concedia privilégios, permitindo a ele, e somente a ele, que a montasse (houvessem sido  coices, minha imaginação certamente vagaria por suspeitas outras). 

As histórias do aluguel de bicicletas - e mais quedas -, com destaque para a que "atendia" pelo nome Sayonara. O vexame no circo ao ser descoberto entre as lonas querendo assistir ao espetáculo sem pagar (por falta de grana, mesmo) e os desafios que topou para ver quem comia um cuscuz inteiro sem engasgar e sugar duas bandas de um limão sem fazer careta. São causos, reais, que além de fazer o leitor não querer parar de rir, remete a todos nós, com mais de 50 anos, a uma viagem por nossa própria infância. 

A parte política do livro não apenas remonta com riqueza de detalhes e realismo a trajetória do jovem e promissor líder estudantil, mais tarde excelente vereador de cinco mandatos na maior cidade do interior da Bahia. Messias relembra momentos da história recente do Poder Legislativo sem perder o humor dos capítulos anteriores em que conta os primórdios de sua família. 

Rememora passagens engraçadíssimas dos bastidores da Câmara, como a "ocupação" de um dos seus cômodos para que lhe servisse de gabinete, a "troca de cães" com Antônio Carlos Coelho e as "vias de fato" com  o colega José Francisco do Amaral. O relato de como ele e mais três colegas foram detidos pela PM enquanto defendiam motoristas em greve e o "ataque às formigas", que eu mesmo escrevi, já editor de política do extinto "Feira Hoje", são outras lembranças muito interessantes a fazer parte da narrativa.  

Em seu livro, o ex-vereador esmiuça a sua relação com prefeitos, de Colbert Martins da Silva a Zé Ronaldo, todos sob a sua oposição e permanente fiscalização. Justiça lhe seja feita, Messias não criou tantas encrencas para os governantes que passaram por seu "corredor polonês" na Câmara por perseguição ou problema de ordem pessoal. A origem de suas críticas sempre muito fortes era o modelo de gestão, de ideias e de ideais, do qual não compactuava. Fazia denúncias e mais denúncias. Quando não havia provas, ele se valia de suspeitas e indícios. Não passava 30 dias sem movimentar a mídia com algo impactante. 

Seguramente por conta dessa postura, de atacar as políticas, não as pessoas,  mesmo tendo realizado ferrenha e feroz divergência contra todas as administrações municipais nos 22 anos em que esteve vereador, Messias não coleciona inimigos.  No livro, aliás, ele se refere aos líderes contra os quais guerreou, com toda a elegância que lhe é peculiar,  respeito e até deferência, reconhecendo qualidades que inegavelmente possuem. Nem mesmo Clailton Mascarenhas, que herdou o Governo do falecido José Falcão da Silva e se tornou o prefeito mais combatido por Gonzaga, lhe guardou mágoas, como registra o autor em uma das suas histórias. 

Os jornais feirenses dos anos 1980 e 1990 tem um farto conteúdo, em seu noticiário político, sobre Messias Gonzaga. Não há, com certeza absoluta, nenhum prefeito ou governador que tenha sido mais mencionado que ele, nas colunas de bastidores "Etc & Tal",  "Observatório" e "Ponto & Vírgula", das mais consagradas dos impressos locais.  Isto porque, além de sua produção na Tribuna da Câmara, o homem frequentava as redações quase tanto quanto os repórteres dos veículos, levando informações e, principalmente, sua opinião sobre os fatos de maior repercussão. 

Não lhe escapava absolutamente nada, do "imperialismo americano" que tanto combate, aos pormenores do Palácio Maria Quitéria, lá estava o vereador a comentar. Radialista durante um período, chegando a trabalhar na maior emissora do Estado, a Sociedade da Bahia, ele bem sabia a importância da divulgação de suas iniciativas e explorava isto com muita competência, sendo ele mesmo o seu próprio e eficiente assessor de comunicação.

Messias ostenta o importante título de pentacampeão das eleições para o Legislativo. Tantas eleições, obtidas de forma consecutiva e em duas delas sendo o mais votado dentre todos os candidatos, não é pouca coisa, nem feito de qualquer um. Saliente-se, sem recorrer à pratica de "fisiologismo", para usar uma palavra que ele utiliza sempre ao se referir à famosa troca de favores entre político e eleitor. Muito menos, gasto de dinheiro com cabos eleitorais ou doações, quaisquer que sejam, para obter o voto. Até porque, o comunista tem fama, não tenho certeza se justificada, de "mão fechada", daqueles que  atravessam o rio a nado e conseguem manter intacto o Sonrisal sem embalagem que leva em uma das mãos.   

Tive a honra de redigir, em manchete do "Tribuna Feirense" e página inteira do primeiro caderno, a despedida de Messias do parlamento, com um resumo de sua rica passagem pela Câmara. Primeira vez, provavelmente, no jornalismo baiano, talvez do Brasil inteiro, que um diário registra com tamanho destaque o fato de um vereador  não obter a reeleição. Foi uma das reportagens das que mais me orgulho, dentre tantas que fiz. Uma justa homenagem àquele que é reconhecido, por mim e por todos os profissionais de imprensa que acompanham a política local nas últimas três a quatro décadas, como um dos melhores que passaram pela Casa em toda a sua história.

Valdomiro Silva é jornalista

quinta-feira, 15 de julho de 2021

O CORAÇÃO NOTURNO DE RAUL SEIXAS

 

Pode parecer lugar comum. Que seja, não importa. Mas dizer que a música de Raul Seixas é imortal nunca é demais. Um misto de poeta e profeta (um de seus álbuns tem o sugestivo título Profecias), ele conseguia falar do passado, do presente e do futuro com a mesma naturalidade. Nesta quinta-feira (15) recebi o áudio com uma dessas pérolas de Raul, enviado direto de Itabuna, minha terceira pátria, pela jornalista Vera Rabelo. E vamos combinar que nesses tempos de pandemia e isolamento social, amanhecer com toda a natureza nos desejando um bom dia e, ainda, com um leve toque de poesia, é tudo que precisamos. (Madalena de Jesus) 


Amanhece, amanhece, amanhece

Amanhece, amanhece o dia

Um leve toque de poesia

Com a certeza que a luz

Que se derrama

Nos traga um pouco

Um pouco

Um pouco de alegria

A frieza do relógio

Não compete com a quentura do meu coração

Coração que bate 4 por 4

Sem lógica

E sem

E sem nenhuma razão

Bom dia Sol

Bom dia, dia

Olha a fonte

Olha os montes

O horizonte

Olha a luz que enxovalha e guia

A Lua se oferece ao dia

E eu

E eu guardo cada pedacinho de mim

Prá mim mesmo

Rindo louco

Louco

Mais louco

Louco de euforia

Bom dia Sol

Bom dia, dia

Eu e o coração

Companheiros de absurdos no noturno

No soturno

No entanto, entretanto

E portanto...

Bom dia Sol

Bom dia Sol

Bom dia Sol


quinta-feira, 8 de julho de 2021

TESTEMUNHO DE FÉ: A FORÇA DOS PEQUENOS GRANDES MILAGRES

 


Por Bárbara Gomes

Poucas pessoas sabem, com detalhes, o histórico de minha filha, Bárbara, com a maternidade. Em maio, o mês das mães e de Maria, passamos pela barreira da pandemia para atender um convite do Padre Pedro para que ela compartilhasse, durante a missa, os pequenos grandes milagres vividos ao dar à luz os meus dois netos. Foi um testemunho de fé que emocionou todos que se encontravam na Igreja de Senhor do Bonfim, no Cruzeiro. Inclusive eu, que naquele momento, ao lado de meu genro Bruno, dividia o colo com Lucas e Bruna, imensamente agradecida a Nossa Senhora Aparecida pelas bênçãos em nossas vidas. Hoje minha filha e mais duas mães atípicas mantêm a Rede de Apoio Pequenos Grandes Milagres. (Madalena e Jesus)  

Há 8 anos engravidei do meu primeiro filho. Foi quando me tornei devota de Nossa Senhora Aparecida. Tive um pós-parto bem complicado, pois desenvolvi atonia uterina, uma hemorragia que só foi detectada quando eu já estava no quarto, o que aumentou ainda mais o meu risco de morte. Sim, eu corri esse risco e sequer sabia o que estava acontecendo! Dentro do quarto, eu estava com a minha mãe, gritando de dor, com a barriga distendendo em questão de segundos, enquanto a equipe de Enfermagem tentava localizar a obstetra que havia feito meu parto. 

No auge da dor, a porta do quarto se abriu e entrou uma jovem mulher negra, que se apresentou como Ana, vestida com um jaleco do hospital. No mesmo instante segurou a mão da minha mãe e perguntou se ela acreditava em Nossa Senhora; a minha mãe, que já não conseguia mais segurar as lágrimas, respondeu com um sinal indicando que sim e pediu àquela moça que me ajudasse. Ela colocou a mão sobre minha cicatriz e eu consegui senti sair coágulos de sangue que já estavam se acumulando dentro da minha barriga. Eu poderia, naquele momento, ter uma infecção generalizada. Ela me olhou, deu um sorriso e disse: vai ficar tudo bem!

Nós nunca mais encontramos Ana. Quando a procuramos, ela não estava mais no plantão; minha mãe procurou em todos os setores daquele hospital e aquela mulher simplesmente não foi localizada! 

Passados os anos eu engravidei novamente, dessa vez uma menina. Eu estava realizada, afinal de contas teria um casal de filhos como sempre sonhei. No segundo trimestre de gestação nós descobrimos, da pior maneira possível, que nossa filha tinha uma má formação cerebral. Inicialmente nos foi dito que ela não sobreviveria; se sobrevivesse, teria inúmeras sequelas e que além dela eu também corria risco de vida, e então nos foi dado o poder de escolha, caso quiséssemos interromper a gravidez. Assim, de forma fria e desumana, foi um verdadeiro balde de gelo para um casal que tinha acabado de fazer o enxoval da princesa da família. Nós não sabíamos absolutamente nada além do pior, então não conseguíamos esperar algo de bom de tudo isso, nossa única opção era sofrer.

Nós viemos conversar com Padre Pedro, ele abençoou nossa menina e mesmo não sendo médico, me mostrou que a medicina é feita pelo homem, que o homem é feito por Deus e para Deus nada é impossível! Depois da nossa conversa, eu consegui enxugar minhas lágrimas e ir atrás do conhecimento. Foi então que os milagres começaram a acontecer... Sim, vivi muitos milagres, não me considero uma privilegiada por isso, Deus não me escolheu, eu é que escolhi entender e aceitar os milagres da maneira em que Ele estava apresentando a mim!

Nessa caminhada, pude sentir a presença de Nossa Senhora ao meu lado em diversos momentos. Um deles, talvez o mais marcante, foi quando eu estava em outro estado, para fazer uma cirurgia intrauterina, e em meio a tantos médicos homens dentro do centro cirúrgico fechei meus olhos e pedi em silêncio que Ela passasse à frente e intercedesse por mim. Foi quando a única médica mulher, que estava distante de mim, se aproximou e me acolheu dizendo: eu estou aqui!  

Eu não poderia ter mais filhos... lembram da atonia uterina que mencionei anteriormente? Então, isso seria um impedimento para eu parir novamente, e eu dei a vida.

Minha filha não sobreviveria, e sobreviveu!

Ela teria inúmeras sequelas e TEM, mas isso não a torna inferior a ninguém, ela nos faz feliz do jeitinho que é!

Hoje tenho uma fé inabalável e estou aqui para dizer a vocês que milagres acontecem todos os dias e a todo momento, não espere algo grandioso, veja o poder de Deus nas pequenas coisas e seja grato SEMPRE.

Minha filha foi consagrada a Nossa Senhora Aparecida, porque Ana, aquela que me visitou no quarto do hospital no dia 19/07/2013 não precisava ser localizada pois ela me disse naquele momento que tudo ficaria bem! E sim, está tudo bem!

Lucas está prestes a completar 8 anos e é o melhor irmão que Bruna Aparecida, já com 2 anos e 2 meses poderia ter! 


Hana Bárbara de Jesus Gomes é Arquiteta, Engenheira de Segurança do Trabalho e Professora 

quarta-feira, 30 de junho de 2021

UM MOLEQUE SESSENTÃO



Por Marcílio Costa* 

Parece um filme em velocidade aumentada quando a gente se da conta que o tempo andou depressa demais. O sentimento é meio confuso, como se não acreditasse que o ontem foi há tanto tempo. A memória ainda guarda nitidamente as imagens do moleque que subia e descia as ruas poeirentas e pedregosas de Jaguara, um lugar que me deixou muitas coisas boas da minha infância, mas que também me remete a dificuldades, principalmente financeiras. 

Ainda bem que a vida é feita de sonhos. Muitas vezes sonhos tão simples quando vistos depois em outra perspectiva. Sonhar em assistir televisão hoje parece tão prosaico, principalmente depois de passar mais de metade da minha vida trabalhando numa emissora de TV. Mas esse era um dos meus sonhos na velha Jaguara sem energia elétrica até os meus 8 anos de idade. Ah, como esquecer a cena da primeira noite que a luz se acendeu como mágica e deixou enlouquecidos os cachorros da pequena vila ao verem a noite virar dia. Não paravam de latir. Parece cena de filme que não sai da minha cabeça toda vez que me pego tratando de algo muito importante em meu trabalho de FAZER televisão.

Como esquecer a chegada dos circos mais vagabundos que já conheci em minha vida e que eram a alegria daquele menino que corria atrás do palhaço toda a tarde enquanto ele saia pela ruas anunciando o espetáculo daquela noite:

- Hoje tem espetáculo? 

E a molecada respondia gritando:

- Tem sim, senhor!

- Então arrocha, negrada, emendava o palhaço se equilibrando em cima das pernas de pau nas ruas cheias de pedra enquanto anunciava o horário da "função" naquela noite.

Era uma alegria, embora eu fosse proibido por meu pai de deixar o palhaço carimbar meu braço, o que garantiria o direito de entrar de graça no circo. "Isso é coisa moleque."

E os "moleques" foram o motivo de uma visita do delegado a minha mãe para recriminar porque ela permitia que eu brincasse com esses "moleques" depois que acertamos uma bolada na janela de uma casa. E minha mãe, com sua sabedoria, encerrou a conversa rapidamente:

- Se ele não brincar com os moleques, vai brincar com quem?

Os "moleques" na verdade eram meus companheiros dos babas, das pescarias no rio Jacuípe, na montagem do balanço na árvore. Enfim, personagens de uma infância pobre, mas cheia de histórias e alegrias num mundo que não ofereceu oportunidade para a maioria deles.

É com o espírito desse eterno moleque de Jaguara que chego aos 60 anos. Muitos daqueles sonhos de lá de trás se tornaram realidade. Muita coisa que vivi e vivo foi muito mais do que eu sonhava. Deus foi muito generoso comigo. É confiando sempre na sua generosidade que continuo aqui com meus sonhos ao lado da minha família e dos amigos. 

Obrigado, Senhor!

Marcílio Costa é jornalista

terça-feira, 29 de junho de 2021

A RENDEIRA

 



A mulher lá no fundo da praça

Sentada, deserta, terna paisagem compunha

Sobre o colo imensa almofada

Estranha barriga lhe surgia

Dançavam bilros

Bailavam alfinetes

Orquestra imensa a mulher regia

Tramas infinitas

Singelos cenários

E a mulher lá no fundo da praça 

Labirintos tecia

O tempo triste corria

O vento a canção bramia

E a mulher lá no fundo da praça

Caminhos infindos percorria

Passava boi

Passava boiada

Aboios medonhos

Badalos sinistros

Prelúdio de morte em canção sombria

E a mulher lá no fundo da praça

Impávida, inabalável

Tamborilhava bilros

Colhia à mão cheia notas musicais

Doce algaravia!

E eu de longe espiando tudo

E a rendeira castanholando

Completamente me rendia

Até hoje me indago

Como aquela mulher lá no fundo da praça

Imersa em solidão

Desenhava rios de partitura

E cobria minha infância

Com toalhas, colchas e lençóis

De singelas texturas?

Bem mais tarde tudo a mim se revelaria:

A mulher de dupla barriga

Naquele instante a vida paria.


Jailton Batista, jornalista e escritor 

domingo, 20 de junho de 2021

ELAS, ELAS E & ELAS

 


                    Sabe aquela mania de recortar jornal e guardar textos interessantes? Pois é, ainda tenho. Foi assim que reuni muitas pérolas dos meus inesquecíveis amigos Hugo Navarro e Egberto Costa.     Mas sobre esta crônica que segue eu cometi um grave erro: não anotei a data da publicação. Pela temática, deve ter sido no mês de março, quando se comemora o Dia Internacional da Mulher. Sei              apenas que ainda fazia parte da grande – em todos os sentidos – equipe do Jornal Folha do Estado. O autor é o cronista da cidade Jânio Rêgo (*). 


Você tem que escrever sobre a mulher, determina Célia Farias, assim que entro na redação aqui do Folha. Há muito capitulei diante da doce ditadura feminina e obedeço a maioria das ordens partidas delas. E no caso, como posso me negar a Célia, se é ela que, todas as manhãs, espera, pacientemente, eu parir estas linhas para serem diagramadas neste espaço?  

Mas escrever o que?, me pergunto angustiado, diante da tela em branco do computador, enquanto adentra a sala a nossa telefonista diplomata Karine, com aquele andar que só elas têm. Sobre as alegrias que algumas nos proporcionam como amantes, mãe, amigas? Sobre a tristeza de vê-las dizer adeus? Ou quem sabe, talvez sobre os filhos e filhas que já nos deram? – penso, enquanto olho Aidil, nossa ágil digitadora, caminhar lento, barrigona de quatro meses, a me lembrar o poema de bandeira sobre as grávidas. Desisto, desisto de ir por esse caminho longo demais, onde me faltariam palavras para dizer da dor da distância das filhas que vão se tornando mulheres, mas, no entanto, estão sempre perto na geografia do nosso amor. 

Quem sabe sobre a amizade, a terna e segura amizade feminina, aonde deságuam mágoas de amor nunca curadas? Não, não, é romântico demais para um rude como eu, que às vezes mal cumprimenta nossa diligente Gel, controladora de gastos e notas fiscais, no rosto de quem nunca falta um sorriso amável. Talvez sobre o trabalho? Sobre as heroínas? Sobre o bom humor com o qual elas enfrentam as vicissitudes, assim como faz nossa diretora Margareth? Que nada, é muita pretensão para minha pouca capacidade de juntar letras e raciocínios, virtude que encontro na jornalista Madalena de Jesus, não em mim, um pobre cronista diariamente desesperado à cata de assunto para preencher a lacuna do tempo e do espaço.

Melhor não escrever nada de especial sobre elas nesse dia. Quem sabe ofertar uma rosa? É, é isso mesmo, ofertar uma rosa, uma piegas rosa vermelha diante de um altar individual e imaginário onde estejam representadas a nossa origem e a nossa felicidade de viver. Uma rosa para agradecer a todas elas, mulheres.

*Jânio Rêgo é jornalista 


segunda-feira, 14 de junho de 2021

BRONCAS E INCENTIVOS

 


Por Valdomiro Silva*

Ainda guardo, em meus arquivos aquele texto de pouco mais de 15 linhas. Foi o primeiro grande estímulo para minha carreira profissional e, possivelmente, o meu “troféu” mais importante, dos poucos que ganhei nesses quase 20 anos de jornalismo. Aprendi, com aquela manifestação de uma colega que, àquela altura, em 1984, já era uma das expressões da imprensa local, o quanto é significativo uma mensagem de incentivo, para alguém que está começando.

A ainda jovem, porém competente repórter policial – a melhor que já vi atuar em Feira de Santana – era uma das pessoas que eu mais observava na redação. O Feira Hoje possuía, a propósito, um time de primeira qualidade. Figuravam no “Feirinha”, à época, além dela, jornalistas do nível de Jailton Batista, Hélder Alencar, Anchieta Nery, Reginaldo Pereira, Leda Albernaz, Jackson Soares, Jozailto Lima.

Foram esses, e mais alguns outros a exemplo de Zadir Marques Porto, Edson Borges, Raimundo Lima e Marcílio Costa, os colegas com quem dei os primeiros passos. Costumo dizer que a formação do jornalista – deve ser assim em outras profissões – depende, fundamentalmente, da qualidade da redação que ele frequenta em seus primeiros momentos de prática.

Se você está em um ambiente que não inspire respeito, onde as pessoas não exercem o jornalismo em sua plenitude, são grandes as chances de tornar-se um profissional limitado, cheio de vícios. Se, por outro lado, tem a sorte de encontrar um grupo de bom nível e solidário, o seu desenvolvimento depende apenas de seus esforços.

Hoje, sou eternamente grato a Hélder Alencar, que franzia a testa, piscava os dois olhos ao mesmo tempo, tirava e botava o indefectível cigarro na boca e recomendava: “meu filho, escreve de novo”, quando observava que eu havia lhe entregue um texto ruim. Nunca vou esquecer, também, dos telefonemas de Raimundinho, quando trabalhamos juntos na Assessoria de Imprensa da Câmara. Ele ligava, às vezes bem tarde, para reclamar de uma informação incompleta, de uma pontuação errada. Lembro-me bem dos protestos de Anchieta Nery, gaguejando muito mais do que hoje em dia, e aos berros: “Serrinha, escreve essa droga direito”.

Todos eles tiveram um papel definitivo em minha vida. Perderam seu precioso tempo e usaram seu poder de avaliação para me dedicar uma atenção que poucos dispõem, hoje em dia, nas redações da vida. Digo sempre aos mais jovens que agradeçam cada bronca que venham a receber. Quando alguém mais experiente lhe corrige, isto significa que há quem esteja preocupado em que você aprenda.

Retornando ao tema central desse emaranhado, tenha certeza, caro leitor, seja por escrito, falado ou de qualquer outra forma, o incentivo, realmente, é algo decisivo. Não basta o indivíduo estar convicto de que tem potencial para ir longe. É necessário contar com companheiros que, além de orientar corretamente, dêem o bom exemplo profissional, acompanhem seu trabalho com interesse, opinem e, quando for o caso, elogiem.

Obrigado, amiga Madalena de Jesus, pelas 15 linhas de incentivo.

Em tempo: Esse texto foi escrito em 2004.

*Jornalista, radialista e servidor efetivo da Câmara Municipal, lotado na Assessoria de Comunicação (Ascom), foi secretário municipal de Comunicação Social e tem uma trajetória profissional com passagens nos jornais Feira Hoje, Diário da Feira e Tribuna Feirense, onde um dos fundadores deste último. Também atuou nas emissoras de rádio Sociedade, Povo e Subaé.



quarta-feira, 10 de março de 2021

MINHA CASA, MEU LUGAR

 


Em meio a toda agonia provocada pela pandemia, leia-se o isolamento social, a tensão diante da necessidade de ir a algum lugar público, a saudade das pessoas queridas, o desejo de voltar à vida normal – ninguém sabe se ou quando acontecerá – eu descobri como é maravilhoso estar/ficar em casa. Eu costumo dizer que essa é a melhor parte de tudo que estamos vivendo nos últimos 12 meses. 

Os grupos de whatsapp, alguns antes bem chatos, passaram a ser parceiros da labuta diária. Nem sempre para trabalhar, é bem verdade. Os telefonemas ganharam uma importância imensurável nesse período. Por mais incrível que pareça, o distanciamento aproximou os amigos geograficamente distantes e até trouxe de volta velhos companheiros dessas mais de 40 décadas de jornalismo.

Mas de todas as vivências a mais prazerosa, sem dúvida, foi a mudança de minha relação com a minha casa. Cuidar do lugar onde eu vivo deixou de ser uma obrigação diária, ou o quarto turno de trabalho, como eu definia. Sabe aquela história de compensação? Acho que é isso. Pelo fato de estar em casa mais tempo, ou melhor, todo o tempo, consigo manter tudo em ordem. Pelo menos até Lucas e Bruna chegarem...

E foi pensando no quanto me sinto feliz em fazer da minha morada um espaço sempre coberto de energias boas, não exatamente um primor de decoração e beleza, mas de conforto e bem-estar, que eu lembrei de um texto de Carlos Drumond de Andrade, com o sugestivo título “Casa Arrumada”. E eu quero arrumar a minha casa todos os dias, do meu jeito, com a minha marca. Afinal, é o meu lugar.

“Casa arrumada é assim:

Um lugar organizado, limpo, com espaço livre pra circulação e uma boa entrada de luz.

Mas casa, pra mim, tem que ser casa e não um centro cirúrgico, um cenário de novela.

Tem gente que gasta muito tempo limpando, esterilizando, ajeitando os móveis, afofando as almofadas…

Não, eu prefiro viver numa casa onde eu bato o olho e percebo logo: Aqui tem vida…

Casa com vida, pra mim, é aquela em que os livros saem das prateleiras e os enfeites brincam de trocar de lugar.

Casa com vida tem fogão gasto pelo uso, pelo abuso das refeições fartas, que chamam todo mundo pra mesa da cozinha.

Sofá sem mancha?

Tapete sem fio puxado?

Mesa sem marca de copo?

Tá na cara que é casa sem festa.

E se o piso não tem arranhão, é porque ali ninguém dança.

Casa com vida, pra mim, tem banheiro com vapor perfumado no meio da tarde.

Tem gaveta de entulho, daquelas que a gente guarda barbante,

passaporte e vela de aniversário, tudo junto…

Casa com vida é aquela em que a gente entra e se sente bem-vinda.

A que está sempre pronta pros amigos, filhos…

Netos, pros vizinhos…

E nos quartos, se possível, tem lençóis revirados por gente que brinca ou namora a qualquer hora do dia. Casa com vida é aquela que a gente arruma pra ficar com a cara da gente.

Arrume a sua casa todos os dias…

Mas arrume de um jeito que lhe sobre tempo pra viver nela…

E reconhecer nela o seu lugar.” 

(Carlos Drumond de Andrade)

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

UMA CRÔNICA INÉDITA (APROVEITA)



Alana Freitas El Fahl


“A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros

Vinha da boca do povo na língua errada do povo

Língua certa do povo

Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil.

(Manuel Bandeira)

A linguagem e seus códigos infinitos e misteriosos sempre me impressionaram desde criança. Pensava muito sobre o nome das coisas: Por que mesa é mesa? Por que bolo é bolo? Por que azul não é rosa? Quem inventou isso um dia? Com o passar do tempo esses pensamentos só se adensaram. Quando descobri que existiam outras línguas que não só a nossa a curiosidade só aumentou. Lembram-se das brincadeiras infames “fale pescoço em francês”? Que absurdo um palavrão!

Aliás, palavrão na infância é um capítulo a parte da nossa língua. Depois da primeira infância com sua escatologia peculiar, que me abstenho de aqui repetir, avançamos para outra esfera. Éramos três meninas em casa com um pai que xingava muito  e uma mãe que nos proibia de dizer nome feio. Entre nós três, o desaforo preferido eram os nomes de cobras, tão suaves e femininos: Cascavel, Surucucu, Caninana, Naja, Sucuri. Mas quando o pau quebrava mesmo, saia o inominável “Sai da frente Espelho sem luz” que era uma ofensa gravíssima para o desespero de nossa mãe.

Mais tarde descobri e me apaixonei perdidamente pela etimologia, a possibilidade de descobrir a origem das palavras é mesmo fascinante. Sou apaixonada por prefixos e sufixos e isso me salvou muitas vezes na compreensão de alguns termos. Sobretudo, os resultados de exames e termos técnicos de várias áreas que mais se parecem com um código secreto e indecifrável. Adoro o capítulo da gramática que trata do processo de formação das palavras e aquela lista de pedacinhos gregos e latinos que se casam e dão sentidos incríveis à língua e ainda se juntaram no Português brasileiro com termos africanos e indígenas, nossa geleia geral.  Com os dicionários então tenho um caso de amor, não me canso de folheá-los aleatoriamente e descobrir uma palavra nova, ou verificar aquela quinta acepção de um termo que é o que se encaixa naquilo que a gente leu, diferentemente da primeira, mais fácil e comum.

Mas na verdade nenhum manual dá conta da dinâmica da linguagem. Ela é viva e se realiza na língua do povo, “na língua gostosa do povo”, na sua semântica movente, que faz bárbaro, sinistro e “da porra” virarem elogios. Aliás esse último é de uma polissemia incontornável e se encaixa em várias classes gramaticais que vão do substantivo à interjeição. Dentre um dos seus usos que mais me impressionam está a expressão: “Boa porra”! Ela desestabiliza qualquer conversa. Você diz: Hoje encontrei fulano! Seu amigo responde com aquela entonação de desprezo: - Boa porra!  Não precisa dizer mais nada, para ele esse alguém é um ser desprezível E sem salvação. Acontece também quando você quer enaltecer algum feito: Fulaninho se formou, foi para Europa, casou... E alguém devolve de lá: Boa porra! Fim de papo, não há mais como continuar esse diálogo.

Agora esse “bolodoro”, esse “trololó”, esse “cerca Lourenço” todo é porque eu quero falar de outra expressão, que na verdade é uma teoria:  Teoria do Aproveita. Uma das mais complexas que existem e tenho certeza que todos a utilizam de alguma forma ou já foram vítimas de sua sofisticada teia. Ela faz com que você acredite que fazer um grande favor para o outro é muito bom para você. Na verdade é a teoria do se aproveita. Vejamos algumas de suas aplicações:

Quarto do casal à noite, um levanta para ir ao banheiro ou cozinha, o cônjuge deitado (substantivo sobrecomum de propósito, pode ser um dos dois), que parecia estar à espera daquele momento, imediatamente dá o bote: --Aproveita que você levantou e traz um chá para mim. Aproveita e traz um pedaço de bolo, traz duas laranjas, um prato e uma faca e vê se a luz da garagem ficou acesa... Saia logo, a lista pode aumentar...

Você diz que vai a São Paulo alguém logo se pronuncia: - Aproveita que tu vai, tem uma loja na Vinte e Cinco de Março, facílima de achar, que tem um  creme de cabelo ótimo, você vai adorar, traz um para mim e  a gente acerta. E lá vai você viajar pensando no maldito creme e se sentido culpada de dizer não para um favorzinho tão simples. Se a viagem for internacional então, pule fora, se esconda por um tempo, não anuncie, vai rolar listas, marcas, lojas, dicas, tudo baseado na Teoria do Aproveita.

Eu tenho uma tia, especialista nessa teoria, e como ela conhecia gente nos quatro cantos do Brasil era um perigo falar na frente dela que você ia em tal lugar: Ah, você vai na Paraíba? Vai levar um requeijão para minha comadre Neuza e ainda sugeria que a gente visitasse amigas íntimas que só ela conhecia em nome dela. E lá ia a vítima com um bocapiu a mais na bagagem.

As situações são muitas e se multiplicam, você vai a uma consulta médica e alguém pede para você fazer uma pergunta sobre o problema dele. Vai ao Supermercado Baratão? Aproveita e traz um shampoo anti-caspa para mim que só tem lá. Vai à farmácia, ao menos um band aid vão te pedir. Essa teoria é uma boa porra... Agora corra mesmo se alguém começar a conversa com: Eu nunca te pedi nada! Corra porque é barril, roubada, bucha, saia-justa, roleta, esparro, boca de...

Alana Freitas El Fahl é professora de Literatura e escritora

Publicação original no Blog de Cleberton Santos


sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

COMO SE FOSSE UMA DESPEDIDA

 


Registro fotográfico feito durante evento em homenagem à mulher na UniFTC

Ao longo de 43 anos exercendo o jornalismo, sem dúvida este é o texto mais difícil de escrever. As palavras desaparecem e toda ideia que surge logo torna-se pequena diante da intensidade da relação que sempre mantive com todos, indistintamente, que formam a UniFTC. Portanto, serei o mais objetiva possível: Estou me desligando da instituição, por conta de um projeto de reestruturação que vem sendo executado há algum tempo.

É impossível não ficar triste, por mais cuidadosos que os dirigentes da unidade de Feira de Santana, que é uma extensão de minha casa, tenham sido ao tratar da situação. Saio verdadeiramente agradecida pelo reconhecimento ao meu trabalho, pelo carinho e o respeito durante todo o tempo de vínculo, iniciado em 2008, com uma pausa de três anos e o retorno em 2015. Um período de aprendizado, construção de amizades e, sobretudo, amadurecimento, pessoal e profissional.

Não cito nomes aqui, para não ser injusta. Por isso, por meio de professor Cristiano Lôbo e Marcly Amorim Pizzani, deixo os meus agradecimentos. É muito bom ser valorizado. Como esquecer uma ligação ou uma mensagem de voz no início da madrugada para parabenizar o resultado da divulgação de um grande evento? Isso faz tudo valer a pena, porque aquilo que é nossa obrigação nessa labuta diária de Assessoria de Comunicação passa a ter um significado especial. 

Igualmente inesquecíveis os projetos que passaram a ser meus. E aqui cito o Mérito Educacional, que me rendeu momentos de muita emoção, e a Mega Revisão Enem, que este ano aconteceu em formato digital, mas permaneceu grandioso. Sem falar nos eventos tecnológicos que trouxeram até a NASA para Feira de Santana. Como em todos os outros, minha participação sempre foi além de uma simples cobertura ou a elaboração de textos. E o que dizer das ações de Responsabilidade Social?

Confesso que não será fácil viver sem o contato diário com todas as pessoas; sem as visitas aos colegiados, cujos coordenadores foram grandes parceiros; sem as conversas sem compromisso com a grande – em todos os sentidos – equipe de Gilvan Brito. Este merece um destaque, pois praticamente mora no campus e o mantém rigorosamente cuidado, das dependências administrativas às salas de aula e laboratórios, sem falar no jardim que dá vida ao lugar.

Tenho absoluta certeza que nada acontece por acaso. Deus pavimenta nossa trajetória de vida e usa pessoas especiais, que eu chamo de anjos, para nos levar sempre em frente. E não posso encerrar sem falar da responsável pela minha vinda para a instituição, e também o meu retorno, com a difícil e honrosa tarefa de substituí-la. À jornalista Socorro Pitombo, meu agradecimento de todo coração, pela confiança, o carinho e a inspiração, para o trabalho e para a vida.

Madalena de Jesus, jornalista e professora de Língua Portuguesa e Literatura