terça-feira, 27 de julho de 2021

BALADA DO DESGARRADO PARA ALAÚDE ROUCO

 

Jozailto Lima

                                                                        Ronaldson 


“quando me percebi já era alheio”

ezio déda


te apartaste e te perdeste

[boi na cordilheira,

cavalo no teto de zinco,

gato no fundo do mar]

dos caminhos mais elementares.

 

quede o orvalho

das madrugadas

 

quede as vias

de pó e poeira

fumegando a vontades

gerando gerânios ranchos rancharias

encontros e tropas de alegrias


quede o laço do abraço

distendido no vento

aberto na brisa do nada

- no nada que vale um tudo.

 

de pouco te valeram

óculos novos

enciclopédia universal

os bolsos topados de sonrisal

cartilagem de tubarão

mandingas de fulô preto

mantos de nuvens e manacás

se caducos

são os teus gestos,

                    caducos e crespos

 

se te apartaste

de toda a flora

da mínima areia e teogonia

que te remeteriam

ao reconforto

de mãos antigas          

[desprovidas de pretensões

de pedras]

e dos cheiros amigos

 

se te impermeabiliza

em casacos difíceis

em bílis de granito

 

se te esteriliza

e infundes distâncias

ao que de tão perto

e próximo

clama cócegas

                  e apalpos

e sal e luz

e poderia estar

aí contigo

mineral latente e seminal

sem jamais torar

na cepa.

no dentro-âmago.

[tanto que teu pai

e aqueles passarinhos roucos,

óputo,

te pediam pra prestares

a atenção na direção das brisas

e no bailado lutrido das samambaias]

 

apartado de tudo,

bezerro sem teta

nem consolo de úbere postiço,

nu, desamparado de solo e útero,

não escalas mais montanhas,

não trepas mais os topos altos

e básicos de ti mesmo.

 

te descolaste da terra

dos galhos dos ramos

das flores das sementes

da palharia que se fazem húmus

e voltam em copa grande

de arvoredos imprescindíveis

- em lutrido bailado de samambaias.


boi na cordilheira

gato no fundo do mar,

foste ali com teus pés

de zinco - sem o auxílio

do teu burro preto –

acessar ninguém

e não sabes quando voltarás.

 

possivelmente não voltarás,

de tão apartado

dos caminhos em que estás.


Jozailto Lima nasceu em Várzea do Poço em 11.11.1960, morou 11 anos em Feira, começou no jornalismo pelo Feira Hoje em 1983, fez Letras na UFS e desde 1990 mora em Aracaju, Sergipe, onde fez Comunicação Social e vive 100% do jornalismo, hoje comandando o Portal JLPolítica. É autor de cinco livros de poemas, entre eles "Viagem na Argila", de 2012, onde está este poema, e "Ainda os lobos", de 2016. Tem três consideráveis  prêmios de poesia.

Ilustração de Ronaldson, designer e grande poeta sergipano, autor dos livros "Questão de Íris" e "Litorâneos"

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