terça-feira, 20 de julho de 2021

MESSIAS GONZAGA: EXCELENTE VEREADOR E UM ÓTIMO CONTADOR DE HISTÓRIAS




Por Valdomiro Silva

"Leia e comente", ordenou-me o eterno vereador Messias Gonzaga, ao me entregar, autografado com uma generosa mensagem, o seu livro "Um Contador de Histórias". Demorei um tempo para fazer a leitura, que terminei hoje. Confesso,  a obra suplantou as minhas expectativas. Imaginava, é claro, algo divertido e boas reminiscências, mas não nesse tanto. A começar pelo prefácio (uma aula), magistral, da lavra do Doutor Clovis Ramaiana, notável pesquisador, escritor e professor da Universidade Estadual de Feira de Santana.

A primeira parte deste livro rápido e gostoso de ler é simplesmente sensacional. Messias faz um passeio pelas veredas do sertão nordestino, nas bandas da Serra Talhada, interior pernambucano, fazendo rir desde o "vixe, que menino feio!" disparado pela avó dele, ao nascimento do neto na zona rural daquele município, ao beija-flor que ele, na inconsciência tão peculiar da infância, quase adolescência, liquidou a badogue, acreditando, por promessa "fake" de adulto, que engolindo o coração do pequeno pássaro, se tornaria um sniper (super-atirador de elite, imaginem). 

É um universo repleto de personagens curiosos, com seus codinomes típicos desta nossa terra de sol a pino. Somos apresentados a seu primo Zé de Tia Maria; aos tios Zé Menino, Neco Rosa e Nuca (estes últimos, marido e mulher); ao avô Zé Tomé e ao simpaticíssimo  Mané Cuia, o festeiro. Impossível conter a gargalhada diante das quedas que Messias levou da jumentinha que lhe concedia privilégios, permitindo a ele, e somente a ele, que a montasse (houvessem sido  coices, minha imaginação certamente vagaria por suspeitas outras). 

As histórias do aluguel de bicicletas - e mais quedas -, com destaque para a que "atendia" pelo nome Sayonara. O vexame no circo ao ser descoberto entre as lonas querendo assistir ao espetáculo sem pagar (por falta de grana, mesmo) e os desafios que topou para ver quem comia um cuscuz inteiro sem engasgar e sugar duas bandas de um limão sem fazer careta. São causos, reais, que além de fazer o leitor não querer parar de rir, remete a todos nós, com mais de 50 anos, a uma viagem por nossa própria infância. 

A parte política do livro não apenas remonta com riqueza de detalhes e realismo a trajetória do jovem e promissor líder estudantil, mais tarde excelente vereador de cinco mandatos na maior cidade do interior da Bahia. Messias relembra momentos da história recente do Poder Legislativo sem perder o humor dos capítulos anteriores em que conta os primórdios de sua família. 

Rememora passagens engraçadíssimas dos bastidores da Câmara, como a "ocupação" de um dos seus cômodos para que lhe servisse de gabinete, a "troca de cães" com Antônio Carlos Coelho e as "vias de fato" com  o colega José Francisco do Amaral. O relato de como ele e mais três colegas foram detidos pela PM enquanto defendiam motoristas em greve e o "ataque às formigas", que eu mesmo escrevi, já editor de política do extinto "Feira Hoje", são outras lembranças muito interessantes a fazer parte da narrativa.  

Em seu livro, o ex-vereador esmiuça a sua relação com prefeitos, de Colbert Martins da Silva a Zé Ronaldo, todos sob a sua oposição e permanente fiscalização. Justiça lhe seja feita, Messias não criou tantas encrencas para os governantes que passaram por seu "corredor polonês" na Câmara por perseguição ou problema de ordem pessoal. A origem de suas críticas sempre muito fortes era o modelo de gestão, de ideias e de ideais, do qual não compactuava. Fazia denúncias e mais denúncias. Quando não havia provas, ele se valia de suspeitas e indícios. Não passava 30 dias sem movimentar a mídia com algo impactante. 

Seguramente por conta dessa postura, de atacar as políticas, não as pessoas,  mesmo tendo realizado ferrenha e feroz divergência contra todas as administrações municipais nos 22 anos em que esteve vereador, Messias não coleciona inimigos.  No livro, aliás, ele se refere aos líderes contra os quais guerreou, com toda a elegância que lhe é peculiar,  respeito e até deferência, reconhecendo qualidades que inegavelmente possuem. Nem mesmo Clailton Mascarenhas, que herdou o Governo do falecido José Falcão da Silva e se tornou o prefeito mais combatido por Gonzaga, lhe guardou mágoas, como registra o autor em uma das suas histórias. 

Os jornais feirenses dos anos 1980 e 1990 tem um farto conteúdo, em seu noticiário político, sobre Messias Gonzaga. Não há, com certeza absoluta, nenhum prefeito ou governador que tenha sido mais mencionado que ele, nas colunas de bastidores "Etc & Tal",  "Observatório" e "Ponto & Vírgula", das mais consagradas dos impressos locais.  Isto porque, além de sua produção na Tribuna da Câmara, o homem frequentava as redações quase tanto quanto os repórteres dos veículos, levando informações e, principalmente, sua opinião sobre os fatos de maior repercussão. 

Não lhe escapava absolutamente nada, do "imperialismo americano" que tanto combate, aos pormenores do Palácio Maria Quitéria, lá estava o vereador a comentar. Radialista durante um período, chegando a trabalhar na maior emissora do Estado, a Sociedade da Bahia, ele bem sabia a importância da divulgação de suas iniciativas e explorava isto com muita competência, sendo ele mesmo o seu próprio e eficiente assessor de comunicação.

Messias ostenta o importante título de pentacampeão das eleições para o Legislativo. Tantas eleições, obtidas de forma consecutiva e em duas delas sendo o mais votado dentre todos os candidatos, não é pouca coisa, nem feito de qualquer um. Saliente-se, sem recorrer à pratica de "fisiologismo", para usar uma palavra que ele utiliza sempre ao se referir à famosa troca de favores entre político e eleitor. Muito menos, gasto de dinheiro com cabos eleitorais ou doações, quaisquer que sejam, para obter o voto. Até porque, o comunista tem fama, não tenho certeza se justificada, de "mão fechada", daqueles que  atravessam o rio a nado e conseguem manter intacto o Sonrisal sem embalagem que leva em uma das mãos.   

Tive a honra de redigir, em manchete do "Tribuna Feirense" e página inteira do primeiro caderno, a despedida de Messias do parlamento, com um resumo de sua rica passagem pela Câmara. Primeira vez, provavelmente, no jornalismo baiano, talvez do Brasil inteiro, que um diário registra com tamanho destaque o fato de um vereador  não obter a reeleição. Foi uma das reportagens das que mais me orgulho, dentre tantas que fiz. Uma justa homenagem àquele que é reconhecido, por mim e por todos os profissionais de imprensa que acompanham a política local nas últimas três a quatro décadas, como um dos melhores que passaram pela Casa em toda a sua história.

Valdomiro Silva é jornalista

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