quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

UMA CRÔNICA INÉDITA (APROVEITA)



Alana Freitas El Fahl


“A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros

Vinha da boca do povo na língua errada do povo

Língua certa do povo

Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil.

(Manuel Bandeira)

A linguagem e seus códigos infinitos e misteriosos sempre me impressionaram desde criança. Pensava muito sobre o nome das coisas: Por que mesa é mesa? Por que bolo é bolo? Por que azul não é rosa? Quem inventou isso um dia? Com o passar do tempo esses pensamentos só se adensaram. Quando descobri que existiam outras línguas que não só a nossa a curiosidade só aumentou. Lembram-se das brincadeiras infames “fale pescoço em francês”? Que absurdo um palavrão!

Aliás, palavrão na infância é um capítulo a parte da nossa língua. Depois da primeira infância com sua escatologia peculiar, que me abstenho de aqui repetir, avançamos para outra esfera. Éramos três meninas em casa com um pai que xingava muito  e uma mãe que nos proibia de dizer nome feio. Entre nós três, o desaforo preferido eram os nomes de cobras, tão suaves e femininos: Cascavel, Surucucu, Caninana, Naja, Sucuri. Mas quando o pau quebrava mesmo, saia o inominável “Sai da frente Espelho sem luz” que era uma ofensa gravíssima para o desespero de nossa mãe.

Mais tarde descobri e me apaixonei perdidamente pela etimologia, a possibilidade de descobrir a origem das palavras é mesmo fascinante. Sou apaixonada por prefixos e sufixos e isso me salvou muitas vezes na compreensão de alguns termos. Sobretudo, os resultados de exames e termos técnicos de várias áreas que mais se parecem com um código secreto e indecifrável. Adoro o capítulo da gramática que trata do processo de formação das palavras e aquela lista de pedacinhos gregos e latinos que se casam e dão sentidos incríveis à língua e ainda se juntaram no Português brasileiro com termos africanos e indígenas, nossa geleia geral.  Com os dicionários então tenho um caso de amor, não me canso de folheá-los aleatoriamente e descobrir uma palavra nova, ou verificar aquela quinta acepção de um termo que é o que se encaixa naquilo que a gente leu, diferentemente da primeira, mais fácil e comum.

Mas na verdade nenhum manual dá conta da dinâmica da linguagem. Ela é viva e se realiza na língua do povo, “na língua gostosa do povo”, na sua semântica movente, que faz bárbaro, sinistro e “da porra” virarem elogios. Aliás esse último é de uma polissemia incontornável e se encaixa em várias classes gramaticais que vão do substantivo à interjeição. Dentre um dos seus usos que mais me impressionam está a expressão: “Boa porra”! Ela desestabiliza qualquer conversa. Você diz: Hoje encontrei fulano! Seu amigo responde com aquela entonação de desprezo: - Boa porra!  Não precisa dizer mais nada, para ele esse alguém é um ser desprezível E sem salvação. Acontece também quando você quer enaltecer algum feito: Fulaninho se formou, foi para Europa, casou... E alguém devolve de lá: Boa porra! Fim de papo, não há mais como continuar esse diálogo.

Agora esse “bolodoro”, esse “trololó”, esse “cerca Lourenço” todo é porque eu quero falar de outra expressão, que na verdade é uma teoria:  Teoria do Aproveita. Uma das mais complexas que existem e tenho certeza que todos a utilizam de alguma forma ou já foram vítimas de sua sofisticada teia. Ela faz com que você acredite que fazer um grande favor para o outro é muito bom para você. Na verdade é a teoria do se aproveita. Vejamos algumas de suas aplicações:

Quarto do casal à noite, um levanta para ir ao banheiro ou cozinha, o cônjuge deitado (substantivo sobrecomum de propósito, pode ser um dos dois), que parecia estar à espera daquele momento, imediatamente dá o bote: --Aproveita que você levantou e traz um chá para mim. Aproveita e traz um pedaço de bolo, traz duas laranjas, um prato e uma faca e vê se a luz da garagem ficou acesa... Saia logo, a lista pode aumentar...

Você diz que vai a São Paulo alguém logo se pronuncia: - Aproveita que tu vai, tem uma loja na Vinte e Cinco de Março, facílima de achar, que tem um  creme de cabelo ótimo, você vai adorar, traz um para mim e  a gente acerta. E lá vai você viajar pensando no maldito creme e se sentido culpada de dizer não para um favorzinho tão simples. Se a viagem for internacional então, pule fora, se esconda por um tempo, não anuncie, vai rolar listas, marcas, lojas, dicas, tudo baseado na Teoria do Aproveita.

Eu tenho uma tia, especialista nessa teoria, e como ela conhecia gente nos quatro cantos do Brasil era um perigo falar na frente dela que você ia em tal lugar: Ah, você vai na Paraíba? Vai levar um requeijão para minha comadre Neuza e ainda sugeria que a gente visitasse amigas íntimas que só ela conhecia em nome dela. E lá ia a vítima com um bocapiu a mais na bagagem.

As situações são muitas e se multiplicam, você vai a uma consulta médica e alguém pede para você fazer uma pergunta sobre o problema dele. Vai ao Supermercado Baratão? Aproveita e traz um shampoo anti-caspa para mim que só tem lá. Vai à farmácia, ao menos um band aid vão te pedir. Essa teoria é uma boa porra... Agora corra mesmo se alguém começar a conversa com: Eu nunca te pedi nada! Corra porque é barril, roubada, bucha, saia-justa, roleta, esparro, boca de...

Alana Freitas El Fahl é professora de Literatura e escritora

Publicação original no Blog de Cleberton Santos


sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

COMO SE FOSSE UMA DESPEDIDA

 


Registro fotográfico feito durante evento em homenagem à mulher na UniFTC

Ao longo de 43 anos exercendo o jornalismo, sem dúvida este é o texto mais difícil de escrever. As palavras desaparecem e toda ideia que surge logo torna-se pequena diante da intensidade da relação que sempre mantive com todos, indistintamente, que formam a UniFTC. Portanto, serei o mais objetiva possível: Estou me desligando da instituição, por conta de um projeto de reestruturação que vem sendo executado há algum tempo.

É impossível não ficar triste, por mais cuidadosos que os dirigentes da unidade de Feira de Santana, que é uma extensão de minha casa, tenham sido ao tratar da situação. Saio verdadeiramente agradecida pelo reconhecimento ao meu trabalho, pelo carinho e o respeito durante todo o tempo de vínculo, iniciado em 2008, com uma pausa de três anos e o retorno em 2015. Um período de aprendizado, construção de amizades e, sobretudo, amadurecimento, pessoal e profissional.

Não cito nomes aqui, para não ser injusta. Por isso, por meio de professor Cristiano Lôbo e Marcly Amorim Pizzani, deixo os meus agradecimentos. É muito bom ser valorizado. Como esquecer uma ligação ou uma mensagem de voz no início da madrugada para parabenizar o resultado da divulgação de um grande evento? Isso faz tudo valer a pena, porque aquilo que é nossa obrigação nessa labuta diária de Assessoria de Comunicação passa a ter um significado especial. 

Igualmente inesquecíveis os projetos que passaram a ser meus. E aqui cito o Mérito Educacional, que me rendeu momentos de muita emoção, e a Mega Revisão Enem, que este ano aconteceu em formato digital, mas permaneceu grandioso. Sem falar nos eventos tecnológicos que trouxeram até a NASA para Feira de Santana. Como em todos os outros, minha participação sempre foi além de uma simples cobertura ou a elaboração de textos. E o que dizer das ações de Responsabilidade Social?

Confesso que não será fácil viver sem o contato diário com todas as pessoas; sem as visitas aos colegiados, cujos coordenadores foram grandes parceiros; sem as conversas sem compromisso com a grande – em todos os sentidos – equipe de Gilvan Brito. Este merece um destaque, pois praticamente mora no campus e o mantém rigorosamente cuidado, das dependências administrativas às salas de aula e laboratórios, sem falar no jardim que dá vida ao lugar.

Tenho absoluta certeza que nada acontece por acaso. Deus pavimenta nossa trajetória de vida e usa pessoas especiais, que eu chamo de anjos, para nos levar sempre em frente. E não posso encerrar sem falar da responsável pela minha vinda para a instituição, e também o meu retorno, com a difícil e honrosa tarefa de substituí-la. À jornalista Socorro Pitombo, meu agradecimento de todo coração, pela confiança, o carinho e a inspiração, para o trabalho e para a vida.

Madalena de Jesus, jornalista e professora de Língua Portuguesa e Literatura