segunda-feira, 30 de agosto de 2021

UM APÓLOGO

 

Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:

— Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma cousa neste mundo?

— Deixe-me, senhora.

— Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.

— Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.

— Mas você é orgulhosa.

— Decerto que sou.

— Mas por quê?

— É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu?

— Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu e muito eu?

— Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados...

— Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás obedecendo ao que eu faço e mando...

— Também os batedores vão adiante do imperador.

— Você é imperador?

— Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto...

Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana — para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha:

— Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima...

A linha não respondia; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa, como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic-plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte. Continuou ainda nessa e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.

Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E enquanto compunha o vestido da bela dama, e puxava de um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha para mofar da agulha, perguntou-lhe:

— Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá.

Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha:

— Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico.

Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça:

— Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!

Machado de Assis 

(Texto extraído do livro "Para Gostar de Ler - Volume 9 - Contos", Editora Ática - São Paulo, 1984, pág. 59)

domingo, 22 de agosto de 2021

GALEGO DA COCADA E A PALMEIRA IMPERIAL DA PRAÇA DO LAMBE-LAMBE

 


Por Jânio Rêgo (*)

O Galego da Cocada, hoje instalado logo na entrada do Shopping Popular, me diz que foram  25 anos negociando na calçada próxima a essa palmeira imperial da praça do Lambe-Lambe no centro de Feira de Santana.

A palmeira talvez seja centenária como a praça inaugurada no início do século passado (1915) e hoje oficialmente chamada pelo nome do intendente na gestão do qual foi construída,  Bernardino Bahia.  Mas  pelo povo é  aclamada como  Praça do Lambe-lambe onde trabalhou, até ser removido para essa reforma em curso,  o meu amigo fotógrafo Zé Alves cuja saga é contada em documentário (O Retratista) produzido e dirigido pelos filhos dele.  

Nesta praça está o primeiro coreto erguido na cidade, segundo o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural  da Bahia que o tombou em 2002. Já naquela época o órgão reclamava do modelo de uso desse equipamento, o que nunca foi modificado. Ou seja, bar ou restaurante funcionando no ‘porão’ e o coreto em si ocupado como depósito. Não há informações sobre novo modelo ou se haverá um. Também não sei se os fotógrafos vão voltar.

Eram duas palmeiras imperiais. A outra foi condenada pelos botânicos e foi retirada numa operação com guinchos e caminhão, também lembra o Galego, enquanto mexe o panelão com ingredientes do doce. Eu digo que ele é sócio de Elias Tergillene e que foi o mineiro que mandou ele botar point da cocada e ele ri astutamente:

“Ele me deve é uma água mineral, passou aqui, bebeu e não pagou…! – Galego é um tipo brincalhão e comunicativo.

Há poucos dias, o Núcleo de Preservação da Memória Feirense ‘Rollie Poppino’ publicou uma foto de 1939 onde as duas palmeiras  aparecem, já adultas, mas ainda sem a companhia do edifício do INSS nem as duas falsas seringueiras que hoje a ocultam quando se fotografa do mesmo ângulo da foto antiga.

“Além do coreto, pouco se sabe sobre o mobiliário urbano, que parece ter sido bastante simples, limitando-se aos lampadários“, adverte o IPAC sobre os primórdios da praça na apresentação do bem tombado como patrimônio histórico da Bahia.

Há um busto do fundador desde 1956 na praça. Na última reforma, em 2000, a Prefeitura fixou a placa da reinauguração no pedestal  do busto com o nome do Prefeito  em letras garrafais maiores que a do nome da praça e do homenageado no bronze.

A reforma atual está privilegiando a pavimentação interna enquanto os arredores seguem o padrão do Calçadão da Sales Barbosa. Não parece haver acréscimo de verde, ou seja, plantio de novas árvores ou jardins. Mas é uma praça bem arborizada desde o início, isso também nos lembra o IPAC. Até a forçosa retirada  da outra palmeira provocou o plantio de mais três da mesma espécie.

Cronologicamente a praça da Matriz é a primeira. Mas na Bernardino Bahia é onde pulsa a Feira de Santana contemporânea. É a central, a que está no meio do quadrilátero comercial, aberta para a Sales Barbosa e a Senhor dos Passos onde se concentra o maior fluxo de consumidores.

Com um centro comercial cada vez mais desarborizado, com longas calçadas sem verde, a praça do Lambe-Lambe é um refrigério natural e imprescindível para o equilíbrio do clima e do ambiente.

E nem falei da feirinha de frutas e verduras…um privilégio urbano da Feira!


Jânio Rêgo é jornalista

quinta-feira, 12 de agosto de 2021

O DIA QUE JOÃO CORAGEM CHEGOU LÁ EM CASA

 


Por Marcílio Costa (*)

Já fazia um bom tempo que a energia elétrica tinha chegado em Jaguara, mas precisei esperar ainda intermináveis dois a três anos para ter a nossa primeira TV lá em casa, uma Telefunken com uma tela de proteção na frente e que ocupava lugar de destaque na sala. Não era apenas a nossa televisão, era o segundo aparelho que chegava na localidade. Era Jaguara entrando na modernidade, mesmo com um considerável atraso. Somente aos 9 anos de idade poderia dizer que tinha uma televisão para assistir, um sonho de menino que só via TV quando estava em Feira de Santana na casa de minha avó Santinha ou de minha tia Elizabete. Mas ter uma televisão em casa não significava exatamente poder assistir tudo quando bem entendesse como faz a garotada de hoje que tem a tv na palma da mão praticamente 24 horas por dia. Nas regras de meu pai, ver televisão também tinha horário determinado, assim como ele fazia com quase tudo lá em casa. Eu precisava escolher o horário para assistir televisão durante o dia e logo montei o que seria hoje minha playlist.
Como tinha direito a escolher dois horários, eu optei por ver a TV perto do meio-dia e no final da tarde, quando passavam meus programas favoritos. No primeiro horário, eu adorava ver Guerra Sombra e Água Fresca, uma bem-humorada série americana dos anos 60 ambientada num campo de concentração da Segunda Guerra Mundial, onde os prisioneiros aprontavam o que bem queriam e invariavelmente faziam o sargento Schultz de trouxa. Como esquecer do Agente 86, o incrível Maxwell Smart, um agente trapalhão apaixonado pela colega 99 e que tinha truques inesperados como falar num telefone disfarçado de sapato. No final, ele sempre acertava, de uma forma ou de outra, e saía como herói, mesmo depois de tantas trapalhadas.. A comédia americana era uma das minhas preferidas, ao lado de Jeannie é um Gênio, a Feiticeira e Robô Gigante, uma série onde um robô enorme e muito mal forjado aparecia sempre para derrotar o inimigo com o uso da força bruta e armas escondidas no corpo. O segundo tempo da minha jornada televisiva começava às cinco da tarde, hora de ver o cowboy Durango Kid, um faroeste americano que fez tanto sucesso no Brasil que virou até música de Raul Seixas:
Eu não sou besta
Pra tirar onda de herói
Sou vacinado, eu sou cowboy
Cowboy fora da lei
O Durango Kid
Só existe no gibi
E quem quiser que fique aqui
Entrar pra história com vocês
Muita gente que assiste televisão hoje com aparelhos ultramodernos, telas finas e imagens de qualidade impressionantes não faz a menor ideia como eram os aparelhos naquele início dos anos 70. Além de caras, as tvs eram enormes, pesadas, feitas em caixa de madeira e tinham válvulas que mais pareciam funcionar a lenha. Isso significava que era preciso esperar as válvulas esquentarem até começar a aparecer as primeiras imagens, que muitas vezes vinham com chuviscos e todo tipo de interferência, além de ser preto e branco . Em Jaguara a situação era ainda mais complicada. Distrito mais distante de Feira, o sinal chegava lá através da antena repetidora instalada no alto da serra de São José, no vizinho distrito de Maria Quitéria. Quando o sinal era interrompido batia o desespero na gente, porque muitas vezes precisava esperar mais de uma semana para assistir tv novamente até que a prefeitura mandasse consertar o equipamento, uma tarefa difícil por conta do acesso ao local. Outro problema era quando a tv quebrava. Era muito complicado levar aquele trambolho para consertar na cidade por conta do tamanho e da falta de um transporte adequado, afinal a gente andava era de pau de arara no meio de animais, bules e mercadorias.
No tempo que a novela das oito começava às oito horas mesmo, a nossa TV chegou quando Irmãos Coragem era o maior sucesso no país todo. A trama de Janete Clair contava a estória dos irmãos João, Duda e Jerônimo Coragem, garimpeiros que enfrentavam o todo-poderoso Pedro Barros, um malvado que perseguia a todos, especialmente aquela família que tinha a liderança de João Coragem, o personagem vivido por Tarcísio Meira no auge de seu esplendor de galã que reinou por muito tempo nas novelas da Globo ao lado de sua mulher Glória Menezes, que fez par romântico com ele naquela trama no papel de Lara, que se multiplicava por mais dois personagens, Diana e Marcia. João Coragem junto com os irmãos chegou lá em casa no início dos anos 70 e fazia o maior sucesso pelo seu rompante de heroi montado em seu cavalo ao melhor estilo dos faroestes americanos.
Mas a nossa família não assistia televisão sozinha. Com apenas dois aparelhos em Jaguara, logo os outros moradores foram em busca da nova diversão do lugar e a gente passou a ter a companhia de muitos outros moradores do distrito que todas as noites enchiam a sala lá de casa para ver o abobado Juca Cipó, a índia Potira, o jogador de futebol Duda, sua namorada Ritinha ou o vereador Jerônimo, personagens interpretados por artistas como Emiliano Queiroz, Lúcia Alves, Cláudio Marzo, Regina Duarte e Cláudio Cavalcanti, figuras que se tornaram conhecidas no Brasil afora. Afinal, eles ficaram mais de um ano no ar, no auge da audiência da Rede Globo que era uma unanimidade nacional com suas novelas de sucesso.
Televisão era um assunto tão importante naquela época e objeto longe do alcance da maioria da população da zona rural de Feira de Santana que logo virou política de governo do então prefeito José Falcão, que espertamente descobriu o quanto o povo gostava de assistir filmes e novelas. Ele mandou colocar aparelhos de TV na sede de todos os sete distritos de Feira, incluindo - é claro - Jaguara, que ganhou um equipamento instalado dentro de uma caixa de ferro trancada a cadeado em praça pública ao lado do mercado municipal, onde a turma passou a se reunir todas as noites para ver novelas como Selva de Pedra, Carinhoso, Bandeira 2, Cavalo de Aço e tantas outras, principalmente as novelas de época, que faziam especialmente a alegria de meu pai, que já conhecia as histórias através dos livros de autores nacionais como Machado de Assis,
Eu já tinha motivos de sobra para ter a TV num lugar especial em minha vida até que quase 20 anos depois da sua chegada em Jaguara quis o destino que eu fizesse parte da equipe de implantação da primeira emissora Globo no interior da Bahia, a TV Subaé, que faz parte da minha história há mais de 30 anos. Quem diria, o menino de Jaguara chegou na Globo que tanto admirava.
Plim plim!!!

Marcílio Costa é jornalista.

domingo, 8 de agosto de 2021

DEIXA A VIDA ME LEVAR....



Antônio Carlos Garcia (*)

O poeta gaúcho Mário Quintana, que nos deixou em maio de 1994, aos 87 anos, pediu que escrevessem o seguinte epitáfio na sua tumba: “eu não estou aqui”. Essa história foi lembrada pelo professor Mário Sérgio Cortella durante uma palestra e dá margem a várias reflexões. Escolho uma que mais se identifica comigo: a de que nem ele, Mário, e nem os que foram para o outro plano terminaram toda uma história ali, reclusos num jazigo. Naquele lugar sucumbiu um corpo físico.  A alma segue aprendendo em algum lugar, afinal, “há muitas moradas na casa do meu Pai”.

Esse preâmbulo é para, neste Dia dos Pais, reverenciar a memória do meu pai, Raimundo Ferreira dos Santos, que durante sua passagem por esta orbe, pegou emprestada a música de Zeca Pagodinho, “Deixa a vida me levar”, para transformá-la em filosofia de vida. Ele, repetidamente, em algum momento de tensão, problemas e preocupações, dizia: “deixa a vida me levar”.

E como ele tinha razão quando dava esse conselho! Afinal, tudo na vida passa: a maior alegria e a tristeza mais profunda são passageiras e ao deixarmos a vida nos levar aprendemos bastante. Na medida do possível devemos levar a vida com leveza, com olhar terno e um sorriso cativante. Encarar os problemas como oportunidades de aprendizado para sermos cada dia melhores.

Raimundo procurou ser um bom aluno nessa escola chamada Terra, onde o nosso mentor maior – Deus, o Grande Arquiteto do Universo – nos dá liberdade para crescermos. Essa liberdade é o livre arbítrio.  É uma liberdade tão grande que alguns metem os pés pelas mãos e se atrapalham de vez quando. Outros se atrapalham o tempo todo. Mas como a bondade do Pai é infinita, a todos é dada a oportunidade de voltar aqui quantas vezes forem necessárias para aprender o que significa o livre arbítrio. E ao aprender, todos crescem. Essa é a regra. Por mais que demore milênios, um dia todos seremos prefeitos.

Acredito que Raimundo esteja em uma das “moradas” se aperfeiçoando, crescendo, tornando-se melhor, porque, insisto, esse é o caminho de todos. Quando ele desencarnou, lembro-me de dois momentos marcantes. Um vivido por mim e outro pela amiga Márcia Pitão, que tinha [e tem] adoração por Raimundo. 

No início de uma manhã de novembro de 2015, um domingo, ao sair de Aracaju, onde resido, com destino a Feira de Santana para o sepultamento de meu pai, tive a forte impressão dele estar comigo, minha mulher, Rose, e meu filho João Pedro, dentro do carro viajando conosco, nos fazendo companhia. Acredito que ele estava ali.

Passados alguns meses, eu estava no Dispensário de Santana, participando de uma missa festiva com a amiga Márcia Pitão e no final ela me disse: “Galinho estava aqui na missa”.  Galo ou Galinho era o apelido de meu pai.

Portanto, o que está num jazigo perpétuo no Cemitério Piedade são os restos mortais de Raimundo. Ele, de fato, não está ali no túmulo como bem escreveu Mário Quintana. E para deixar uma reflexão, recordo-me da mensagem ditada pelo espírito Leocádio José Correia ao médium Maury Rodrigues da Cruz, da Sociedade Brasileira de Estudos Espíritas: “a vida não começa no berço e nem termina no túmulo”.

Feliz Dia dos Pais, Raimundo. Feliz dia aos pais encarnados e desencarnados.


(*) Antonio Carlos Garcia é jornalista feirense radicado em Aracaju.

A foto é de Reginaldo Pereira Tracajá

terça-feira, 3 de agosto de 2021

LEMBRANÇAS DA INFÂNCIA


Por Socorro Pitombo

Todos os dias eu ia para a escola com as amigas, conversando, contando casos. No pátio, antes das aulas, cantávamos o Hino Nacional, e ai de quem esquecesse uma estrofe! Era palmatória na certa.  No retorno era a tagarelice de sempre, uma alegria.  As pesquisas escolares eram feitas na Biblioteca Pública, consultando enciclopédias. Não existia o google e outras facilidades.

Na escola a gente costumava colocar apelidos nos colegas, eu era a perna seca, mas tinha o balofo, o palito e por aí vai. Ninguém reclamava de bullyng. Nosso refrigerante era o Sukita ou suco de uva, um saquinho dava uma boa quantidade. De volta da escola, era a hora da merenda; vovó Belinha, mãe do meu pai, era quem nos servia: pão com manteiga e açúcar por cima, com suco de uva.

A gente sabia quando o pão estava saindo do forno por causa do cheirinho que subia da padaria do seu Zé, que fazia esquina com a nossa casa, na rua Direita. Era só botar manteiga que derretia no pão. Hummmm.... e as queijadas eram maravilhosas. Na padaria de seu Zé tinha um pão de sal e uns biscoitos deliciosos, além de sorvete de coco com doce de leite e sorvete de ameixa também. Vendia uma bala de nome café com leite.

A noite caía e era hora da brincadeira. Cabra cega, chicotinho queimado. Também brincávamos de roda, tirando versos e outras brincadeiras com a criançada da vizinhança, até que chegava a hora de nos recolher, o que fazíamos a contragosto. Nos fins de semana, era a vez de brincar de teatro ou de cantoras do rádio. As músicas eram inventadas por nós. Imaginem as letras rsrsrsrs.

Tinha também a brincadeira de panelinha. Eu, minhas irmãs e as amigas fazíamos cozidos de folhas nos frondosos quintais de nossas casas. As panelinhas de barro eram compradas nas barracas da feira livre, que acontecia às segundas-feiras e se estendia desde a praça da Bandeira até as proximidades do Hospital EMEC.

Nossos pais sempre presentes, educação começava em casa. E na rua, se fizéssemos alguma bobagem, era beliscão, cascudo, ou o infalível “a gente conversa em casa”. Tínhamos hora para tudo, chegar em casa, tomar banho e sentar à mesa. E ai de quem dissesse alguma coisa. A hora do jantar era sagrada. Era sopa, café com pão e biscoito, que chamávamos de “enche boca”, porque era um biscoito fofo e bem grande. Essa bolacha, melhor dizendo, ainda hoje rende conversas entre nós, os irmãos.

Essas lembranças da infância me acompanham pela vida a fora e hoje senti vontade de escrever sobre elas. Lembro que uma das minhas irmãs, já adulta, resolveu aprender a andar de bicicleta. Na primeira tentativa levou uma bela queda e esfolou os joelhos. Mas essa é uma outra história...

Socorro Pitombo é jornalista

Feira de Santana, 17 de julho de 2021