quinta-feira, 12 de agosto de 2021

O DIA QUE JOÃO CORAGEM CHEGOU LÁ EM CASA

 


Por Marcílio Costa (*)

Já fazia um bom tempo que a energia elétrica tinha chegado em Jaguara, mas precisei esperar ainda intermináveis dois a três anos para ter a nossa primeira TV lá em casa, uma Telefunken com uma tela de proteção na frente e que ocupava lugar de destaque na sala. Não era apenas a nossa televisão, era o segundo aparelho que chegava na localidade. Era Jaguara entrando na modernidade, mesmo com um considerável atraso. Somente aos 9 anos de idade poderia dizer que tinha uma televisão para assistir, um sonho de menino que só via TV quando estava em Feira de Santana na casa de minha avó Santinha ou de minha tia Elizabete. Mas ter uma televisão em casa não significava exatamente poder assistir tudo quando bem entendesse como faz a garotada de hoje que tem a tv na palma da mão praticamente 24 horas por dia. Nas regras de meu pai, ver televisão também tinha horário determinado, assim como ele fazia com quase tudo lá em casa. Eu precisava escolher o horário para assistir televisão durante o dia e logo montei o que seria hoje minha playlist.
Como tinha direito a escolher dois horários, eu optei por ver a TV perto do meio-dia e no final da tarde, quando passavam meus programas favoritos. No primeiro horário, eu adorava ver Guerra Sombra e Água Fresca, uma bem-humorada série americana dos anos 60 ambientada num campo de concentração da Segunda Guerra Mundial, onde os prisioneiros aprontavam o que bem queriam e invariavelmente faziam o sargento Schultz de trouxa. Como esquecer do Agente 86, o incrível Maxwell Smart, um agente trapalhão apaixonado pela colega 99 e que tinha truques inesperados como falar num telefone disfarçado de sapato. No final, ele sempre acertava, de uma forma ou de outra, e saía como herói, mesmo depois de tantas trapalhadas.. A comédia americana era uma das minhas preferidas, ao lado de Jeannie é um Gênio, a Feiticeira e Robô Gigante, uma série onde um robô enorme e muito mal forjado aparecia sempre para derrotar o inimigo com o uso da força bruta e armas escondidas no corpo. O segundo tempo da minha jornada televisiva começava às cinco da tarde, hora de ver o cowboy Durango Kid, um faroeste americano que fez tanto sucesso no Brasil que virou até música de Raul Seixas:
Eu não sou besta
Pra tirar onda de herói
Sou vacinado, eu sou cowboy
Cowboy fora da lei
O Durango Kid
Só existe no gibi
E quem quiser que fique aqui
Entrar pra história com vocês
Muita gente que assiste televisão hoje com aparelhos ultramodernos, telas finas e imagens de qualidade impressionantes não faz a menor ideia como eram os aparelhos naquele início dos anos 70. Além de caras, as tvs eram enormes, pesadas, feitas em caixa de madeira e tinham válvulas que mais pareciam funcionar a lenha. Isso significava que era preciso esperar as válvulas esquentarem até começar a aparecer as primeiras imagens, que muitas vezes vinham com chuviscos e todo tipo de interferência, além de ser preto e branco . Em Jaguara a situação era ainda mais complicada. Distrito mais distante de Feira, o sinal chegava lá através da antena repetidora instalada no alto da serra de São José, no vizinho distrito de Maria Quitéria. Quando o sinal era interrompido batia o desespero na gente, porque muitas vezes precisava esperar mais de uma semana para assistir tv novamente até que a prefeitura mandasse consertar o equipamento, uma tarefa difícil por conta do acesso ao local. Outro problema era quando a tv quebrava. Era muito complicado levar aquele trambolho para consertar na cidade por conta do tamanho e da falta de um transporte adequado, afinal a gente andava era de pau de arara no meio de animais, bules e mercadorias.
No tempo que a novela das oito começava às oito horas mesmo, a nossa TV chegou quando Irmãos Coragem era o maior sucesso no país todo. A trama de Janete Clair contava a estória dos irmãos João, Duda e Jerônimo Coragem, garimpeiros que enfrentavam o todo-poderoso Pedro Barros, um malvado que perseguia a todos, especialmente aquela família que tinha a liderança de João Coragem, o personagem vivido por Tarcísio Meira no auge de seu esplendor de galã que reinou por muito tempo nas novelas da Globo ao lado de sua mulher Glória Menezes, que fez par romântico com ele naquela trama no papel de Lara, que se multiplicava por mais dois personagens, Diana e Marcia. João Coragem junto com os irmãos chegou lá em casa no início dos anos 70 e fazia o maior sucesso pelo seu rompante de heroi montado em seu cavalo ao melhor estilo dos faroestes americanos.
Mas a nossa família não assistia televisão sozinha. Com apenas dois aparelhos em Jaguara, logo os outros moradores foram em busca da nova diversão do lugar e a gente passou a ter a companhia de muitos outros moradores do distrito que todas as noites enchiam a sala lá de casa para ver o abobado Juca Cipó, a índia Potira, o jogador de futebol Duda, sua namorada Ritinha ou o vereador Jerônimo, personagens interpretados por artistas como Emiliano Queiroz, Lúcia Alves, Cláudio Marzo, Regina Duarte e Cláudio Cavalcanti, figuras que se tornaram conhecidas no Brasil afora. Afinal, eles ficaram mais de um ano no ar, no auge da audiência da Rede Globo que era uma unanimidade nacional com suas novelas de sucesso.
Televisão era um assunto tão importante naquela época e objeto longe do alcance da maioria da população da zona rural de Feira de Santana que logo virou política de governo do então prefeito José Falcão, que espertamente descobriu o quanto o povo gostava de assistir filmes e novelas. Ele mandou colocar aparelhos de TV na sede de todos os sete distritos de Feira, incluindo - é claro - Jaguara, que ganhou um equipamento instalado dentro de uma caixa de ferro trancada a cadeado em praça pública ao lado do mercado municipal, onde a turma passou a se reunir todas as noites para ver novelas como Selva de Pedra, Carinhoso, Bandeira 2, Cavalo de Aço e tantas outras, principalmente as novelas de época, que faziam especialmente a alegria de meu pai, que já conhecia as histórias através dos livros de autores nacionais como Machado de Assis,
Eu já tinha motivos de sobra para ter a TV num lugar especial em minha vida até que quase 20 anos depois da sua chegada em Jaguara quis o destino que eu fizesse parte da equipe de implantação da primeira emissora Globo no interior da Bahia, a TV Subaé, que faz parte da minha história há mais de 30 anos. Quem diria, o menino de Jaguara chegou na Globo que tanto admirava.
Plim plim!!!

Marcílio Costa é jornalista.

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