quinta-feira, 2 de agosto de 2018

MINHA MÃE TEM UMA BARRACA NA SALES BARBOSA




Minha mãe tem uma barraca na Sales Barbosa. Na verdade é um box, mas eu chamo de barraca. De quinze anos que moro aqui, 11 são dela com um comércio no centro. A gente é das antigas, ali. Da época que tínhamos que chegar 6:30 pra tirar os fardos do depósito de Dona Creuza, num bequinho da Conselheiro Franco, depois da Le Biscuit. Era uma hora só de arrumação.

Mesmo algumas pessoas já sabendo desse fato, eu sempre gosto de lembrar. São onze anos de Sales Barbosa. Onze no centro da cidade. Tenho 23 anos, então passei minha adolescência lá. Minha percepção de Feira de Santana vem do comércio. A comunicação, a forma de lidar com as laranjadas. Mapeei o centro a partir dali. Todos os caminhos levam à Sales Barbosa.

E, dentro desse tempo, percebi uma coisa: o comércio de Feira segue tendências. A primeira que vi foi o “boom” das óticas. Era ótica pra tudo quanto é lado. Uma cidade de cegos, quase. Mas parece que essa moda não deu tão certo. Se o tivesse, não teria tanta gente fazendo barbeiragem nas ruas daqui. Na trincheira da João Durval com a Presidente Dutra é até entendível, porque aquilo é confuso mesmo. Mas entrar duas vezes seguida na contramão da Fernando São Paulo? Isso é coisa de quem não usa óculos.

Depois foram as lojas de 10 reais. As POCs do comércio feirense. Era loja de 10 reais pra tudo quanto é lado. O Feiraguay já vendia roupa barata, mas por uma arara? 10 golpinhos? Isso só na Sales. Nem a Marechal entrou na onda tanto quanto a rua que é o coração dessa cidade.

As galerias até voltaram a ser moda, durante um tempo. O que eu, particularmente, curti. Nunca compro nada nelas, mas são ótimos atalhos. Na Senhor dos Passos tem uma mesmo com saída na Carlos Gomes. Sequer sei o nome. É perfeita pra quem quer ir até o Feira Tênis Clube. Sai quase de frente à Griffe do Atleta. Tem uma lotérica ali colada, também. Muito bem posicionada. Galeria top.

A moda, agora, são as farmácias. Já reparou na quantidade de farmácias? É uma pra cada pessoa residente do Tomba. Só ali, depois do A Mukeka, são 3: uma Silva, uma Pague Menos e uma FTB. Coladas. Cada esquina tem uma. Deve ter muita gente doente aqui, não é possível.

O Habbib’s fechou. Virou uma farmácia. Mais uma Drogasil. O povo dessa cidade deve ser burro de trocar aquela esfirra apimentada deliciosa por Dorflex. As pizzas eram ruins, mas aí é defeito da rede Habbib’s. Uma vez entrei lá com 10 reais. Pedi uma Coca de 600 ml e o resto de esfirra de carne. Pensei que eram 50 centavos por cada uma. No dia era promoção, 20 centavinhos cada uma. Fiquei ali no antigo espaço Marcus Moraes, de frente para a Lucidata, comendo esfirra e bebendo Coca. Parecia um pinto no lixo.

Perto da Pão Center, do outro lado da Frei Aureliano, havia uma Mr. Polo, ao lado de uma loja de produtos naturais. O cúmulo da gourmetização. Eu nem gostava de passar ali em frente, mesmo quando trabalhava na Nutrimar. Só o ar já queria me fazer comprar uma moto de 30 mil e uma calça de 800 reais. Aí as duas fecharam. Pensei que seria um boteco. Mas não, virou uma Extrafarma. Pelo menos a Mr. Polo sairia dali. Mas não, foi para o lado. Quem saiu dali foi a Fufs. Só derrota.

Mas nenhum lugar me deixou tão indignado quanto o Cine Íris. O Cine Íris! Fecharam aquele marco feirense para abrir uma Pague Menos. Me sinto um merda por ter nascido tarde demais para frequentar o cine antes de virar um cinema pornô. E o Cine Íris pornô meio que já funcionava como uma farmácia. A quantidade de Dipiroca e Parabucetamol que já passaram por ali não se escreve nem em uma folha de papel do tamanho da José Falcão. A recomendação máxima pra quem fosse ver um Brasileirinhas ou Panteras no melhor lugar que essa cidade já teve era não sentar nas cadeiras. Nem no chão. A probabilidade de um caco de xota voar na sua cara era de 300%. Nunca cheguei a entrar, o segurança era caro demais pra um pivete subornar. Isso não quer dizer que nunca tentei.

Com a porrada de clínicas na Maria Quitéria e de farmácias em Feira, a análise que faço é de que, sim, Feira está doente. E não tem nada que cure melhor a doença de uma cidade do que bregas. Puteiros mesmo. A demanda é sempre grande, só falta a oferta. Puteiro cura tudo. Substitui cada farmácia por um brega. Depois é só a CDL criar uma planilha de organização baseada na Câmara de Vereadores daqui. Pronto, aí é só sucesso. A putaria vai comer solta.

Alan de Sá é estudante de Jornalismo na FAT


quarta-feira, 25 de julho de 2018

SOBRE SOTAQUE, MÚSICA E IMAGENS NA NOVELA SEGUNDO SOL



Os intelectuais que me perdoem, mas gosto de novela. Verdade. Sou chegada a uma narrativa. Séries, documentários, filmes, nada escapa à minha condição de espectadora. Atualmente, assisto com muita atenção a novela Segundo Sol, de João Emanuel Carneiro, exibida às 21h, pela Rede Globo de TV.

E assisto com atenção porque é ambientada em Salvador, a nossa capital, dona de cenários de rara beleza, cantada por músicos como Dorival Caymmi e o poetinha Vinícius de Morais, para citar apenas dois expoentes da música que se faz na Bahia.

Sem dúvida um dos destaques da novela é a trilha sonora, que tem a cara de nosso estado: alegre, diversificada e cheia de ginga. Só para dar um exemplo, a regravação de Beleza Pura, do baianíssimo Caetano Veloso, com o tempero carioca da banda Dream Team do Passinho – leia-se Lellêzinha e seu time dos sonhos.

Como baiana que sou, filha dessa terra abençoada pelo Senhor do Bonfim, confesso que ando um tanto desencantada com os rumos do folhetim, que, em algumas situações não retrata nem de longe os costumes da Bahia de hoje.

Vou começar pela prosódia. Alguns personagens estão forçando a barra um pouco demais. Porque não falam normalmente, como o ator Vladimir Brictha, por exemplo? Exatamente porque ele é baiano e não precisa imitar o nosso linguajar.

Quem vem lá do Sul Maravilha acha que tem de falar cantando, arrastado, para parecer baiano. Ledo engano. O que pega mesmo é a entonação, que chega aos nossos ouvidos tão forçada! É certo que cada estado tem o seu sotaque. Imagine um baiano falando como carioca! Ridículo, não?

Mas faço algumas ressalvas. O ator Emílio Dantas, que encarna o cantor e compositor Beto Falcão, tem uma interpretação excelente, bem natural. Esse é também o caso do personagem de Chay Suede, Ícaro, que pegou o fio da meada. Usa os termos e gírias próprios da juventude baiana com muita propriedade, como meu brother, massa, tá ligado véi?, passe logo a resenha e as clássicas oxe, vixe e ó paí ó. Muito bom! Eu me divirto muito com termos que nós usamos, como por exemplo, essa desgraça! e diga aí? As expressões são bem próprias da Bahia.

Os cenários, no meu entendimento, deixam muito a desejar. Cadê as nossas praias paradisíacas? O pôr do sol visto do MAM – de arrepiar – que embeleza os fins de tarde da cidade do Salvador, ao som de belas canções, já que a novela gira em torno da música? É o caso de perguntar-se. Também sinto falta do Dique do Tororó. Da Lagoa do Abaeté e de muitas outras paisagens tão características de Salvador.

A corrupção, disseminada por todo o país, não poderia deixar a Bahia de fora. Concordo.  A novela toma de empréstimo o caso dos 51 milhões encontrados em caixas e malas abarrotadas em um apartamento do bairro nobre da Graça, em Salvador. E não deu outra: gaiola para o personagem do empresário Severo Athayde, muito bem interpretado pelo ator Odilon Wagner. Exatamente como aconteceu na vida real.

Por fim, a abertura da novela, salvo a música que dá nome ao folhetim, do cantor e compositor Nando Reis e imortalizada na voz inconfundível de Cassia Eller, agora na versão do grupo musical Baiana System, não prima pelo bom gosto. Com tanta coisa bonita para mostrar, o que aparece na tela não condiz com a vida baiana. É caricato. Posso até estar equivocada, mas essa Salvador da novela não me representa.

Socorro Pitombo é jornalista.

Feira, 20 de julho de 2018

quarta-feira, 11 de julho de 2018

IRREVERÊNCIA E TALENTO QUE DEIXARAM SAUDADE



Esta semana eu estava tomando café com dois amigos, quando um deles me perguntou, assim, do nada, se a jornalista Joana Morbeck tinha algum parentesco com o cantor Jota Morbeck, que eu conheci – e muito bem – no auge do seu sucesso como cantor. Era sua fã, no mais completo significado do termo. Como não sou de guardar as coisas, fiz a pergunta à própria Joana e a resposta me deixou muito feliz. Ela é filha de uma irmã de Jota, aquele menino irreverente e absurdamente talentoso que embalou muitas festas de rua, desde o início da década de 80. Foi aí que eu lembrei de um texto assinado pelo não menos talentoso Edilson Veloso, professor, radialista e pesquisador musical, publicado pelo site Feirenses em 12 de maio de 2017, na série Crônicas da Micareta de Feira. E o título da crônica, por si só, já dizia tudo: “O maior cantor de trio que já vi”. E aqui eu compartilho com os leitores do Tabuleiro da Maria, cheia de saudade. (Madalena de Jesus)


Se eu citar Juscelino de Oliveira Morbeck, talvez muitas pessoas estranhem. Mas se eu disser Jota Morbeck, vários lembrarão. Ele, sem dúvida, foi o melhor cantor de trio elétrico que eu vi e ouvi.
Jota era único na forma de versar uma boa música. Nascido em Ruy Barbosa, em fevereiro de 1962, veio para Feira de Santana em 1974. Era completo. Cantava de Caetano a Dire Straits. Sabia, como poucos, mudar um cenário na festa. Trilhou pela banda Mic Five e Lordão, e lembro-me de Jota Morbeck & Banda Gaiola Mágica.

No início da década de 80 ele surge como primeiro vocalista da Banda Eva. Foi destaque de vários carnavais, ganhando prêmios como melhor cantor. Também passou pela Banda Novos Bárbaros, onde emplacou os inesquecível hits “Melô do Halley”,”Ilê Birimba”, “Deboche” e “Descendo a Ladeira”, além do Trio Elétrico Tapajós, quando mandou bem com “Falabá”.

Morbeck fez inúmeras andanças por toda a Bahia, cantando quando ainda havia o Circuito de Micaretas em nosso Estado. Tinha uma característica inconfundível; a forma de se vestir. Ele primava pela elegância no quesito indumentária. Adorava camisas de seda, calça social e belos pisantes. Era comum chegar num hotel e vê-lo sentado à mesa com um litro de uísque, admirando a paisagem e esperando a folia.

“Jota foi para a música o mesmo que Pelé para o futebol; ele era único 
e jamais vai aparecer alguém melhor”

Seu talento era exaltado por onde passava, pois sempre deixava a sua marca, que era cantar divinamente. Em uma conversa com o artista Mairi Monte Alegre, veterano da música e amigo particular, ele pontuou sem pestanejar: “Jota foi para a música o mesmo que Pelé para o futebol; ele era único e jamais vai aparecer alguém melhor”.

Jota foi vítima da falta de reconhecimento por parte das pessoas que diziam fazer a Cultura local. Injustiçado, na época do Prefeito Clailton Mascarenhas, foi cobrar o cachê de uma apresentação e chamaram a polícia para ele. Mas como o talento morre com o dono, Jota seguiu fazendo o que mais sabia e amava: cantar e alegrar as pessoas. O gênio Morbeck foi para o céu em 27 de abril de 2000, e no ano seguinte, num ato de hipocrisia, a Prefeitura deu seu nome ao palco alternativo da Micareta.
Homenagem se faz em vida. Mas, certamente, ele foi recebido pelos Deuses da folia. Jota Morbeck é eterno! Repito: o melhor cantor de trio elétrico que eu vi e ouvi!

quarta-feira, 9 de maio de 2018

SANGUE E MEDULA





Algumas pessoas estavam sentadas em cadeiras até macias, mas nada atraentes. Era como uma sala de espera, mas ao ar livre, sob um toldo. Ainda bem, pois o tempo estava bem quente. Eu também estava em uma delas, levemente agoniado, como sempre. Quando estou apreensivo, tenho a mania de ficar mexendo a perna direita o tempo todo, algo que poucas pessoas reparam em mim.

Me chamaram. Sentei de frente para uma moça, tinha a pele parda como a minha e um cabelo curto, visivelmente pranchado. Ela vestia um jaleco por cima de uma camisa vermelha. Não reparei no seu nome, já que meu pé começou a se mexer novamente e prestei atenção somente nisto. Ela me fez algumas perguntas, pediu meu documento e tive que soletrar o nome da minha rua, o que já se tornou comum, pois ninguém acerta de primeira aquilo.

Depois ela me direcionou para outra mulher, mas esta não parecia tão solícita. Na verdade estava entediada. Eu não sou nenhum perito ou algo do tipo em expressões faciais, mas se tinha algo que dava para ver na cara dela era o tédio. E eu não sabia exatamente o porquê. A mania da perna voltou de novo, e desta vez fiquei em dúvida se era por conta da presença dela ou da máquina de aferir pressão arterial em meu braço. Já não sou dos mais fortes e todo aquele ar pressionando meu braço não era legal.

Ainda tinha algum tempo, minha ficha era a dezesseis. Tomei um café e comi um pão com manteiga meio amassado, do mesmo jeito dos que levo todos os dias para o trabalho. Não fumei naquele momento. Voltei para o local, mas não me sentei nas cadeiras em baixo do toldo, fui um pouco mais adiante, até um ônibus estacionado. Os adesivos eram em tons de azul, mas estavam desbotados, talvez por conta das constantes viagens.

Entreguei os papeis que a primeira mulher havia preenchido para uma moça de óculos no ônibus. Ela me pôs sentado numa cadeira de aço, como as de bares dos anos noventa, mas sem o nome de alguma cerveja e o glamour que só o ferrugem traz ao amarelo. Depois uma outra, alta e magra como essas modelos que se vê por aí, me levou para uma sala pequena. Fez várias perguntas, mais até do que a primeira. Perguntou até com quantas pessoas eu fodi em um ano. Depois me liberou.

A mulher de óculos me levou para uma cadeira e mais uma apareceu, mas esta era loira e pequena. Parecia que só havia mulheres ali, exceto o motorista, um gordo que estava jogado no banco do motorista. Ela me pôs deitado numa cadeira, estendeu meu braço e limpou com diversos produtos. “Abre e fecha a mão”, me disse. Prendeu tubos em outros tubos e coisas em outras coisas, até que veio com uma agulha tão grossa que parecia uma caneta, mas que doeu menos do que eu imaginei.

Mas então algo me veio à mente: quanto temos que não podemos compartilhar? Não sou um sujeito rico, muito pelo contrário, mas sempre há quem precise mais, quem tenha menos. E isto não é algo que está em nossas mãos, não de maneira direta. Lembrei do tédio que a mulher que aferiu minha pressão estava sentindo. Quantas vezes ela fazia aquilo todos os dias? Mas quantas vezes ela fez o que eu estava fazendo?

Cada vez que eu abria e fechava minha mão eu pensava que, talvez, tudo seja uma questão de consciência e percepção; talvez as pessoas precisem entender que com o pouco se faz muito. Que não é só o dinheiro que vira a mesa de alguém. E eu não tenho como afirmar pelas outras pessoas sentadas sob o toldo, ou pela alta e magra que me perguntou sobre minhas fodas e outras coisas, mas, quando aquela agulha grossa como uma caneta saiu do meu braço, me senti bem melhor do que antes de preencher aquele formulário e soletrar o nome da minha rua.

Hoje pela manhã me tornei doador de sangue e medula.

Alan de Sá,estudante de Jornalismo - 8º semestre

terça-feira, 6 de março de 2018

MULHERES ESCRITORAS: O QUE HÁ DE MELHOR NA LITERATURA



Os homens que se segurem diante da nova safra de mulheres na literatura brasileira e de outras plagas, com histórias de vida fascinantes e trabalhos tanto em prosa como em versos. São escritoras jovens, outras idosas mesmo, e é isso que me entusiasma! Mas a idade cronológica não tem a menor importância, diante do talento que se revela tardio.

É sempre tempo de mostrar o que se faz e o que se fez desde menina e só agora é apresentado ao público leitor. É o caso de Marcia Vinci, 84 anos, que começou a compor versos ainda garota e só agora com o incentivo da família e amigos, publicou o primeiro livro “Poemas do Sim e do Não”.

Nascida em Poços de Caldas, sul de Minas, e já há algum tempo residente em São Paulo, não por acaso ela escolheu Salvador para publicar o seu livro, que tem o selo da paraLeLo 13S, pequena editora da livraria Boto-Cor-de-Rosa. Um espaço que tem a proposta de recuperar a vontade de ter contato com boa literatura, ouvir música, conversar com amigos durante um café e, principalmente, se atualizar sobre os novos lançamentos do mundo das letras. Livraria super antenada, está situada na rua Marquês de Caravelas, Barra.

Em entrevista à revista Época, Marcia descreve as lembranças das férias, que passava com a irmã mais nova em são João da Boa Vista, interior de São Paulo, na casa da tia Quita, uma costureira. É dessa fase o poema que escreve sobre a tia, Quita: Tempo que não fluía/entre a novena e o bordado/tinha um boudoir/de dama recatada/com um quê/ de puta disfarçada. Já nessa época, Marcia revelava um espírito contestador, uma menina inquieta, corajosa e rebelde.

Nas férias, ela e a irmã ajudavam a tia nas costuras e à noite iam para a novena, onde a tia orava fervorosamente e se confessava todos os dias. Essa era a rotina, só quebrada quando as duas, impacientes, fugiam da igreja e ficavam na pracinha paquerando os garotos.

Depois do sucesso da publicação, que mereceu elogio entusiasta de Milena Britto, editora da paraLeLo 13S, e grande aceitação do público leitor, agora ela promete não mais engavetar poemas. Esperamos que a promessa se cumpra.

Uma freira feminista

Outra escritora de história palpitante é Maria Valéria Rezende, 75 anos. Como missionária já deu a volta ao mundo quatro vezes, alfabetizando adultos e crianças, trabalho que também desenvolveu no interior do Brasil. Foi amiga de Fidel Castro, já fumou maconha para ver como se sentia um viciado que ela cuidava. Morou na China, no Timor Leste, na Argélia e no México.

É de sua autoria o romance “Outros Cantos”,recentemente editado pela Alfaguara, 152 páginas. O livro lhe conferiu o prêmio São Paulo de Literatura (o terceiro troféu que recebeu em 2017). Já lançou quatro romances e uma coletânea de contos. Santista de nascimento, Maria Valéria atualmente mora em João Pessoa (PB), onde divide uma casa com mais quatro freiras.

Quando era menina as pessoas costumavam lhe perguntar se queria casar ou ser freira. Escolheu fazer os votos “pois achava mais divertido”, diz ela. Estudou em colégio de freiras e nunca pensou em se tornar escritora. O hábito de escrever começou nas viagens, quando não tinha nada pra fazer em lugares desertos.

Nessa nova etapa de produção, ela entende que os homens estão ficando para traz. “Eles estão se dedicando à literatura da brochada, o mimimi deles”, afirma aos risos a freira rebelde. Feminista assumida, Valéria agora  procura resgatar e promover escritoras brasileiras. Para tanto, se dedica ao Mulherio das Letras, grupo que ajudou a fundar e que reúne mais de 5 mil romancistas, contistas e poetas, aqui no Brasil e no exterior. “São as mulheres que estão escrevendo o que há de melhor”, resume a escritora.

Escritora que se revela

E o que dizer de Fernanda Torres?  Inteligente, precoce, aos 13 anos já atuava. Cresceu nas coxias dos teatros acompanhando os pais Fernando e Fernanda Torres. Frequentando esse ambiente ela fez sucesso facilmente na TV e no teatro. Antes dos 30 anos tinha já uma carreira de atriz  consolidada. Então resolveu virar a mesa. Estava cansada! Enveredou pela literatura, para se reiventar e mudar de rumo, a princípio escrevendo crônicas para jornais e revistas.

“Fim”, o seu primeiro livro foi publicado em 2013, pela Companhia das Letras, sucesso garantido, o que lhe rendeu mais de 180 mil exemplares vendidos e foi traduzido para sete línguas. Convenhamos, bem acima da expectativa para uma iniciante! O romance conta a história de cinco velhos amigos do Rio de Janeiro, que à cada dia sentem que a vida está chegando ao fim. Diante desse fato inevitável, os personagens recordam paixões e traições do passado, manias, inibições, vergonhas e covardias.

Imbuída dessa vontade de fazer diferente, usando o humor como referencial, Fernanda interpretou, simultaneamente, a Vani de “Os Normais” e a Fátima de “Entre Tapas e Beijos”. Essa disposição dá bem a dimensão da versatilidade da atriz, que passeia com facilidade entre a TV, o teatro, o cinema e a literatura.

Atualmente, Nanda, como é conhecida na intimidade, se prepara para a volta à TV, na série “Sob Pressão”, que estréia em junho, e acaba de lançar o segundo livro, sob o sugestivo título “A Glória e seu cortejo de horrores”, também editado pela Companhia das Letras, 216 págs. O romance a colocou no patamar das escritoras mais vendidas no Brasil. Desde que chegou às lojas em dezembro de 2017,  a publicação  só ganha elogios.Foi destaque na revista The New Yorker e será traduzido para o francês.

Construindo com maestria os caminhos do tempo de um ator-, o que conhece muito bem-, o protagonista começa no teatro experimental, conhece a fama no cinema e como galã de novelas, até chegar à  extrema decadência.  O personagem chega ao fim de linha, num folhetim bíblico, enfrentando uma platéia de pessoas bêbadas e sonolentas, experiência que a própria Fernanda vivenciou, ao subir ao palco para enfrentar espectadores desinteressados.

Num país que lê pouco como o nosso, é estimulante o surgimento de novas escritoras, como essas que só engrandecem a literatura brasileira, nos encantam e nos emocionam. Esperamos que o público leitor desperte  a curiosidade sobre o que elas têm a nos dizer.

Socorro Pitombo, jornalista

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

AS VOLTAS DO MUNDO: UMA HISTÓRIA DE ENCONTROS E DESENCONTROS



Quanto menor a cidade do interior, maior a celebração do santo padroeiro. A própria Feira de Santana, em tempos idos, já registrou inesquecíveis festas em louvor a Senhora Santana. Assim, não foi diferente na pequena e rústica Lagoa Grande, com suas novenas, missas, batizados e crismas, promessas, confissões e outras demonstrações de fé em homenagem a Santo Antônio.

A festa coincidiu com a chegada à cidadezinha de uma moça elegante e de rara beleza, que destoava de todo aquele cenário. Em meio à multidão que chegava dos mais variados recantos para os festejos do santo e se aglomerava na única pracinha do lugar, a figura da desconhecida ao deixar a boleia do caminhão, vestida com luxo e apuro, chamava a atenção de todos.

É só o começo do livro "As Voltas do Mundo”, de autoria de Jailton Batista, que por muito tempo atuou como jornalista em Feira de Santana. Com 424 páginas, o romance tem o selo da Editora Kelps – Goiania-GO e foi lançado em Feira no ano passado, no casarão Froes da Mota.

A narrativa prende o leitor de imediato e vai revelando a história da formosa Francisca, a Tita, e mais tarde conhecida como Chiquinha, que ainda na adolescência fora seduzida por um fazendeiro de meia idade, Pedro Mesquita, proprietário de vastas extensões de terra, que se estendiam desde o Recôncavo até o sertão, onde o seu pai trabalhava como capataz na fazenda Serra da Esperança.

Esse episódio vai nortear a narrativa do livro, envolvendo o leitor em uma série de acontecimentos, como o afastamento da família, a prostituição, a vida de uma menina que cresce enganada em relação a sua origem, entre outras situações que o autor explora com uma linguagem fácil e atraente, característica dos bons jornalistas.

Entre os personagens principais, destacamos a própria Francisca e Pedro Mesquita, já mencionados, além de Isabel. A construção psicológica e social de cada personagem é um ponto de destaque da estrutura narrativa do livro. As personalidades antagônicas das duas grandes mulheres da obra arrebatam o leitor. A inocência de Tita, o jeito simples de moça da roça, que nem se dava conta da sua beleza, contrasta com a inteligência, elegância e persistência de Isabel, que, com a sua independência profissional, encarna o “empoderamento” feminino, tão em voga na atualidade.

Outro aspecto que chama atenção no livro é a forma como a narrativa vai delineando os personagens secundários. São figuras emblemáticas de cidades interioranas do sertão: Zuleido, o velho Zuca, dono de um bordel, mas também devoto de Santo Antônio; frei Montalvão, um grande consultor para assuntos de toda ordem ou, como descreve o autor, uma “velha raposa eclesiástica”; Chico Sabedoria, o locutor do serviço de auto-falante de Lagoa Grande, exímio noticiador e poeta de primeira.

Também há de se ressaltar a dançarina do circo de touradas, Carmen Soarez, com seu corpo esbelto que deixava a plateia entusiasmada. Sem esquecer o velho Jurubeba, que reunia curiosos na farmácia de Anphilófio, para contar sua peleja contra uma caipora, durante caçada, facão em punho, mata adentro. A façanha levava as pessoas que o ouvia ao delírio!

A grande capacidade de descrição em detalhes não só das situações e seus contextos, mas dos lugares e ambientes é um dos atributos da narrativa de Jailton Batista. Tal preciosidade em apresentar as circunstâncias nas quais os acontecimentos se desenrolam faz com que o leitor se transporte para os eventos que compõem a história. Com a responsabilidade dos bons jornalistas, ele se debruçou com afinco sobre a pesquisa, consultando e ouvindo histórias e causos de pessoas como Everaldo Maia e o trovador José Souza, conhecido como José Esposo, para enfim construir o texto.

Esse é o segundo livro de Jailton Batista que também é autor de “Duas mulheres, quatro amores e uma guerra civil”, seu romance de estreia, editado no Brasil e em Angola. Com uma prosa coesa e sensível, ele agora nos acena com a possibilidade de mais uma publicação, desta vez centrada em Feira de Santana

Socorro Pitombo, jornalista.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

TABULEIRO DA MARIA, UMA VIAGEM AO PASSADO



"Ler Tabuleiro da Maria, da escritora Madalena de Jesus, nos marca profundamente. Escritora só? Não. Professora e muito mais. Um currículo tão rico que chega a ser invejável. Fiquei sua fã".




Desde o lançamento do “Tabuleiro da Maria”, em março do ano passado, projeto que fez 2017 ser tão especial, tenho recebido manifestações de carinho e comentários sobre os textos publicados. Todos muito generosos e alguns surpreendentes. Como o da advogada Denize Marina Almeida, leitora atenta e conhecedora da maioria dos personagens retratados, que fez uma viagem no tempo lembrando passagens da própria vida através do conteúdo do livro. A título de esclarecimento, o professor citado no final é Joel Derivaldo, também advogado, já falecido. 


Madá, Ler Tabuleiro da Maria não somente emociona como também nos enleva e enriquece mais ainda os nossos conhecimentos. Tudo que li é difícil traduzir com palavras. Sem invadir privacidade você nos envolve, nos remete ao passado e com muito respeito fala sobre todos e demonstra uma amizade tão fiel que é gostoso demais de se ler.

É maravilhoso e confortante ler o que você escreve. E aos pouquinhos, vamos nos identificando, nos envolvendo com seus belíssimos textos. Sabe Madá! me encontrei em muitos capítulos. Por exemplo: “NÃO QUERO SER CUMPRIMENTADA NO DIA DOS PAIS”. As circunstâncias me trazem lembranças, muitas lembranças, mas uma me marcou muito: Meu pai se foi quando tinha quarenta e dois anos. Deus o levou para a “sua” Glória, e eu tinha apenas oito anos. 

Quando li Tabuleiro da Maria voltei ao passado, um passado que orgulha, envaidece e aguça a memória. Entretanto nada mais me emocionou do que “RECORTES DA MEMÓRIA”. Seo ZINHO, com certeza, era na vida fenomênica um líder, um verdadeiro filósofo. As raízes do corpo de seo Zinho poderiam não levá-lo a lugar algum, exceto ao coração das pessoas que tiveram a felicidade de conhecê-lo. Foi uma pena eu não tê-lo conhecido.

Quem lê Tabuleiro de Maria, aprimora os conhecimentos. No meu caso, me fez também voltar ao passado quando você lembrou com muita propriedade Carlo Barbosa. Ele foi colega na Escola primária de minha irmã Deuza, era Escola Anexa à Escola Normal de Feira, que funcionava onde hoje funciona o CUCA.

Depois vi outros mencionados e destacados como o fotógrafo e artista Reginaldo Pereira, (REGI) amigo e irmão em Cristo do meu inesquecível e saudoso irmão Joel. Juntos fundaram, no final dos anos 1970 (78/79) e início dos anos 1980, o Boco Hora, juntamente com Nilza, filha de seo Miguel (Miguel da Casa de Ervas), cuja concentração era na Praça da Matriz. Naquela ocasião não se falava em “abadá”, era mortalha, estandarte e um relógio pintado e marcando meia noite.

E Dimas? Será Dimas Oliveira filho de professora Hilda? Se for, foi meu colega na escola Anexa, (CUCA) curso primário. E Gil Mário (foi entrevistado ontem pela TV Subaé) será o neto de Dr. Áureo Filho? Fomos colegas no Colégio Santanópolis.

Voltei ao passado e vi na memória Silvério Silva. Esqueci do show. Depois lembrei. Egberto Costa, que nos deixou precocemente, foi meu colega no Colégio Santanópolis. E Marcus Morais? Idem. Trabalhamos como professores no Colégio Ubaldina Régis, (Tanque da Nação) e ele também foi professor do meu filho Joel Sobrinho, no Colégio Antares.
Voltei ao passado e isto muito me honrou. Fiquei imensamente feliz. Talvez nem precise mais fazer “terapia” depois da leitura desse livro: Minha escritora famosa e minha psicóloga querida. Te amo.

E quando pensei que a minha memória estava completa de tanta riqueza e novidade do passado exposta por você, li FIGURAS QUE SE ETERNIZARAM e encontrei Adelson Brito, lembrei dos figurinos extravagantes sem perder a beleza;  Lucílio Bastos, irmão gêmeo de Lucíndio, que moravam no bairro Tanque da Nação, bairro importante pela abundância de tanta água, havia um tanque bem no meio da rua, com tampão, que abastecia os reservatórios das pessoas que moravam no bairro, e  por conta da “civilização”, foi soterrado e coberto por asfalto. Certamente o gestor daquela época não pensou no futuro.

E Ivanide? Vou lhe contar um episódio: Nos anos 2003 ou 2004, eu ensinava no Colégio Ubaldina Régis e a Ilustre Ivanide foi convidada pela diretora da Escola para proferir uma palestra. Tema: Desigualdade racial, falta de políticas públicas etc... Até esse dia, nunca tinha visto o “Ubaldina” tão silencioso. Todos se calaram para ouvir a palestra e no final fizerem perguntas. Tenho certeza que para ela foi um dia feliz, apesar de estar acostumada a fazer palestras por esse “brasilsão” afora.

Lembra que seu professor de Desenho, um jovem estudante de Direito da UFBA, que era meu irmão e você aprendeu a gostar dele? Amo você.

Quanto ao seu livro: PARABÉNS!

Os personagens devem considerar-se imortais.

Denize Marina de Almeida

4.11.2017, terça feira.