terça-feira, 19 de maio de 2020

ENTRE COSTURAS E BORDADOS NA QUARENTENA



Sempre fui péssima em trabalhos manuais. Quando estudante no ensino médio, volta e meia a professora de Artes, a estimada “Paquinha” – quem lembra? – me alfinetava por não fazer direito uma bainha aberta, pregar um botão, fazer um bordado em ponto cruz ou ponto cheio.

Minha mãe era excelente em costura e bordado, pena que eu não soube aproveitar. Preferia bater perna até a loja Pires, casa comercial que era um verdadeiro magazine. Ali tinha um pouco de tudo, tecidos, utilidades domésticas, roupa de cama e banho… e muito mais. Já a loja Caldas, na avenida Getúlio Vargas, além desses produtos, também oferecia toda uma linha de higiene e beleza como o rouge (hoje blush), batons, esmaltes para as unhas, perfumes e cremes, itens indispensáveis na necessaire de toda mulher.

Hoje, nesse isolamento forçado, quando nos sobra muito tempo em casa, sinto falta de fazer um crochê, um tricô, alguma costura ou bordado. A inspiração me chega das postagens de amigas prendadas, exibindo peças decorativas e de utilidade doméstica, como toalhas de prato e tapete para cozinha, além de máscaras, é claro. Quanto a mim, só sei mesmo escrevinhar essas linhas.

A verdade é que tem muita gente se virando nessa quarentena, fazendo coisas impensáveis, como tonalizar e cortar o próprio cabelo. Agora, com o decreto governamental que considera serviços essenciais (?) os salões de beleza, academias e barbearias, nem é mais preciso tanto esforço para melhorar a aparência, fica por conta dos profissionais.

Limpar a casa já não é mais um serviço tão estafante. Sem a ajuda das diligentes domésticas, que também estão ficando em casa como precaução ao coronavírus, a vassoura elétrica é uma aliada. Que o diga a minha nora, que tirou a dela do armário e num instante tem o piso limpinho. Há também aquelas que estão optando pelo robô para varrer o chão! Uma novidade dos tempos modernos. Só precisa ter grana, porque o tal aparelho custa os olhos da cara.

No mais só resta a certeza de que os novos tempos exigirão de todas as pessoas novas habilidades. Quem sabe eu não aprenda a fazer flores? Costurar uma máscara, fazer um bolo, ainda que seja 0% lactose, já que ainda tenho que enfrentar essa restrição. Mas não reclamo. Afinal, comer sem glúten e sem lactose está super na moda e, antes de tudo, é saudável.

Enquanto isso, permaneço em casa quietinha, mesmo porque faço parte do grupo de risco e prezo muito a minha vida. Os livros são meus companheiros de sempre e agora as lives também. No WhatsApp ouço os poemas declamados por Faní, espalhando beleza nesses dias difíceis. Da varanda de casa vejo a rua quase deserta, os outdoors e a quadra de esportes vazia, nesse finalzinho de tarde de um domingo qualquer. Vida que segue na esperança de que não demora muito e tudo isso vai passar.

Socorro Pitombo, jornalista

Texto publicado originalmente no Blog da Feira

terça-feira, 5 de maio de 2020

SOBRE ABRAÇOS, SAUDADE E O JARDIM DA UNIFTC



Estou há exatos 52 dias em casa, afastada de minhas atividades presenciais na UniFTC Feira de Santana e na Câmara Municipal. Uma questão de precaução, já que faço parte do grupo de risco para o invisível e temido Coronavírus. E, ao contrário do que sente a grande maioria das pessoas que vive situação semelhante, não acho isso ruim, pelo contrário. Afinal, agora eu tenho algo que há muitos anos buscava em minha labuta diária: tempo.

E é exatamente a noção de disponibilidade do tempo, mesmo com tarefas profissionais a serem cumpridas, que tem me levado a rever minha postura diante da vida e das pessoas com quem a divido. Há muito tempo ou há alguns poucos anos. Nesse percurso, até a distância ganhou um novo significado. Nunca tantas ideias foram discutidas com tamanha intensidade entre meus colegas de trabalho e superiores. É isso mesmo, a internet aproxima, mesmo de longe.

Nesse novo formato de trabalho, adotado de forma inevitável por conta  do distanciamento social imposto pela pandemia, Feira de Santana está tão próxima de Itabuna e Eunápolis, como de Juazeiro, Petrolina, Conquista, Jequié e Salvador. A cada reunião, estamos juntos na tela do computador. Bem mais perto do que antes. Ficamos mais íntimos também. Compartilhamos textos, lives, postagens, fotos, preocupações, da mesma forma que dividimos aflições pessoais.

E não é exagero. Em tempos de isolamento, até a morte chega com nova roupagem. Domingo (4/5), acordei com a notícia de que uma boa e velha amiga havia deixado essa dimensão. Maria Mercês Pimenta tinha 87 anos e durante muito tempo estivemos bem próximas. Não nos últimos anos. Falei com dois de seus filhos e uma nora e remexi meus arquivos em busca de fotos para relembrar momentos que não serão mais vividos. E nesse emaranhado de emoções, nada aplacou a falta do abraço em seus familiares, especialmente Cristina, sua parceira de vida, com quem ainda não tive coragem de falar.

Sentimentos parecidos devem ter sido experimentados pelos familiares e amigos do compositor Aldir Blanc e do ator Flávio Migliaccio, que fizeram a viagem definitiva no mesmo dia. Nunca os vi, a não ser por meio da ressonância de suas respectivas obras. Mas senti a dor dos seus como se fosse minha. Mais uma vez a noção de distância se desfez e, ao ler a carta atribuída ao ator comediante, um vazio enorme tomou conta de mim. Realmente, está muito difícil viver nesse mundo podre, com a humanidade infectada por sentimentos mais devastadores do que um vírus mortal.

A saudade é enorme. De todos e de tudo. O que eu quero mesmo é voltar a viver normalmente, sem essa lança apontada para nossa cabeça, vendo o lindo jardim da UniFTC todos os dias. Mas sei que por enquanto e, ao que tudo indica, por muito tempo ainda, isso não será possível. Continuarei vendo meus netos, minha filha e demais pessoas queridas por vídeo chamadas, aproveitando o tempo que estou em casa para cuidar do lugar onde vivo, fazendo do whatsapp um elo com meus amigos e colegas de trabalho. No mais, vou guardar todos os abraços e a saudade.

Madalena de Jesus, jornalista e professora de Literatura e Língua Portuguesa