quarta-feira, 30 de junho de 2021

UM MOLEQUE SESSENTÃO



Por Marcílio Costa* 

Parece um filme em velocidade aumentada quando a gente se da conta que o tempo andou depressa demais. O sentimento é meio confuso, como se não acreditasse que o ontem foi há tanto tempo. A memória ainda guarda nitidamente as imagens do moleque que subia e descia as ruas poeirentas e pedregosas de Jaguara, um lugar que me deixou muitas coisas boas da minha infância, mas que também me remete a dificuldades, principalmente financeiras. 

Ainda bem que a vida é feita de sonhos. Muitas vezes sonhos tão simples quando vistos depois em outra perspectiva. Sonhar em assistir televisão hoje parece tão prosaico, principalmente depois de passar mais de metade da minha vida trabalhando numa emissora de TV. Mas esse era um dos meus sonhos na velha Jaguara sem energia elétrica até os meus 8 anos de idade. Ah, como esquecer a cena da primeira noite que a luz se acendeu como mágica e deixou enlouquecidos os cachorros da pequena vila ao verem a noite virar dia. Não paravam de latir. Parece cena de filme que não sai da minha cabeça toda vez que me pego tratando de algo muito importante em meu trabalho de FAZER televisão.

Como esquecer a chegada dos circos mais vagabundos que já conheci em minha vida e que eram a alegria daquele menino que corria atrás do palhaço toda a tarde enquanto ele saia pela ruas anunciando o espetáculo daquela noite:

- Hoje tem espetáculo? 

E a molecada respondia gritando:

- Tem sim, senhor!

- Então arrocha, negrada, emendava o palhaço se equilibrando em cima das pernas de pau nas ruas cheias de pedra enquanto anunciava o horário da "função" naquela noite.

Era uma alegria, embora eu fosse proibido por meu pai de deixar o palhaço carimbar meu braço, o que garantiria o direito de entrar de graça no circo. "Isso é coisa moleque."

E os "moleques" foram o motivo de uma visita do delegado a minha mãe para recriminar porque ela permitia que eu brincasse com esses "moleques" depois que acertamos uma bolada na janela de uma casa. E minha mãe, com sua sabedoria, encerrou a conversa rapidamente:

- Se ele não brincar com os moleques, vai brincar com quem?

Os "moleques" na verdade eram meus companheiros dos babas, das pescarias no rio Jacuípe, na montagem do balanço na árvore. Enfim, personagens de uma infância pobre, mas cheia de histórias e alegrias num mundo que não ofereceu oportunidade para a maioria deles.

É com o espírito desse eterno moleque de Jaguara que chego aos 60 anos. Muitos daqueles sonhos de lá de trás se tornaram realidade. Muita coisa que vivi e vivo foi muito mais do que eu sonhava. Deus foi muito generoso comigo. É confiando sempre na sua generosidade que continuo aqui com meus sonhos ao lado da minha família e dos amigos. 

Obrigado, Senhor!

Marcílio Costa é jornalista

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