terça-feira, 29 de junho de 2021

A RENDEIRA

 



A mulher lá no fundo da praça

Sentada, deserta, terna paisagem compunha

Sobre o colo imensa almofada

Estranha barriga lhe surgia

Dançavam bilros

Bailavam alfinetes

Orquestra imensa a mulher regia

Tramas infinitas

Singelos cenários

E a mulher lá no fundo da praça 

Labirintos tecia

O tempo triste corria

O vento a canção bramia

E a mulher lá no fundo da praça

Caminhos infindos percorria

Passava boi

Passava boiada

Aboios medonhos

Badalos sinistros

Prelúdio de morte em canção sombria

E a mulher lá no fundo da praça

Impávida, inabalável

Tamborilhava bilros

Colhia à mão cheia notas musicais

Doce algaravia!

E eu de longe espiando tudo

E a rendeira castanholando

Completamente me rendia

Até hoje me indago

Como aquela mulher lá no fundo da praça

Imersa em solidão

Desenhava rios de partitura

E cobria minha infância

Com toalhas, colchas e lençóis

De singelas texturas?

Bem mais tarde tudo a mim se revelaria:

A mulher de dupla barriga

Naquele instante a vida paria.


Jailton Batista, jornalista e escritor 

4 comentários:

  1. O eu lírico despontando no coração de um menino poeta...

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  2. Simplesmente lindo. Parece que a gente se teletransporta pro passado

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  3. Abençoada sou por ter visto, ombreado com ele em vários trabalhos, e ser testemunha eterna de que Jailton Batista, o mestre, o escritor, a mente brilhante, o amigo verdadeiro,simplesmente É, simplesmente existe.
    Obrigada por me ter entre seus amigos!

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