domingo, 5 de janeiro de 2020

SOBRE O TEMPO, O AMOR E A MORTE



De repente me deu uma vontade enorme de escrever cartas. Na verdade, primeiro veio um sentimento de nostalgia. Sabe aquela saudade que vem e ocupa todos os espaços do coração? Pois é exatamente assim. Saudade de pessoas que estão distantes, geograficamente ou não; de situações vividas lá no passado, que parece que estão aqui, agora; de sentimentos reprimidos pela falta de coragem de torná-los públicos. Ou seria compartilhar?

Junte-se a tudo isso o filme Beleza Oculta (originalmente Collateral Beauty), estrelado pelo sempre maravilhoso Will Smith, que vive um publicitário depressivo. Após a morte da filha de seis anos de idade, ele se isola na própria dor e a única forma de comunicação que ainda o mantém vivo é escrever cartas. Os seus destinatários, como era de se esperar, não são pessoas, mas o Tempo, o Amor e a Morte, representações abstratas dos valores da vida.

Passaria todo o tempo aqui falando do filme, uma história atualíssima e tão bem contada, na qual os seres abstratos são transformados em pessoas, que passam a interagir com o personagem de Smith. Mas volto ao ponto inicial sobre o meu súbito desejo de escrever cartas. No meu caso, os destinatários não seriam abstrações e sim pessoas com as quais eu perdi a conexão física, não a emocional.

Fiquei pensando quem seria o primeiro destinatário. E, por razões óbvias, pelo menos para mim e todos que me conhecem de perto e sabem a importância dele em minha vida. Sim, meu pai. Lembro que certa vez em um curso de redação, a professora Lívia Aragão sugeriu que escrevêssemos uma carta. Eu parecia aquela menina da escola Professora Maria Valongo de Carvalho, no povoado de Picado, em Conceição do Jacuípe. Compenetrada e movida pela emoção.

Além de um generoso 10, grafado no alto da folha de papel arrancada de um caderno qualquer, eu tive uma avaliação ainda mais importante dessa carta: a emoção de meu pai ao ler aquelas palavras, escritas rapidamente, mas que permaneceram em sua memória e na folha de papel que guardou por um bom tempo. Assim como eu ainda guardo cartas da doce e guerreira Elis Regina Machado. Era a nossa forma de comunicação, quando deixamos Feira de Santana. Ela para estudar em Aracaju (SE) e eu para trabalhar em Itabuna, no Sul da Bahia.

Diante de tanta intolerância na redes sociais e de minha própria intolerância para conviver com essa realidade, tenho me afastado cada vez mais dessa ferramenta, que ao mesmo tempo que aproxima, aumenta a distância entre as pessoas. Garanto que não vai faltar assunto para escrever cartas. Todos os dias, se eu quiser – e tiver tempo. E quando falhar a criatividade, posso falar sobre o Tempo, o Amor e a Morte. E eu já tenho uma lista enorme de destinatários. Nesta e em outras dimensões de vida.

Madalena de Jesus, jornalista e professora

2 comentários:

  1. Tocante, Madá! Qndo cheguei em Feira, em 2003, ainda havia troca de cartas e no Colégio Santo Antônio era uma "mania". Em aniversário, por exemplo, recebíamos várias cartinhas de amigos e trocávamos tantas outras ao longo do ano. Eu tenho uma caixa de cartas guardadas dessa época. Não só do pessoal da escola, como familiares. Privilegiada q sou, no meu aniversário do ano pasado recebi um carta bem especial de um amigo e é um amor na minha vida, acompanhada do DVD de Cidade do Anjos, dá pra vc? rs Lembra q te falei q ganhei esse filme e vc me disse q é apaixonada por ele? Recentemente assisti A Casa do Lago pela primeira vez, q tem o enredo baseado em troca de cartas, e me foi indicado pela mãe desse mesmo amigo. Dos gestos e emoções q tocam a alma e dão sentido a vida da gente ❤

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  2. Obrigada,Isa. O filme citado no texto é muito interessante, porque mostra a importância do hábito de escrever e fazer desse meio de comunicação uma forma de mostrar a própria alma e buscar a cura. Tanto que todos acabam envolvidos. Realmente, uma linda história. E vamos escrever cartas, então...

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