segunda-feira, 7 de julho de 2014

DE LOCUTOR DE PORTA DE LOJA A NARRADOR DE COPA DO MUNDO






 Paulo Sérgio Coutinho de Freitas, ou Paulo José, como é conhecido. 
Com aproximadamente 30 anos de rádio, PJ já se consolidou como um dos ícones da crônica esportiva, que no vasto currículo está escrevendo mais uma página ao participar da cobertura da Copa do Mundo no Brasil, a segunda,  pela Rádio Sociedade de Feira de Santana. Nesta entrevista o homem que começou como locutor de porta de loja conta como se tornou um consagrado narrador esportivo que coleciona vários feitos, dentre eles a transmissão de uma decisão de Copa do Mundo. 

FOLHA DO ESTADO – O rádio surgiu na sua vida por um acaso, ou o senhor já imaginava um dia trabalhar com a comunicação?

PAULO JOSÉ – Não, de maneira alguma o rádio foi um acaso, mesmo porque, quando a gente ainda é criança, ou mesmo adolescente, já se tem mais ou menos uma ideia de qual a profissão vai exercer e este foi o meu caso. Sempre gostei de jogar futebol e já na minha adolescência, quando ia bater baba com os colegas, lá no bairro Kalilândia, eu muitas vezes deixava de jogar, arrumava um cabo de vassoura e ia para a beira do campo narrar o jogo. Minha referência, naquele tempo era um locutor que trabalhava na Rádio Excelsior da Bahia chamado Paulo José. Eu adorava ouvir as suas transmissões e começa a imitá-lo quando ficava à parte irradiando as peladas. Com o passar do tempo, muitos amigos de baba começaram a dizer “é melhor você narrar do que jogar bola” (risos). Aí foi que realmente eu comecei a perceber o que eu queria para minha vida.

FE – Mas, quando foi que o desejo de ser um comunicador se tornou uma realidade?

PJ – Eu estudei nos colégios Leolinda Barcelar, Oliveira Brito, Agostinho Fróes da Mota e já no começo da juventude fui trabalhar como comerciário. Foi justamente nesta oportunidade que tive de fato o primeiro contato com o microfone, sendo locutor de porta de loja: o gerente do estabelecimento onde eu trabalhava, por nome Belisário, me mandava anunciar os preços dos produtos, as promoções do dia e foi desta maneira que um dia, alguém passou e me viu fazendo locução e me indicou para trabalhar no serviço de auto-falante do meu amigo Antônio Sotero, lá no Alto do Cruzeiro e lá fui eu, ser locutor de serviço de alto-falante que ficava instalado lá no antigo coreto da praça do Cruzeiro. Então o Sotero percebendo o meu dom começou a um levar para a Rádio Fundação de São Gonçalo dos Campos, onde já atuava como radialista e foi justamente lá que eu comecei no rádio e lá também foi onde tive a minha primeira experiência na terceirização porque com pouco tempo, eu fui chamado para fazer parte de um programa terceirizado.

FE – Então pode se dizer que foi um começo complicado no rádio?

PJ – Talvez a palavra “complicado”, seja forte demais. Eu diria que foi difícil, mesmo porque muitas pessoas pensam que é só você ter uma boa voz, ter uma oportunidade, entrar e deslanchar. Isto não é verdade porque nada na vida nada é fácil e eu passei por muitas dificuldades, como por exemplo, de muitas vezes não ter dinheiro para ir para São Gonçalo. A minha mãe, na época era viva, e ganhava vida lavando roupa e muitas vezes tirava um pouco do que ganhava para me dar o valor da passagem para que eu pudesse correr atrás da concretização do meu sonho. Nada é fácil, mas quando você tem perseverança e ajuda das pessoas tudo fica melhor e neste sentido sou muito grato as pessoas que me ajudaram.

FE – Uma vez no rádio, a comunicação esportiva veio de imediato?

PJ – O primeiro contato com o esporte veio através de um convite para trabalhar na antiga Rádio Carioca, hoje Rádio Povo. Na época, o saudoso Marivaldo Bastos tinha uma equipe esportiva e precisava de um plantonista, já que ele e o Jota Alves eram os narradores. Então fui para este desafio, mas achava que não daria muito certo, porém persisti. Depois de uma passagem pela Antares FM (hoje Jovem Pan) vi que o AM era realmente a minha praia e tive oportunidade de ir para a Rádio Cultura e lá passei a fazer parte da equipe esportiva como repórter de pista e exerci esta função por muito tempo. Tive a oportunidade de retornar a Rádio Carioca, como repórter na equipe de Jair Cezarinho e no começo de 1993, por indicação do Rogério Santana fui contratado pela Rádio Sociedade para ser titular na cobertura diária do Fluminense de Feira.

FE – O garoto Paulo José gostava de narrar futebol e uma vez no rádio começou com repórter. Então quando veio de fato a ser narrador esportivo?

PJ – Nas emissoras que trabalhei, sempre tive a oportunidade de narrar esporadicamente, colocando em prática o que eu fazia na época de garoto, me espelhando no Paulo José. Me espelhei tanto, que até meu nome é Paulo Sérgio Coutinho de Freitas, mas adotei o nome de Paulo José em homenagem a minha primeira grande referência de narrador esportivo. Apesar de narrar, ainda me sentia nervoso, inseguro, tinha medo, achava que não daria certo e sempre adiava esta decisão de ser narrador. Porém fui incentivado pelos companheiros Rogério Santana, Jair Cezarinho e Itajay Pedra Branca, que também passaram a ser as minhas grandes referências no rádio, encarei este desafio de ser narrador e graças a Deus, com este meu jeito de ser, me firmei na função, que dentro da crônica esportiva é a mais complicada de fazer e a maior prova disso é que há pouca renovação de narradores esportivos no mercado.

FE – O senhor é conhecido também pelos famosos bordões, como “De rádio pregado no ouvido”, “Arreia, arreia”, “Correndo a sacola”, “Batendo boca de calça”, “Jáaaaa?”, “Acelera, acelera”. Como é que surgem estas ideias?

PJ - (muitos risos) Rapaz é cada coisa que a gente diz, que a gente faz que tem horas que paro e penso “Fui eu mesmo quem falei?”. São coisas que muitas vezes sai assim na hora e que acaba pegando. Por exemplo, o “Arreia, arreia”, é de uma música do Durval Lelys, que ficou na minha mente depois de ter transmitido um carnaval em Salvador. Aí eu vi que as torcidas, quando tinha jogos na Fonte Nova também gritavam isso. Então pensei “Vou lançar isso nas transmissões” e lancei. Não é que pegou? Hoje eu passo nas ruas e o povo grita logo “Arreia PJ” (risos).

FE – Depois de muito e muito tempo, o senhor enfim cobriu uma Copa do Mundo. Como isto aconteceu?

PJ – Eu poderia ter ido a uma Copa do Mundo, bem antes do que eu imaginava. Porém me achava ainda despreparado para fazer a cobertura de um mundial, que de fato é uma marca na história de um cronista esportivo. Em 2010, mesmo com o nome consolidado na narração esportiva, eu ainda eu relutava muito para ir, mas depois da insistência do Dilson Barbosa e do Jorge Bianchi encarei o desafio e fui para a África do Sul. Fizemos um belo trabalho ao lado dos companheiros da Metrópole FM, Edson Marinho, João Andrade e Camila Cintra. Agora estou na segunda Copa do Mundo e há poucos dias tive o privilégio de estar em Fortaleza/CE, no Estádio Castelão, onde ao lado do Rogério Santana, transmiti o empate de 0 x 0 entre Brasil e México. Foi o primeiro jogo que fiz ao vivo no estádio.

FE – Então deve ser uma burocracia muito grande para se fazer uma transmissão destas, não é mesmo?

PJ – Quando fui para a África, fui ao estádio apenas assistir jogos já que nossas transmissões eram feitas no IBC (Centro de Imprensa). É muito dinheiro que se gasta não só para se comprar os direitos de transmissão, mas também para se comprar uma posição de comentarista nos estádios da Copa. São poucos os profissionais que vão ao estádio para transmitir por conta do alto investimento e por isso a maioria das transmissões são feitas nos estúdios. Para mim, foi marcante estar lá, vendo de perto tudo isto e, sinceramente, me arrepio só de lembrar daquele estádio cantando em peso o hino nacional, mesmo com o Brasil fazendo uma campanha de altos e baixos.

FE – Que diferenças, o senhor apontaria entre as Copas da África e do Brasil?

PJ – Muita gente fala disso, mas sinceramente acho que não tanta diferença assim. Se a gente for analisar pelos estádios, não tem nada de diferente e as dificuldades existem, em qualquer lugar, sendo que muitas delas são históricas e não mudam de uma hora para outra. As culturas são diferentes e isso é que deve ser ressaltado porque a gente tem a oportunidade de conhecer outros povos ver coisas que jamais imaginaríamos. Jamais um dia eu pensei de conhecer a África e conheci, me encantei com a alegria deles conheci muito sobre a cultura e a alimentação, embora não me arriscasse muito a comer. Preferia fazer a minha alimentação mais na base de sanduiches do que experimentar as coisas da gastronomia de lá.

FE – Falando nesta parte gastronômica, no rádio, o senhor costuma passar as famosas receitas de bolo. Se o Felipão te ligasse que receita passaria para os jogadores da Seleção Brasileira?

PJ – (risos) Antes de responder esta pergunta esta história de receita é interessante porque num dos aniversários do Dilton Coutinho (apresentador do programa Acorda Cidade), eu lancei a receita de Ki-suco de carambola, além do bolo de abacate com cobertura de chocolate. Não é que isso pegou? Aí começou um monte de gente a ligar para a rádio me pedindo diversas receitas e o negócio tá ficando tão sério, que já me sugeriram lançar o livro “As receitas do PJ” (risos). Para este time do Felipão eu recomendo um bolo de maçã, para relaxar, e um Ki-suco de jenipapo para baixar a pressão porque se a gente for lembrar do jogo com o Chile, foi um verdadeiro teste para cardíaco.

FE – Com duas Copas do Mundo no currículo, podemos então afirmar que o senhor é um profissional realizado completamente?

PJ – Não tenha dúvida disso. Não tenho mais sonhos profissionais a serem realizados porque já fiz tudo que um dia sonhei: fiz Copa América, finais de Campeonatos Baiano, Brasileiro, Libertadores da América, transmiti grandes jogos e até mesmo uma final de Copa do Mundo. O principal sonho que eu tinha que era ser narrador esportivo eu realizei porque, como eu já disse e reitero: dentro da crônica esportiva é a função mais complicada de se fazer e a prova disso é que em Feira de Santana não há uma renovação. Os que estão na ativa já têm muito tempo de rádio, exceto o Valdir Moreira, que veio de Santo Antônio de Jesus, e o Itajay Junior, que já não é tão jovem assim, mas que seguiu os passos do pai, o grande Itajay Pedra Branca.

FE – Por falar nisso, como o senhor se sente vendo o seu filho, Danilo Freitas, seguindo os seus passos investindo na carreira de cronista esportivo?

PJ – (neste momento Paulo José não conteve a emoção) Na verdade, eu não queria... (com a voz embargada).Mas, um dia cheguei em casa, cansado depois de ter feito mais um transmissão e me surpreendi ao ouvir meu filho me imitando, usando bordões com “Acelera, acelera” e “Arreia, arreia”. Aí eu pensei “Meu Deus, será que é isto mesmo que meu filho quer?”. Depois nós conversamos, falei sobre as dificuldades de ser um cronista esportivo, porém ele me confirmou que era isto mesmo que queria e hoje já trabalhamos juntos: eu como narrador e ele como repórter, viajamos juntos, trocamos experiências. É difícil descrever isto. Só sei que para mim é uma grande alegria, satisfação saber que sou um espelho para ele, que tem um grande futuro pela frente e com certeza vai me substituir no dia que eu me aposentar dos microfones.

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