terça-feira, 19 de maio de 2015

A PRAÇA É DO POVO?


Alana Freitas, professora

Costumo dizer que sou feirense de umbigo enterrado, expressão popular baseada na tradição de enterrar o umbigo da criança no local onde nasce, simbolizando sua pertença eterna com aquele pedaço de chão. Nascida e criada nessa terra, sinto-me uma tabaroa de Feira com todo orgulho e gosto de reafirmar essa filiação por outras terras por onde vou, sempre com a passagem de volta marcada. Como boa feirense, tenho o hábito/costume ou até vício de “bater perna na rua”, como os franceses dizem, sou uma flaneur. Para quem não é baiano, ir à rua significa ir ao centro da cidade, parte viva e pulsante de toda urbe. O motivo pouco importa, desde a compra prosaica de um presente até a resolução de um problema burocrático, o prazer é andar pelo centro vendo as novidades, parando em carrinhos de frutas, comendo amendoim ou milho assado, apreciando o corre-corre das pessoas e imaginando suas histórias de vida, escolhendo bugigangas que à primeira vista parecem essenciais.

Gosto disso desde criança. Pela mão de minha mãe, íamos comprar tecido na Violeta, aviamentos no Armarinho Marta, pão na Padaria da Fé, café e fubá no Tabajara, quinquilharias em Zé do Fusca... Recordo do encantamento quando entrei pela primeira vez nas Lojas Brasileiras, meu primeiro Shopping com aquele mundo de doces à granel, ou subi as escadas rolantes das Pernambucanas. Quando era necessário íamos sacar algum dinheiro na ASPEB, pois não existia cartão de crédito naquele inicio dos anos 80. O ápice desses bordejos era merendar no Predileto ou o coroamento de um almoço no Boiadeiro. E essa redondeza era toda beleza, havia ali no início da Sales Barbosa um pipoqueiro e um freezer da Kibon, além de um jardim com bancos para tomar nosso sorvete confortavelmente.

Esse preâmbulo de memórias felizes hoje se choca com a atual situação do centro da cidade. Ir à rua tem se tornado uma tarefa inglória, eu tão feirense, tão “rueira”, estou perdendo o gosto de “bater perna”. A sujeira e a desordem reina nas artérias principais da cidade, não há mais espaço para o pedestre, para o consumidor ou para qualquer um que se aventure. O comércio informal (fique claro que sou defensora de sua existência, desde que ordenadamente) espalhou-se por todos os espaços, já não conseguimos nem mesmo identificar algumas lojas. As barracas, dantes móveis, agora são chumbadas nos passeios, o calçamento é sofrível. Se durante o dia a paisagem é triste, a noite lembra cenas dantescas com aquele emaranhado de fios e armengues diversos. É triste ver um comércio tão pujante, marca principal da cidade, prejudicado pela desorganização. A Marechal Deodoro está praticamente intransitável, atravessar a Senhor dos Passos é uma maratona, a feirinha da SUFEIRA (continuo teimosamente cliente) é cercada por esgoto à céu aberto, a Praça Bernardino Bahia destruída, para ficarmos em alguns lugares estratégicos do centro.

Não sou urbanista, nem engenheira, nem gestora pública para apontar soluções, mas uma cidadã que tem amor por sua terra e se envergonha dessa situação. Se Ruy Barbosa por aqui hoje passasse, certamente não seríamos batizados como Princesa do Sertão. Não se trata de saudosismo, o crescimento é inevitável, todavia o caos não é progresso, é destruição. Desejo continuar batendo perna na rua e que meu filho e meus netos ainda sintam esse mesmo prazer, mas como as coisas andam eles terão outras memórias construídas apenas sob as paredes do Shopping Center. Devolvam a praça ao povo... Como o céu ainda é do condor, continuemos sonhando...

Alana Freitas

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