sexta-feira, 1 de abril de 2016

SOBRE POETAS E POESIAS: OS MICROCONTOS DE MARCONDES ARAÚJO



Falávamos de poesia, eu e dois colegas de trabalho, já no finalzinho do expediente. Me emocionei lendo um texto que produzi em agosto de 2011, em homenagem a meu pai (Amílcar de Jesus), e acabei lembrando de uma frase que escrevi em um dos muitos momentos de lembrança do inesquecível Egberto Costa: E de repente a saudade salta do coração e chega aos olhos. Quase ao mesmo tempo eles disseram que eu era poeta. Nada! Apenas junto palavras. Poeta é quem transforma palavras frias em versos e os distribuem almas afora. Como Marcondes Araújo e seu minimalismo fantástico. 
(Madalena de Jesus)


Iluminária

O facho de luz só se torna visível ao iluminar as partículas que estão no ar.

Estética da ignorância

Não deixa de ser bonito: o livro aberto, em cima do monturo de lixo, com as páginas sendo passadas, uma a uma (talvez lidas), pelo vento.

Fora da rota

O avião passou por cima de minha casa, como nunca tinha acontecido. Fiquei a admirar aquela maravilha da inteligência humana. Mas logo vi que ele estava fora de rota. Fiquei aguardando a notícia de um desastre aéreo, que não veio. Aí passei a imaginar que finalmente a gente pode chegar a um outro destino, a um lugar melhor. Mas também não tive notícia disto.

Sede

A saudade era tanta que ela todo dia torcia a camisa dele, para ver se ainda saía uma gotinha de suor.

Naufrágio

A mulher, linda, maravilhosa, agarrou-se, no desespero, ao seu pescoço, tentando salvar-se do afogamento. Ele sabia nadar, mas se deixou arrastar, com ela, pela correnteza. E teve tempo de sussurrar-lhe ao ouvido: Você é vida!

Execução

Eu fumava no alpendre da casa, e os faróis encadearam meus olhos. Mas deu pra ver ela saindo do carro, correndo em minha direção, gritando “socorro”: nua, com os braços abertos. Linda! Linda! Ouvi o tiro, e antes dela cair nos meus braços, senti a pancada na testa. E morri.

Madalena

Pistola engatilhada, pisando no pescoço do policial que arrecadava dinheiro com o crack, o miliciano reivindicava, em meio ao povo da favela: "Quem vai atirar a próxima pedra?!"

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