domingo, 14 de agosto de 2016

RÉQUIEM E INCELENÇAS PARA LENI DAVID



Essa semana nos deixou uma mulher muito especial, Maria Lenilda Carneiro Santos David, Lene ou Leni para os seus afetos. Todos que tiveram a sorte de conhecê-la reconhecerão nessas minhas palavras as suas singularidades.

A UEFS me deu muito ao longo desses 23 anos entre aluna e professora, mas dentre o melhor que recebi estão as muitas pessoas especiais que cruzaram meu caminho e tocaram minha vida. Leni é uma delas... Nos conhecemos no começo dos anos 2000. Eu, a jovem professora substituta cheia de sonhos a conquistar, ela a experiente professora aposentada que voltava da França para sua amada Feira como Professora convidada. Nos tornamos amigas de infância no primeiro dia que nos conhecemos, aquela empatia inexplicável que quem já sentiu sabe do que estou falando. Ela era pura emoção, história e memória em forma de gente. Uma exímia narradora, cheia de causos para contar.

Sua vida já era um grande livro. Sertaneja com raízes fincadas, filha de uma família tradicional de nossa cidade. Ganhou a França e se reinventou, foi fazer mestrado na Europa, quando por aqui um diploma ainda era para poucos. Lá encontrou um amor de folhetim, Monsieur Denid, um verdadeiro Chevalier francês, o seu Dêdê, sempre amoroso e paciente com os sonhos de sua amada. Mas era preciso voltar, Feira era seu norte, sua terra encantada. Como nos versos de Raul Seixas que sempre brincávamos, "a gente pode ser feliz em Feira de Santana ou em Paris". Mãe leoa de suas três meninas, vó com açúcar (Mami), filha e irmã devotada. Ela gostava de contar do seu nome, união de Leonel e Hilda, costume bem nordestino, puro amor já de nascença!

Ela irradiava entusiasmo, onde estava juntava gente para ouvir suas tramas. Dentre elas lembro especialmente da Rainha da Primavera, publicado no seu blog Baú da Princesa, uma linda história que tem sua irmã Iara como protagonista. Boemia, farrista, amiga da boa mesa e do bom copo, adorava receber os amigos para prosear. Conhecia muito de música e se deleitava com seu repertório variado, de Waldick Soriano a Gipsy Kings, de Gilberto Gil a Azsnavour, de Quixabeira a Beethoven (nome de seu cachorro).

Aliás, essa mistura cultural era sua marca, a batizei de franco-feirense, só porque feirense na frente não ornava ... Leni do Foie gras e do Redenho de carneiro, Leni do Champs e da Rua Direita, Leni de Balzac e das frases de caminhão, Leni da ópera e do samba (sambava que só!), Leni das coleções de livros, de sapos e de bonecas. Além de intelectual, pesquisadora das imagens da baiana na literatura, da presença da MPB na literatura, tinha talentos inimagináveis. Cozinheira, costureira, bordadeira, pintora de parede, fotógrafa e muito mais.

E um dos seus talentos especiais era ser amiga, trazia sua fé em Nossa Senhora Santana para nossos momentos de dor, sempre nos animando e chamando para a poesia da vida. Sabia ver poesia em tudo, mas também era boa de briga, garantia suas verdades sem medo de enfrentamentos. Xingava com uma graça que só ela.

Queria te agradecer por muito que me ensinou e me deu. Em 2006, quando minha filha recém-nascida morreu, ela me ajudou cotidianamente a sair do luto, me chamando para trabalhar com ela num concurso de redação entre outros motivos para viver de novo. E num almoço inesquecível em sua casa, um almoço francês completo daquele que duram horas, até cachaça da Segunda Guerra tomamos, consegui rir de novo e sair da zona cinzenta em que estava.

Amiga, como nos versos do seu grande amigo Antonio Brasileiro, um dia seremos todos memórias, você deixou muitas entre nós... Vá alegrar os anjos com seus causos.... Para você um Réquiem porque foi européia e incelenças porque era uma sertaneja arretada de boa!

Alana Freitas, professora

7 comentários:

  1. Parabéns, professora Alana Freitas pelo belo comentário a respeito da professora Maria Lenilda Carneiro Santos David. Ela foi minha colega, participamos de vários trabalhos de equipe em nossa vida universitária na UEFS e também de um Congresso Nacional de Ciências e Letras na Sociedade Unificada de Ensino Superior Augusto Motta no Rio de Janeiro. Quando ela retornou da França nos comunicamos várias vezes. Veja como é a vida. Revendo uma "coruja" que ela me presenteou, senti saudade e fui me comunicar e encontrei no Google a notícia do falecimento. Fiquei perplexa. Não acreditava no que estava lendo. Emocionada, comentei com a amiga Michéle Godefroid que encontrou o seu comentário a respeito de Lenilda nesse blog e passou para mim.
    Muito obrigada, professora Alana Freitas, minha colega foi e sempre será a Leni que você descreveu tão bem. Chorei emocionada.

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  2. Obrigada Alana. Só uma pessoa com a sua sensibilidade para faxer uma homenagem tão linda a queridíssima Lene, que é imensurável a sua ausência.

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  3. Obrigada Alana. Só uma pessoa com a sua sensibilidade para faxer uma homenagem tão linda a queridíssima Lene, que é imensurável a sua ausência.

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  4. Querida Alana, li sua homenagem a Leni e fiquei emocionado. Sim, Leni era tudo que você descreveu: o coração enorme, muita coragem e grande amor para a vida. Ainda continuo chorando com a ausência dela. Muito obrigado, Alana, e quando quiser, a porta de nossa casa, a casa de Leni, continua aberta! Denis

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  5. Alana, relendo seu texto, e um ano depois desta partida que vou achar sempre prematura, vejo em cada cena que você recompõe, a figura corajosa, sem papas na língua e de um coração enorme de tanto amor, reviver diante dos meus olhos. E vai ser sempre assim. Minha mãe veio ao mundo para brilhar e será uma lembrança e uma presença especial em nossas vidas. Obrigada mais uma vez.

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  6. Alana, Flor, Denis e Patrícia, Leni me lembrava sempre mainha que também já partiu e é provável estarem juntas agitando o céu com sabores e sorrisos. Leni me chamava carinhosamente de "Guti", e eu achava tão elegante essa exclusividade, me sentia tão digno quando em sua presença falávamos de coisas da cozinha e dos nossos baús. Leni era pura luz e alegria: me sinto uma pessoa melhor por ter compartilhado momentos raros com ela. Beijos nas asas, Leni. Vá voar com mainha...

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  7. Alana minha querida, passeando por aqui, deparei-me com seu belíssimo texto em homenagem a esta tão querida professora e amiga, também tive a honra e graça de ser aluna na especialização da querida, de saborear com a minha turma um dos seus quitutes ao final do curso, pois vc a descreve muito bem quando fala do talento de cozinheira e da sua humildade como profissional, entre tantos outros talentos , não sabia da passagem desta querida para a Pátria maior, estará então presente nas minhas orações, obrigada Alana por mais uma vez presentear-me com um dos seus textos, Deus a abençoe sempre.

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