terça-feira, 30 de julho de 2019

INACESSÍVEL É O CÉU



Esse texto foi escrito em 2004 e publicado em 18 de setembro do mesmo ano, no Jornal Folha do Estado, como matéria especial da edição alusiva ao aniversário de Feira de Santana. Hoje, exatos 15 anos depois, Maria José é professora concursada da rede estadual de ensino, perdeu o convívio com o companheiro da vida inteira, que faleceu no ano passado, é avó, fez a tão sonhada viagem à França – ela define Paris como um grande museu a céu aberto – e aos 71 anos ainda não pensa em se aposentar. “Ah, só daqui a uns anos”, diz, cheia de vigor.


A professora Maria José de Macedo Santana ainda guarda na memória o dia em que saiu da casa onde nasceu, em um pequeno sítio na cidade de Ribeira do Amparo, no Nordeste da Bahia, para frequentar a escola, em Caldas de Cipó, com apenas oito anos de idade. Foi lá também que cursou o ginasial e tomou gosto pelos estudos, mas não pôde continuar. Naquela época, as alternativas eram Alagoinhas, Feira de Santana ou Salvador. Todas inviáveis.

Esse foi apenas um dentre os muitos empecilhos que a penúltima dos 13 filhos do agricultor Luiz Gonzaga de Macedo e Maria Dantas de Macedo enfrentou ao longo da vida. Ela voltou para casa com uma pontinha de frustração, reforçada pelos lamentos da professora Maria Odete Santana. Determinada, Zelita – como ainda hoje é chamada pelos familiares – aprendeu desde cedo a perseverar, mas também a esperar.

Hoje com 57 anos de idade, ela avalia que valeu a pena a forma como conduziu a própria vida. Sim, porque coube a ela todas as decisões que demarcaram seu destino: do casamento com o motorista Daniel Aureliano de Santana, aos 19 anos, contra a vontade dos pais, à retomada dos estudos, anos depois. “Casar, naquela época, era a alternativa para a grande maioria das mulheres, mas eu casei por amor”, disse Maria José, convincente.

Arrependimento? Em nenhum momento. Mas volta e meia a vontade de estudar despontava, para ser barrada pelo marido. Veio o primeiro filho e o sonho parecia, então, mais distante. “Eu estudava em casa, comprava dicionários, revistas, livros de bolso, romances”, contou. Mas o que ela queria mesmo era aprofundar os conhecimentos em Francês, que estudou no Ginásio e nunca mais esqueceu. “Até hoje eu tenho as anotações guardadas”, lembrou.

Assim como as anotações, ela mantém guardados os presentes dos amigos, conhecedores de seu gosto “pelas coisas da França”, dentre os quais o volume completo da publicação “C’est Facile”, que traz os primeiros passos para a aprendizagem da Língua Francesa. Foi em Feira de Santana – ela veio para a cidade em 1972 – que aconteceu o passo definitivo. A primeira tentativa foi um curso de Francês, mas era caro.

“Quando eu disse que o preço não era acessível, o professor Jean Marie disse; ‘inacessível é o céu’”, recordou Maria José, que passou a fazer da frase uma filosofia de vida. Até o marido mudou de opinião. Os colegas sugeriram que ela fosse para a Universidade, mas era preciso concluir o segundo grau. O caminho foi o CPA (antigo Supletivo), com a ajuda dos filhos Itaniel, Flávia, Lívia, Valéria e Débora.

Aos 49 anos, em 1977, ela cruzou os portões da Uefs para frequentar o curso de Letras com Francês. “Um sobrinho disse, quando comemorávamos o resultado do vestibular, que passar era fácil, difícil era cursar”, lembrou Maria José. A resposta veio com o histórico escolar: o curso em tempo mínimo e nenhuma prova final. “No início eu temi que houvesse rejeição, pela idade”, disse. Mas foi só no início.

Dentro do Espírito de não desistir nunca, ela acabou se tornando o exemplo da turma. No dia da formatura, fez o juramento – em francês, é claro – e emocionou a todos. Hoje, Maria José é Especialista em Gramática da Língua Portuguesa, pós-graduação feita também na Uefs, dá aulas particulares de francês e se prepara para a seleção de Mestrado em Literatura. Depois? Como diria Jean Marie, inacessível é o céu.

Madalena de Jesus, jornalista


2 comentários:

  1. Lindo Mada
    Quisera Deus que todos nós fossemos poetas para escrever um pouquinho de nossas trajetórias.
    Carinho, e paz em nossos corações...

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