sexta-feira, 17 de julho de 2015

UM RIO QUE PASSA NA MINHA IMPERMANÊNCIA




O abstrato cálido das horas trespassa sobre os nossos dias exatamente iguais
E, a comichões, impõe às nossas almas uma falsa sensação de paz
Um descompromisso irresponsável com a vida que pulsa em nossos músculos
Em nossas veias entorpecidas pela porção diária de deletérias substâncias/
Deletérias que nos acodem os ais transitórios da existência/vida
Estes anestésicos diabolicamente maravilhosos!...

A última palavra das Ciências!...
Ópio qualquer que ludibrie os nossos sentidos e os guie para outro sentido qualquer...
Estar na vida é esgueirar-se entre o possível e o sonhado.
É permitir-se ser o que lhe aprouver, é não olhar pra trás na hora derradeira
Em que a porta do ilusório, sempre entreaberta, se feche para o Eterno e para o nunca mais...
E para onde vai esta estrada traiçoeira, estes navios sem rotas definidas, becos sem saída?
Para onde vai o barco que partiu do cais, alheio às águas procelosas que o atormentará?
A vida, este redemoinho de incertezas, partiu de onde e para aonde irá?.
Estáticos, mortos-vivos, em meio à tempestade, o que nos cumpre é imaginá-la além
Para além do além do além que só em sonhos as nossas pobres almas ousam contemplar
E ao voltar de águas nunca navegadas regressarão silentes como se lá não foram
Como se a vida e a morte se cingissem à vaga sensação do aqui/agora
Prisioneiros ao terra-a-terra que enevoa e que embaça a nossa visão do todo indivisível!
E o medo do desconhecido nos persegue há quantos milênios,  quantas existências/vida...
Vida que se arrasta peregrina pela vida afora nas estações insondáveis do Destino/Tempo...
Às vezes, quando o silêncio das horas se impõe sobre o meu ser espectral, me ponho a pensar Alhures...

E assim, envolto no meu ensimesmar-se, perquiro ao Infinito sobre os que partiram,
Sobre os que não mandam notícias do lado de lá -- se é que existe um lado de lá!
E dano a me perguntar o que fazem na imensidão da noite austral aquelas plêiades Incandescentes, lápis-lazúlis, fiat lux, acendendo sóis dentro de mim...
E como um ser deserdado do Universo, sobrevoo o planeta que há em mim. E choro!
E choro copiosamente pelo presunçoso ser que sou: um cisco microscópico, uma ameba...
Um egoísta de um egoísmo atávico flutuando num périplo sem fim ante o majestoso Deus a perguntar:

 "Senhor, o Universo, eis a Tua casa, e nela quantas moradas há?”
Como estes versos toscos que invento para apascentar minha alma
Como estes pensamentos aleatórios que me veem não sei de onde, vem
Como esta tarde que se esvai sem que a noite se dê conta da sua chegada
Como a minha destra vagueia sobre estas últimas palavras
Meus olhos se enchem de horizontes em busca de respostas vãs
Em busca de consolações possíveis ( se é que há possíveis consolações possíveis)
Ó metafisica que compõe a nossa química nesse aglomerado osso/músculo/carne/vida!
Ó mágoa incontida nos seios das mães que choram os filhos na partida, todas as partidas
Ó derradeira hora do abraço que enlaça toda a chegada, toda a despedida.
Ó não-caber-em-mim as confissões de tantas injustiças plenas , tantos crimes insondáveis
Trazei-me a bússola que me aponte o Norte ao Norte da minha vida!
Trazei-me a morte numa manhã tranquila como ponto de partida!
Eu, que tenho como respostas óbvias o cintilar dos astros, a madrugada infinda
Aguardarei todas as verdades reveláveis, todas as respostas escusas, escondidas
À beira de um rio que passa no cume da minha impermanência.

Jorge Magalhães

COMENTÁRIO

Fiquei não sei se bêbado, em transe, entorpecido ou simplesmente emocionado com o seu poema. Não vou fazer elogios, você não pede e não precisa. Apenas humildemente dizer-lhe que você é um poeta vivo, vibrando palavras quais açoites, esgrimido versos com maestria, tematizando martírios comuns a muitos, desnudando sem pudor sentimentos humanos. Abraço amigo, obrigado pela deferência de postar seus versos sob minha divagação tão simplória. (Armando Sampaio)

Nenhum comentário:

Postar um comentário