domingo, 17 de abril de 2016

NEM CHORO NEM VELA (OU O VELÓRIO DOS SONHOS)



Eu morri. Alguns segundos, minutos ou horas após a constatação – a noção do tempo era quase tão irreal quanto a sensação de não estar viva – eu ainda me debatia entre ir ou ficar naquele lugar. Olhando em volta, percebi que, entre os rostos conhecidos e amados, havia pessoas que jamais tinha visto. Incompreensível. Mas segui meus devaneios sobre a inverossimilhança da situação e deixei para trás essas impressões, digamos, inúteis.

Passando entre os grupos que se formavam naquela espécie de praça coberta, algo parecido com um salão de festas daqueles bem antigos, mas sem portas ou janelas, mal ouvia as conversas que se embaralhavam, ora baixinho, ora bem alto, quase estridente, eu diria. Diálogos interrompidos, frases soltas, palavras sem nexo. Estariam falando de mim? Certamente. Mas o que? Não dava para compreender as vozes, que na maior parte do tempo formavam uma mistura de sons incompreensíveis. 

Mas um em especial chamou a minha atenção naquele velório sem corpo ou mesmo caixa funerária – talvez esta fosse a razão da leveza quase tocável que impregnava o ambiente. Apenas quatro pessoas, de pé, formando um meio círculo. Uma delas segurava uma folha de papel, de onde saltavam as letras de um belíssimo texto sobre a minha trajetória de vida – e de morte. “A jornalista que fez do caminho o ponto mais importante do que a chegada”, dizia a matéria publicada não sei onde.

Os comentários elogiosos se alternavam entre a personagem citada – no caso eu – e o autor do texto, o também jornalista Caíque Marques, um menino com passagem marcante em minha vida. “A morte é o caminho mais reto para chegar a uma outra vida”, dizia ele, compenetrado em sua sabedoria precoce, característica que sempre admirei. “Ela morreu como viveu: esparramando alegria”, escrevia mais adiante. Confesso que o verbo esparramar me surpreendeu.

Também fiquei surpresa quando, às 8h do dia seguinte, já bem acordada, telefonei para o escrevente do meu epitáfio e ele disse, com a tranquilidade que lhe é peculiar: “Estava fazendo caminhada e pensando em você”. Contei o sonho, conversamos por algum tempo, marcamos um encontro para breve, prazo que certamente não cumpriríamos, a não ser por um desses acasos inexplicáveis como o ocorrido um dia depois. E foi só.

Mas a ideia da morte não saiu assim tão fácil da cabeça. Relembrando uma conversa que tive dias antes com a jornalista Beatriz Ferreira – aquela que um dia disse que eu escrevia com a alma – sobre velórios interessantes, comecei a imaginar como seria, de fato, o momento de minha passagem deste para outro mundo. Pensei em várias possibilidades, incluindo escolha de local e até definição de lista de convidados para o velório. Teria missa? Os parentes iriam? E os amigos?

No final das contas resolvi conter as divagações e me ater apenas a um ponto. Quando eu morrer, de fato, podem fazer o que quiserem que estará tudo bem. Eu quero mesmo é ver (?) meus amigos reunidos, com muita música, poesia, literatura e casos. Podem chamar Beto Pitombo, Dionorina, Cescé, Jorge Magal, Djalma e Dilma Ferreira, Maryzélia; José Augusto e Fernando Oliveira com seus teclados; Marcondes Araújo para ler os seus minimalíssimos contos; Lia Sena para declamar uns poemas – pode até ter um recital, por que não?

Eu não vou achar nada ruim se  forem distribuídos alguns livros – estilo o projeto do Beco da Energia – e Elsimar Pondé poderia cuidar muito bem disso, junto com Caíque Marques (olha ele!) e Jamil Souza. Ah, e não podem faltar Neire Matos, Valter Xéu, Jailton Batista, Reginaldo Pereira, Geraldo Lima, Socorro Pitombo e Cristóvam Aguiar (com Maura, claro), para contar algumas passagens interessantes de minha vida. Sem apelos, espero. E sem essa história de velha guarda! Porque é melhor ficar velho do que morrer...   

Madalena de Jesus                                                                                                                                                     
                                                                                                                   

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