sexta-feira, 18 de setembro de 2020

FEIRA DE SANTANA E AS DOCES LEMBRANÇAS DA INFÂNCIA


                                     Socorro Pitombo                                                                                              

O dia de segunda-feira em nossa casa era bem movimentado. Logo cedo, chegava o meu tio Antônio – Tonho para os mais chegados – irmão da minha mãe. Fazendeiro e pecuarista no vizinho município de Tanquinho, vinha fechar negócio no Campo do Gado, ainda hoje importante entreposto comercial de pecuária em Feira de Santana.

Tio Tonho usava terno de brim cor cáqui, bem engomado, chapéu sombreando o rosto já curtido pelo sol do sertão, um perfeito tabaréu, no bom sentido da palavra.  Quanto mais o terno de brim engomado, mais dinheiro no bolso do fazendeiro abastado! O fato é que ele vinha, invariavelmente, acompanhado da minha tia e primas. Elas com o objetivo de fazer compras no já afamado comércio da cidade.  

Na feira livre da segunda-feira, a variedade de produtos se comparava à variedade de tipos humanos que se apinhava no entorno das praças principais. Eram mulatos e negros fortes, com seus chapéus de palha de aba larga, a proteger do sol inclemente; ou chapéu de couro bem característico do sertanejo. E o comércio fervilhava, comércio bom mesmo, que atraía as gentes das cidades vizinhas, que aqui compareciam semanalmente para as compras.

Morávamos, então, na rua Direita, hoje Conselheiro Franco. O movimento começava cedo, era um dia diferente! Eu ainda garota, escapulia com as amigas para visitar as barracas, onde comprávamos panelinhas de barro – o dinheiro, tio Tonho garantia -, para brincar de cozido nos frondosos quintais das antigas residências. Brincávamos também de teatro, de cantoras do rádio, e de tantas outras fantasias que a nossa imaginação pudesse alcançar. Eram dias felizes, aqueles da infância!

Quando a noite caía, depois do jantar, as brincadeiras continuavam reunindo a criançada da vizinhança. Cantávamos em círculo, brincando de roda, tirando versos ou então de chicotinho queimado, cabra cega… Como não passava carro, um luxo naquela época, a rua era o limite, até o momento em que chegava a hora de nos recolher, o que fazíamos a contragosto.

Aos domingos, sempre à tarde, era dia de visitar as nossas madrinhas. Desde cedo os preparativos para o passeio. O banho mais demorado, os melhores vestidos, os laços de fita nos cabelos. E lá íamos nós, eu e minhas irmãs. As visitas dominicais esperadas com entusiasmo, pois rendiam guloseimas e presentinhos.

 Íamos com Valtino, um faz tudo lá de casa desde que me entendia por gente.  No quintal, ele cantava como se estivesse num palco. Os trejeitos sinalizavam o que só muito mais tarde iriamos perceber. Mas lá um dia, Valtino cismou que iria para São Paulo, não teve quem o segurasse. E lá se foi deixando saudade, nunca mais soubemos o seu paradeiro. 

São recordações da infância, que me veem à memória nesse dia tão especial para nós, feirenses, quando se comemora os 187 anos de emancipação política de Feira de Santana. Lembranças boas, saudade de um tempo que ficou perdido. Onde mesmo…?  Diz a escritora Adélia Prado, que “a memória é contrária ao tempo. Enquanto o tempo leva a vida embora como vento, a memória traz de volta o que realmente importa, eternizando momentos”. Sábias palavras.

 E me ponho a lembrar das festas de antigamente. Os vestidos bordados e tão bem caprichados. A saudação à padroeira, em sua passagem pelas ruas em procissão até o largo da matriz. O Bando Anunciador, com os zabumbas animando os nossos domingos. A Micareta de então, com o desfile dos carros alegóricos a enfeitar as ruas centrais. No Feira Tênis Clube, a Noite no Havaí antecedia a festa e reunia beldades, mostrando a graça e a beleza da mulher feirense. Tempos bons da minha meninice e da mocidade, tempos idos.

Havia também os aguadeiros. Rapazes que vendiam água. Em dias de festa, usavam calças brancas e camisas coloridas, laçarote de papel de seda a enfeitar o chapéu de palha, como nos conta o poeta feirense, Eurico Alves Boaventura. Montados em jumentos também engalanados, os rapazes levavam água nos barris para a lavagem da igreja, ritual que fazia parte dos festejos em louvor a Senhora Santana.  Daí a expressão tão bem conhecida, “mais enfeitado do que jegue em dia de lavagem”, quando se quer descrever uma pessoa com muitos adereços.

  E assim era a Feira de Santana de outrora. Terra formosa, cheia de graça infinita… como vai nos lembrar Georgina Erismann.  Hoje, uma cidade que cresce desordenada e encantadoramente provinciana, como menina faceira, embora com seus 187 anos.

Parabéns Feira de Santana, cidade que só nos traz orgulho e tão acertadamente chamada Princesa do Sertão.

Socorro Pitombo, jornalista

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