segunda-feira, 5 de junho de 2023

JORJÃO, O REPÓRTER FURÃO

 


Por Cristóvam Aguiar

Jorjão era o melhor repórter do jornal “A Trombeta”, o independente e intimorato semanário da cidade de Brasilônia, município encravado no coração do sertão aonde nem notícia ruim chega. Cidade pacata, mas um tanto surrealista. Talvez o único lugar do mundo onde, embora detentor das maiores plantações de mandioca, era obrigado a importar álcool para abastecer os seus veículos, simplesmente porque era proibido fabricar álcool no município. Coisas dos governantes de Brasilônia, que não compete a nós, pobres mortais, discutir nem discordar.

O coronel Durval Martins Falcão de Carvalho, homem poderoso do lugar, tido e havido como verdadeiro dono do município, tinha um fraco: era viciado em sexo. Na sala de sua casa, sua espada, conquistada com honras e glórias nos tempos do exército, fora colocada na parede da sala com a ponta voltada para cima, qual verdadeiro símbolo fálico.

Seguia Brasilônia a sua vidinha pacata, com a rotina quebrada vez ou outra por alguma festa, eleições ou algum crime bárbaro. Jorjão, o repórter do “A Trombeta”, jornal que o coronel costumava qualificar como “imprensa marrom”, sonhava com uma grande matéria que lhe desse notoriedade e, quem sabe, rendesse um convite para trabalhar num grande jornal da capital.

Ansiando pela oportunidade que não vinha, vez por outra ia à igreja matriz para pedir a Nossa Senhora dos Desafortunados, uma chance, uma inspiração que o levasse a realizar a tão sonhada reportagem. Certo dia, ao entrar na igreja, postou-se de joelhos perto do altar e estava imerso em suas orações quando ouviu uns gemidos. Olhou em volta, mas a igreja estava vazia. Os gemidos, percebeu, vinham da sacristia.

Aproximou-se silenciosamente e qual não foi a sua surpresa quando, ao afastar um pouco a cortina, flagrou o coronel Durval em pleno coito anal com o padre Bedel, o pároco local. Imediatamente, em absoluto silêncio, Jorjão sacou sua câmera equipada com teleobjetiva e, “click”, fez a foto. Correu para o jornal e preparou aquela que seria a grande matéria da sua vida.

Texto pronto, foto revelada, mostrou ao editor que vibrou com a notícia. Imediatamente mandou “parar as máquinas” e convocou todos os funcionários para trabalharem numa edição extra. Mas havia um porém. Como dar a manchete de tal fato, sem chocar a tradicional família brasilônica? O título não poderia ser uma coisa grosseira. Teria que ser colocado de um modo suave, para não ferir a moral os bons costumes daquela boa gente.

No dia seguinte, estava a edição da “Trombeta” nas ruas, com a seguinte manchete, em letras garrafais: “Membro militar penetra em círculo eclesiástico”.

Crônica publicada no livro A Levada da Égua e outras estórias (2004)

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